Ao aroma de cheetos bolinha
“O que é uma experiência? Algo que quebra uma rotina educada e por um breve período nos permite testemunhar coisas com a sensibilidade aumentada que nos concede a novidade, o perigo ou a beleza".
Só mais um trecho grifado no livro de Alain de Botton que leio no momento, o “Ensaios de Amor" – seria mais fácil destacar o que não é importante. Esse li deitada em uma rede, ao som de passarinhos, em meio a um refúgio cercado por verde que acabo de descobrir em Amparo, a duas horas de São Paulo.
Penso que sempre fui uma viciada em experiências. Sou aquela que clica no filtro “Uau!” ao selecionar uma casa no Airbnb – talvez você nem saiba que exista. Lá você descobre que dá pra dormir dentro de um moinho em Portugal, de um vagão de trem estacionado na Virgínia ou de uma cápsula de vidro suspensa em uma montanha no Peru.
Amo pesquisar, programar – e fazer, é claro – viagens. Caminhar sob as cerejeiras em flor em Tóquio; entrar na pirâmide de Quéops, no Cairo; voar de balão na Turquia; cozinhar um tajine em um curso de culinária no Marrocos, caminhar na cidade perdida de Machu Picchu, conhecer os corredores da lendária penitenciária de Alcatraz, em San Francisco… foram momentos em que o filme da minha vida engatou câmera lenta.
Não me lembro do que comi na segunda-feira passada, mas me recordo com precisão do frio na barriga que senti há mais de dez anos ao me enveredar pelos corredores de pedra da maior pirâmide egípcia. Ainda sei a textura e a cor de suas paredes.
Muito antes de embarcar pela primeira vez em um avião, rodei algumas estradas com meus pais a bordo de uma Santana Quantum, revezando o assento improvisado no porta-malas com meus primos, ao aroma de Cheetos bolinha.
Talvez por isso, quando comecei a investir, tinha um objetivo único: viajar. Com o tempo, é claro, esse planejamento se sofisticou.
Pra quebrar uma rotina educada, recorrendo às belas palavras de Alain de Botton, não é preciso necessariamente muito dinheiro – quando o orçamento de estudante apertava, bastava um Sprite e um pacote de Baconzitos pra agitar um piquenique na beira do Lago Paranoá. Não vou negar, entretanto, que um patrimônio investido amplifica o leque de experiências possíveis.
Do Baconzitos ao tajine, me parece óbvio que nada faz mais feliz do que uma experiência. Não é o que os estudos mostram, entretanto. Eles revelam que sim, experiências trazem mais felicidade do que bens. Mostram porém, que não, isso não é óbvio.
Dois pesquisadores americanos, Pchelin e Howell, mergulharam no tema e concluíram que as pessoas não preveem de forma acurada os benefícios dos gastos com experiências.
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Nos estudos da dupla, quando estimuladas a atribuir uma nota pra felicidade que um gasto geraria, elas atribuíram valores muito mais altos para o bem material do que para a experiência. Duas semanas depois do consumo, entretanto, as que optaram pela experiência tinham notas muito mais altas do que as que escolheram o bem material. Um mês depois a vantagem para a experiência persistia.
Uma estratégia comum que as pessoas usam para aumentar sua felicidade é a aquisição de posses materiais, escreve a dupla no artigo publicado. E seguem: existe hoje, entretanto, evidência considerável de que o materialismo é associado com menos felicidade e satisfação com a vida, relações interpessoais mais pobres e níveis mais altos de ansiedade e depressão.
Por outro lado, afirmam no artigo científico, existe evidência robusta de que, comparadas às compras materiais, as experiências – como eventos, viagens e atividades fora de casa – contribuem para mais felicidade.Além de serem aproveitadas no momento em que são vividas, as experiências são vistas de forma positiva ao longo de mais tempo.
“Por que as pessoas continuam comprando itens materiais, no lugar de experiências de vida, quando buscam a felicidade?” questionam Pchelin e Howell.
É claro que algumas compras materiais são necessárias – mesmo quando vão trazer menos felicidade do que esperamos previamente. Bom pontuar que, em seus estudos, os pesquisadores perguntavam sobre compras recentes feitas com o objetivo de aumentar a felicidade e o bem-estar.
É naquele momento em que pensamos em trocar nosso carro por um mais bonito – mais por estética do que por utilidade – ou nos mudar pra uma casa maior, sendo que a atual já comporta toda a família, que deveríamos nos lembrar desses estudos.
É claro que nem todos os nossos gastos têm o objetivo de nos fazer mais felizes. Alguns só precisam resolver problemas – como a revisão no carro que precisei fazer para garantir uma viagem segura.
Agora, é importante sim que, quando o objetivo do gasto for aumentar a nossa felicidade, saibamos onde ela está: na experiência.
Um abraço,
Luciana Seabra.
PS: De 7 a 14 de agosto, na nossa semana gratuita de aulas, vou dedicar uma delas aos estudos de dinheiro e felicidade. Se a newsletter de hoje ajudou você a pensar melhor seus gastos, vai gostar de participar. Para ver a programação completa e se inscrever, vá aqui.