A crise revela caminhos
Estávamos voltando de carro da Itália através da Suiça, usando uma versão 2005 de navegador com CDs trocáveis de acordo com a região. A placa indicava que Saint Moritz estava a 60 km de distância, praticamente ao alcance dos olhos. Ali começava uma aventura por uma estrada sinuosa durante mais de duas horas. Para piorar o cenário a chuva veio se juntar à neblina típica de serra com quase 1900 metros acima do mar. Chegando na pequena cidade fui recepcionado por tremenda dor de cabeça e náusea. Tudo parecia conspirar contra. Se pernoitássemos lá a altitude poderia piorar meu estado físico, se tentássemos voltar teria de enfrentar as curvas , enfim uma sinuca suíça. Busquei rotas no até então irrepreensível navegador. Ele indicava apenas um caminho alternativo mas, logo no início dele, havia uma placa alertando que havia túnel fechado. A estrada portanto estava bloqueada. Encostei o carro num cruzamento de ruas, desci e me recostei nele. Minha capacidade física, meu intelecto e as tecnologias disponíveis tinham se esgotado. Eu não sabia o que fazer. Nesse momento um senhor idoso e sozinho do outro lado da rua me perguntou se eu precisava de ajuda. Respondi com simplicidade : sim, por favor. Expliquei-lhe meu estado e que desejava ir para uma cidade com menor altitude mas não poderia enfrentar estradas tão sinuosas. Ele calmamente me perguntou porque eu não usava o trem. Achei estranho pois estava de carro, disse eu, mas ele insistiu e me indicou o caminho da tal estação. Confiante nele e que eu havia entendido sua orientação, seguimos até o local que não existia para o navegador. Perto dalí surgiu uma entrada ao lado de uma montanha de pedra. Paguei a passagem e guiei o carro por uma plataforma até que estávamos sobre um vagão aberto. Carro brecado e engrenado o trem se pôs a mover, entrou na montanha e depois de 20 minutos através de um único túnel reto em declive chegamos a uma cidadezinha bem abaixo onde pude me recuperar e pernoitamos aliviados . Uma obra gigantesca de engenharia disponível para nos resgatar mas que só se tornou realidade graças ao olhar atento de alguém que viu seu irmão sofrendo e não o ignorou. Lembrei-me dessa graça ao escutar a mensagem do Papa Francisco sobre a tal “Pobre humanidade sem crise “, alertando-nos sobre a oportunidade de crescimento de vida quando estamos em situação critica, sem conhecimentos e humildemente cientes de nossas limitações a ponto de nos ajudar mutuamente. A tecnologia pode muito mas não é árvore, é fruto.
Na crise o ser humano pode se tornar uma besta ou aprender a ser humano.
Carlos Lopes – 6 jun 2020