A culpa é de quem?

A culpa é de quem?

“A pessoa física não aguenta" – está aí uma frase que me irrita.

Em fases de mercado em baixa, em que aumentam os resgates em fundos de ações, escuto muito nos cafés que faço na Faria Lima. Aqui do meu observatório privilegiado, com acesso diário a milhares de pessoas físicas, tenho vontade de responder: “A culpa é sua, você coloca em quem quiser, né?".

O que eu faço? Tomo um gole d’água, coloco minha capa de pessoa física e tento mostrar pro interlocutor que talvez ele tenha uma boa parcela de culpa no fluxo pelo qual culpa seu cliente.

A teoria é clara de que investimentos em Bolsa deveriam ser para o longo prazo. Mas, afinal, a culpa dos resgates em fundos de ações em tempos de queda da Bolsa é de quem?

- A culpa é de quem distribui fundos: na hora da venda, é dito para os clientes que o horizonte de investimento para fundos de ações deveria ser de pelo menos cinco anos, como dizem os próprios gestores? Ou é mostrado o desempenho dos últimos 12 meses – empurrando para a conclusão lógica de que ele sempre deve ir bem nessa janela? Opção dois.

- A culpa é de quem assessora clientes depois que o fundo é vendido: clientes me contam que assessores e gerentes entram em contato com eles proativamente pra dizer que seus fundos de ações estão caindo, que o risco está exagerado e estimular a troca por ativos que estão subindo no período recente. Agora, por exemplo, a moda é mandar trocar por ativos de renda fixa. Quando o histórico de 12 meses dos fundos de ações mostra alta, aí então eles começam a estimular tomada de risco – obviamente atrasados. 

- A culpa é das corretoras e dos bancos: ao definirem o modelo de remuneração e premiação da força de venda, direcionam clientes para produtos que pagam mais comissão, como Certificados de Operação Estruturada (COEs) ou ativos de crédito específicos, sem consideração pela composição do portfólio de cada cliente. Dado que o patrimônio é limitado, o dinheiro tem que sair de algum lugar: não há melhor vítima do que quem está rendendo mal no momento. Assessores com visão de longo prazo reclamam pra mim todos os dias de como se tornam automaticamente os piores profissionais de seus escritórios ao não ceder ao modelo.

- A culpa é dos veículos de comunicação: nessa fase de queda dos mercados brotam as reportagens sobre resgates em fundos e as chamadas costumam ser bastante sensacionalistas. Na maior parte delas, sinto falta de ponderações sobre o que investidores de fato deveriam estar fazendo. Alguém pode defender que a função do jornal é mesmo informar, não educar, mas posso dizer com segurança que eles têm parte da culpa: são textos que estimulam o efeito manada de resgates. Sempre recebo perguntas de clientes na sequência e o sentimento dos que estão focados no longo prazo é o de estar no lugar errado, de que o último a sair apagará a luz.

- A culpa é dos gestores: mais de uma vez já ouvi gestores dizendo que adorariam ter um prazo de cotização mais longo para seus fundos, a fim de alinhar investidores com o longo prazo. E por que não fazem? Porque o distribuidor diz que vai ficar difícil vender, falam. Aí depois reclamam quando o investidor resgata na hora errada… Poucos gestores corajosos impõem prazos realmente longos para resgate, protegendo investidores deles mesmos.

A pessoa física não tem culpa alguma? Se você liga uma geladeira 110 volts no 220, mas a informação não estava em lugar algum, a culpa é de quem? Até onde eu saiba, cabe ao fabricante escrever o manual de instrução de seu produto e vender da maneira correta.

Que existe uma tendência humana ao movimento manada todos nós sabemos. Minha pergunta é: o mercado financeiro, com todos os seus personagens, está direcionado para ajudar investidores a focar no longo prazo ou tem uma grande culpa no "curtoprazismo" do qual acusa a pessoa física? 

Do meu ponto de vista, de quem realmente conversa com investidores em vez de observá-los de uma torre de marfim, fico com a segunda opção.

Um abraço,

Luciana Seabra.

Guilherme Dubal

E-mail marketing focado nos Mercados imobiliáro, financeiro e luxo | Tiro o pó da sua lista de e-mail | Funis de e-mails | Copywriter formado pelo CopyCamp | Viciado em Newsletter

1 a

até onde o profissional que é o braço direito da pessoa física sabe mesmo o que está fazendo? Ou até onde esse cara tem um estímulo de mexer pra lá e pra cá a grana do investidor?

Jose Luis Souza Leite

Consultor de Investimentos_Financeiro I Investimentos de qualidade

1 a

Olá Luciana Seabra, gostei muito do seu artigo e vejo que esta é uma Bandeira que você carrega há muito tempo! Admiro a sua resiliência no mercado tão faminto como o financeiro.... E realmente ver este teu ponto de vista é algo que me motiva e se você me permitir eu estarei mandando uma mensagem no seu privado!

Amanda Cruz

Farmacêutica • Coordenadora do GTT de Propaganda e MKT Farmacêutico • Marca Pessoal • Posicionamento • Reestruturação de perfil LinkedIn • Saúde

1 a

Gostei bastante da sua análise, Luciana Seabra.

Carlos Augusto Domingues

Gestor Administrativo | Financeiro

1 a

Mude a forma de Gestão do País que todo o resto segue!

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