Cultura é o sistema de ideias vivas que cada época possui. Melhor: o sistema de ideias das quais o tempo vive José Ortega y Gasset (1883-1955)
Artigo: Learning to Fly (David Gilmour, Anthony Moore, Bob Ezrin, Jon Carin; 1987)
PFCC – Programa de Formação e Certificação de Conselheiros da Board Academy Br
Cultura é o sistema de ideias vivas que cada época possui. Melhor: o sistema de ideias das quais o tempo vive
José Ortega y Gasset (1883-1955)
Segundo nos apresenta Marcelo Simonato, BOARD “[a] cultura organizacional é um conjunto de normas, valores e missão da organização que ajuda a guiar comportamentos e hábitos de trabalho dos funcionários”, que se consolida como um sistema de valores compartilhados pelos membros de uma empresa e que diferencia esta das demais. Tal cultura apresenta como características ser i. intangível, não podendo ser materializada e sim aprendida, ii. dinâmica, além de aprendida pode ser transmitida e alterada, e iii. de construção coletiva, sempre que relacionada a um grupo estável ao longo do tempo.
No centro e como pilar da cultura organizacional estão os valores e princípios que formam a identidade e ética corporativa. Sobre esse pilar a história, e as histórias, da empresa se desenvolve e dá vida a “mitos” e “heróis”; estes manifestam tal identidade e ética corporativa por meio de comportamentos visíveis em um ambiente constituído de forma a refletir tais valores e princípios para, então, estruturar a proposta de valor para clientes. A experiência e estudos demonstram que, apesar da diversidade ser fundamental para a constituição de cultura organizacional, há que existir uma – e única – cultura dominante, esta resultado de um contínuo processo evolutivo de hibridação (mudanças e aperfeiçoamentos sim, mas com a preservação dos valores essenciais da empresa) e considerando o momento da empresa.
Todos esses aspectos são relacionados a pessoas e aos seus motivadores, logo se faz necessário buscar o entendimento de quais são os elementos que movem o ser humano. Assim como pode ser encontrado em O consenso é a negociação da liderança Margaret Thatcher (1925-2013), Primeira-Ministra do Reino Unido (1979-1990) | LinkedIn, parece adequado apresentar os pilares de dois modelos clássicos de motivação humana; são eles:
1. Hierarquia das necessidades (Maslow): uma vez que cada um de nós tem necessidades que vão desde as mais básicas até intangíveis e absolutamente individualizadas, o ser humano busca, pela ordem (segundo detalhamento de Herman-Miller, apresentado pela University of Michigan, 2020): segurança (i.e. alimentar, saúde, previsibilidade – base da pirâmide), reconhecimento, conquista, autonomia, propósito, e pertencimento (topo da pirâmide).
2. Teoria dos Dois Fatores (Herzberg): com direcionamento para o ambiente corporativo e dividindo os motivadores entre fatores de satisfação e insatisfação leva a uma conclusão bastante similar ao que é visto no topo da pirâmide de Maslow ao afirmar que reconhecimento, responsabilidade (no sentido de autonomia e colaboração), e crescimento levam à máxima satisfação. Curiosamente temos os aspectos de relacionamento como fatores de insatisfação nas empresas, ainda que de baixa relevância – mas a cultura corporativa, representada por company policy/admin., como sendo o fator de maior insatisfação. Em resumo, conclui-se que os indivíduos são movidos por fatores intrínsecos (sentimentos, percepções, experiências e crenças) e não pelos extrínsecos (dinheiro, títulos, disputas).
Ao se combinar esses dois modelos fica inequívoco, mesmo para equipes comerciais (a parcela de motivadores intrínsecos se mostra 44% maior do que os extrínsecos nesse grupo), que, atendidos os aspectos mínimos e necessários para sobrevivência, o ser humano é alimentado por vetores aspiracionais que podem ser resumidos em senso de propósito, comprometimento, justiça, e conduta ética. Ou seja, mesmo em um ambiente competitivo como é o corporativo, os indivíduos querem fazer diferença de modo positivo no mundo; assim, ao estabelecer e exemplificar a cultura organizacional, precisamos transmitir essa realidade para as pessoas de modo a influenciar suas ações por meio dos motivadores adequados.
