As críticas fazem parte do jogo. As empresas precisam aprender isso.
Nenhuma organização se sente confortável quando um consumidor tece críticas a ela, particularmente quando isso acontece publicamente, sobretudo tendo a mídia como caixa de ressonância. Ela sempre imagina que a sua imagem resultará arranhada, o que pode ser absolutamente verdade (mas será que ela não mereceu o puxão de orelhas?).
É razoável aceitar que, quase sempre, ao ser criticada, uma organização (ou mesmo uma pessoa) entra mesmo nessa zona de desconforto, se coloca na defensiva ou busca argumentos contrários (mas nem sempre verdadeiros) para neutralizar crítica etc. Esta postura é normal porque esse negócio de dar a outra face depois de levar uma bofetada não se aplica bem ao universo dos negócios.
Mas não é normal, (na verdade, parece doentio) quando uma organização se empenha para calar as críticas, promove represálias aos descontentes ou ameaça com processos jornalistas e cidadãos que, merecidamente, resolvem pisar-lhe no pé. Encastelada na sua arrogância, não admite que possa estar errada ou que deva existir espaço no mercado e na sociedade para posições divergentes. Querem governar magnanimamente e desfilar sob aplausos. Mas está cada vez mais difícil conseguir ou impor unanimidade.
Há uma explicação (justificativa nunca!) para essa postura: as organizações costumam ser autoritárias simplesmente porque seus diretores (ou gestores em geral) ainda estão, em sua esmagadora maioria, amarrados a uma cultura retrógrada, “dinossáurica”, que encara as críticas como ameaças. Eles não conseguem perceber sinais de alerta ou mesmo sugestões brilhantes que brotam do terreno da boca ou da pena (mais recentemente da tecla) do adversário.
Muitas empresas privadas ou públicas assumem esta atitude autoritária com o objetivo de instituir o silêncio, a falsa excelência de ações e processos, porque não estão dispostas, capacitadas a enfrentar as divergências. Fala-se muito em diversidade cultural, mas, na prática, são transgênicas, não diversas, defendem a tese da opinião unânime e, evidentemente, a seu favor. Proclamam-se sustentáveis, mas praticam o marketing verde e usam o discurso da responsabilidade social como disfarce.
A cultura da arrogância está presente em um número significativo de organizações ou empresas, talvez porque muitos empresários e gestores (infelizmente até mesmo da comunicação) não admitem cometer erros, se sentem donos da verdade, e reagem intempestivamente a qualquer crítica, sobretudo quando elas partem dos seus “colaboradores”.
O momento exige mudanças. As organizações precisam, por uma questão de sobrevivência, conviver com a divergência porque ela será sempre maior, tendo em vista o aumento da concorrência, a visão mais crítica dos consumidores e o avanço da legislação que tolera cada vez menos abusos, como o assédio moral e sexual.
Felizmente, inúmeras companhias já descobriram a importância de contar, em seus quadros, com pessoas críticas, que não temem apontar erros, equívocos ou irregularidades, convictas de que é melhor que isso se faça internamente do que permitir que elas ganhem o mundo lá fora, com uma repercussão negativa em sua imagem ou reputação.
As empresas não conseguem permanecer blindadas, muito pelo contrário, contra as críticas porque as redes sociais, passaram a ser ambiente propício para esta modalidade nova de “rádio peão” eletrônica para a qual não há controle e censura que dêem jeito. Basta não andar na linha, basta desrespeitar o consumidor, praticar o assédio moral contra funcionários ou prejudicar os investidores para que a comunicação máquina-a-máquina funcione a todo vapor. E o ruído silencioso das redes sociais, da comunicação eletrônica é mais devastador do que o dos megafones e carros de som tradicionais.
Não há saída: a sociedade conectada não favorece o controle, torna ineficaz a estratégia antiga (infelizmente ainda utilizada em centenas de cidades brasileiras por empresas e autoridades) de cooptar veículos de comunicação em troca de anúncios, por amizade ou mesmo de ameaçar jornalistas/radialistas que insistem em denunciar escândalos políticos ou econômicos.
Hoje somos milhões de cidadãos mobilizados e munidos de trombones digitais para literalmente botarmos a boca no mundo, se necessário. Não dá para subornar todos nós, silenciar todos nós, mesmo porque, felizmente, sempre existirão muitos, cada vez mais, que repudiam ameaças e não se vendem por coisa alguma. Há um rascunho de cidadania planetária sendo escrito em cada jovem que nasce neste mundo conectado, mas ainda devastado, contaminado pela falta de ética e da solidariedade humana. Essa geração, se não reprimida, pode alterar as regras do jogo que foram impostas há tempo por corporações poderosas, governos totalitários, parlamentares corruptos e empresários inescrupulosos.
As empresas devem contemplar as críticas como sinais de alerta porque boa parte delas se origina de motivos concretos ou até da sua incompetência em estabelecer diálogo com os seus públicos de interesse. Muitas preferem monitorá-las com o objetivo de desenvolver ações de intimidação ou de cooptação (continuam acreditando que toda pessoa tem seu preço!) em vez de ouvirem com mais cuidado e respeito porque consumidores, funcionários, na maioria dos casos, apenas querem colaborar, ainda que o tom não seja em princípio cordial (o que faria você se ficasse sem telefone ou internet o dia todo e dependesse deles para fechar negócios, conversar com parentes e amigos?).
As organizações precisam recrutar pessoas, especialmente líderes autênticos (há chefes que não lideram coisa alguma e que só se impõem pela possibilidade que as empresas lhes dão de chicotear aqueles que os contestam), que estejam dispostos a esta interação com humildade, praticando, interna e externamente, uma autêntica gestão de informações e de conhecimentos.
Os consumidores e a sociedade tendem a ser cada vez mais plurais em contraposição à tendência monopolista dos mercados. Mas essa conta, que não fecha, não será resolvida com tranqüilidade porque os espaços de comunicação e de crítica se tornarão cada vez maiores e mais ruidosos. Contra a pressão de gravadoras e editoras, compartilhamento de material (arquivos, músicas) na web; contra softwares proprietários, o software livre. Contra companhias sem ética, existirão blogueiros com a língua afiada e os dedos ligeiros.
Seremos todos piratas (no bom sentido) no futuro, mesmo que essa realidade pareça distante neste momento. Teremos que compartilhar valores, saberes, informações, conhecimentos se quisermos sobreviver em paz.
Comunicação democrática, diálogo, relacionamento saudável são atributos de uma organização moderna e, ainda que lentamente, a utopia da prevalência da solidariedade humana se fortalecerá porque, gradativamente, este será o desejo (e a necessidade) de todos nós.
Vivemos a era das redes, dos movimentos organizados, da comunicação crítica e, neste novo cenário, as organizações e os governos terão que fazer o jogo da contemporaneidade.
As organizações e governos que quiserem “pagar para ver” levarão um tranco fenomenal. Quando a utopia se transformar em realidade, não haverá espaço para ditadores ou privilegiados. E isso só acontecerá, se acreditarmos nisso e estivermos dispostos a realizar as mudanças necessárias.
As novas gerações darão o golpe fatal nas empresas, governos, oligarquias e patrões que, depois de terem avançado sobre o nosso passado, ainda tentam impedir no presente que a gente construa o nosso futuro.
A verdade é filha do tempo e não da autoridade (Goeth?).