A crise da maioridade nas big techs
Milhares de pessoas que trabalhavam nas chamadas big techs (Amazon, Google, Meta, entre outras) perderam seus empregos nos últimos meses. Operando em contextos competitivos distintos, e sendo “tech" de maneiras diferentes, o que estas organizações podem ter em comum para justificar esta sincronicidade? O que estas empresas enfrentam, de fato, é a crise da maioridade.
Funcionários filmando e compartilhando suas demissões praticamente ao vivo - algumas por email, muitas sem explicações coerentes - causam um contraste enorme com a imagem estereotipada de aparentes culturas de absoluta paixão, engajamento e lealdade nestas empresas. Um sabor de “o sonho acabou” parece permear as conversas.
A nostalgia de ser uma start-up, ágil e divertida, onde quase todos se conheciam e pareciam estar juntos para vencer algum tipo de batalha épica contra o “mercado" (por mais ilusória que seja) está presente em parte das explicações formais feitas em memos e emails pelos atuais CEOs das empresas para explicar as demissões e o novo momento. Vejamos os exemplos: Amazon: “(estou) otimista de que seremos inventivos, engenhosos e lutadores (scrappy)”; Alphabet: "este trabalho é uma continuação do 'saudável desrespeito pelo impossível' que tem sido o cerne de nossa cultura."; Meta: "retorno a uma cultura mais lutadora (scrappy)“.
Em todos os casos os motivos descritos para as demissões passam pela necessidade de eficiência em custos, foco ou priorização. Amazon: “perseguir nossas oportunidades de longo prazo com uma estrutura de custos mais forte”; Alphabet: “afiar nosso foco, reestruturar nossa base de custos e direcionar nosso talento e capital para nossas maiores prioridades”; Meta: “Estamos reestruturando as equipes para aumentar nossa eficiência… transferimos recursos para um número menor de áreas de crescimento de alta prioridade para alcançar uma estrutura de custos mais eficiente”
O que podermos perceber é que estas empresas estão passando por uma importante transição, que vai acarretar em uma nova e diferente natureza de cultura e estratégia organizacional. A tabela abaixo ilustra aspectos importantes deste cenário.
Em pouco mais de 15 anos estas empresas alcançaram um porte descomunal. Considerando o valor de mercado houve um crescimento muito acelerado entre 2013 e 2021, com taxa composta de cerca de 30% ao ano. Desde 2021 tem havido uma mudança de patamar.
Um crescimento desta magnitude só ocorre com um aumento paralelo, e mais do que proporcional, da complexidade de gestão da operação. É preciso levar em conta o fator escala para se entender este processo. Mais pessoas, maior abrangência geográfica, mais unidades de negócios, mais cargos administrativos e intermediários, novas áreas, novas camadas hierárquicas. Tudo isso implica em uma necessidade de mudança e maior estruturação dos processo de gestão e decisão. A maneira como uma empresa de 50 pessoas e um produto toma decisão não se aplica para uma empresa com 100.000 pessoas, inúmeros mercados e produtos. Acaba por se instalar uma maior rigidez administrativa, não por intenção estratégica, mas como resposta natural ao processo de crescimento.
Os fundadores, inicialmente presentes dia e noite, impulsionado as iniciativas e construindo times leais e engajados, neste momento podem ser ainda CEOs do grupo, ou presidentes do conselho, talvez apenas acionistas. Estão inevitavelmente distantes da realidade do cliente, certamente envolvidos com relacionamento com o “mercado” (de capitais) e reguladores, provavelmente atrapalhados com o processo de sucessão de si mesmos que é sempre mais desafiador no âmbito da cultura e gestão do que no âmbito da estratégia e execução.
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Então o crescimento acelerado, antes pilar de sustentação da narrativa cultural destas empresas, começa a dar sinais de enfraquecimento. Em todos os casos os líderes citam contextos de mercado específicos para justificar, para seus colaboradores e para o mercado de capitais, a situação. Deixam de perceber - ou não querem / podem aceitar - que esta nova fase pode ser um momento natural do desenvolvimento da organização.
Geoffrey West, no livro “Escala” (Scale, Penguin Books, 2018) trata da escala como lente para entender e decodificar a evolução de organismos, cidades e empresas. Ao avaliar um enorme banco de dados de empresas (28 mil empresas listadas na bolsa norte-americana entre 1950 e 2009), e conclusão é notável: na média, todas as empresas que sobrevivem ao final se estabelecem em um padrão de crescimento estável, porém, quando se desconta o crescimento do próprio mercado como um todo e a inflação, percebe-se que de fato as empresas deixaram de crescer, isto é, alcançaram um patamar estacionário. Este padrão é o mesmo para o crescimento de populações e organismos, conhecido como curva “S”, ou logística.
Em nossa experiência e metodologia, compreendemos que as organizações passam por diferentes fases em seu processo de desenvolvimento. São como as fases de vida de um ser humano, marcadas por traços característicos e crises de amadurecimento. A fase inicial tem os fundadores presentes, e o espírito de sobreviver, fazer acontecer e lealdade é fundamental. Com o sucesso inicial vem o crescimento , e a necessidade de organizar, estruturar e gerir a empresa. Novos investidores (ou abertura de capital) chegam, atraídos pela taxa de crescimento, impactando (inconscientemente) a filosofia e cultura originais. A complexidade cresce tanto nos âmbitos concretos (quantidade de pessoas, camadas hierárquicas, linhas de produto, reportes) quanto nos subjetivos (liderança, ambiente, agilidade decisória, medo de inovar). Neste movimento pendular muita energia de gestão é colocada internamente, e o desafio de voltar a colocar o cliente no centro da estratégia emerge. A resposta usual - paradoxalmente - vem por meio de eficiência, processos, custos.
O que muitas vezes não se percebe é que esta é uma transição para uma nova fase da vida da organização, em que os aspectos como cultura, liderança, vínculo genuíno com clientes e stakeholders, deve ganhar maior importância. Uma fase mais madura, em que a organização precisa ganhar consciência sobre seu papel e impacto não apenas no mercado, mas também na realidade em que opera. Abre-se a possibilidade de transcender a métrica do crescimento e resultados, para uma estratégia coerente com o propósito de longo prazo da empresa, que buscará perenização e impacto, com resultados econômicos saudáveis. Esta fase de integração requer uma ressignificação da cultura organizacional, que abarque a nova visão de mundo e princípios de gestão para a elaboração e execução de uma estratégia coerente. Possivelmente, aa explicitação da cultura e estratégia desta nova fase atrairá um outra classe de investidores e acionistas que não priorizam o rápido crescimento, e percebam uma associação mais clara entre seus valores pessoais e a filosofia de atuação da empresa.
Evitar as dores da maioridade leva à repetição de erros e hábitos de fases anteriores. Assim como na vida, nunca se volta a uma época anterior. As respostas que estas big techs vem dando parecem tiradas de livros texto antiquados de administração. Para que possam trilhar esta jornada seria fundamental uma visão mais contemporânea de seus fundadores/líderes, com o reconhecimento de erros, compreensão de aspectos essenciais do espírito da organização e da época em que vivemos, e uma dose de coragem para perseguir o caminho de inovação e evolução na condução do desenvolvimento das empresas.
Marcos Thiele
Março, 2023.