Desta forma podemos concluir que há que se dedicar atenção constante à cultura organizacional para que os colaboradores apresentem engajamento e, assim, atinjam e superem seus objetivos – que não devem ser estabelecidos além dos limites do desafio, logo, além da razoabilidade, o que tende a alimentar o binômio composto por baixa satisfação e comportamentos que se afastam da ética corporativa.
Pontos de atenção sobre a cultura organizacional
Existem diversos pilares que tornam a cultura sensível e tangível, como um espelhamento dos princípios e valores da empresa. O comportamento nas organizações e, portanto, a maneira como a dinâmica da empresa se desenvolve em termos cotidiano são a resultante de forças que contemplam estrutura, processos e incentivos; assim é fundamental preservar a coerência e respeitar a liderança pelo exemplo – walk the talk! – em tudo o que se faz, inclusive fora da empresa.
Uma vez que uma das melhores maneiras de antecipar a reação das pessoas é conhecer a forma como elas são incentivadas a agir se faz indispensável dedicar energia e manter equilíbrio ao se tratar desse tema. Neste contexto estão as recompensas financeiras e não-financeiras (i.e. status, bonificações, promoções, e sanções) aplicadas a todos os membros da organização, naturalmente sendo simétricas, proporcionais e respeitados os atributos de papéis e responsabilidades da cada indivíduo. A aderência a ética corporativa no estabelecimento de programas de incentivo é fundamental. Esses aspectos devem levar a um senso de propósito a ser construído, consolidado e valorizado por meio de um processo colaborativo de criação de consciência e compreensão compartilhadas a partir das perspectivas e interesses variados de diferentes indivíduos. Por meio dessa abordagem é que se tornam tangíveis os vetores aspiracionais e, assim, se possibilita o alinhamento de propósitos e as ações e responsabilidades tendem a ser compartilhadas de modo mais fluído e consistente.
Caminhando desta forma se tem entendimento claro da razão “daquele” modus operandi e, como consequência, um convite para construir uma história em conjunto – “estou aqui por compartilhar de crenças e objetivos, e não por ser uma ‘parte funcional’ da empresa” – e desenvolver uma “micro-civilização” (i.e. Citibankers, como aqueles que fizeram a história da companhia). Assim como o sistema imunológico humano, a cultura organizacional acaba por atuar como um mecanismo de proteção contra o “pensamento errado” (i.e. distanciamento da ética corporativa) e “pessoas erradas”; como um sistema imunológico pode vir a atacar agentes de mudanças necessárias, contudo a resposta da empresa – e “a empresa não é uma “entidade”, a empresas somos nós” (frase de Gustavo Marin, ex-CEO do Citigroup Brasil, Argentina, Uruguai, e Paraguai, 2004-2012) – nessas situações deve ser similar a de uma vacina: se transformar na medida do necessário para sair fortalecida e propensa para novos aperfeiçoamentos se necessários for, mesmo que um desconforto de curto prazo ocorra.
Entendendo a cultura organizacional
Sendo um elemento tão relevante para as empresas, efetivamente capaz de levar ao sucesso ou permitir que o fracasso ocorra, entender a cultura corporativa é fundamental não só para os novos entrantes na companhia como também sendo parte essencial para gestão, contratações, e desligamentos.
No âmbito da gestão, por muito tempo foram usadas pesquisas quantitativas e anônimas para se capturar a forma como os colaboradores viviam a cultura, porém mais precisa ser feito. Contudo e especialmente na esfera da alta administração das empresas, e o conselho é o guardião também desse pilar, não basta analisar uma pesquisa anual de clima e considerar como feito o home work, já tão bem praticado pelos conselheiros diligentes que se dedicam a gestão estratégica das empresas às quais servem; há que se realizar também o field work, ainda não muito difundido e que toma por ponto de partida a interação esporádica com níveis intermediários das operações para que seja capturado o real sentimento dos colaboradores quanto a exequibilidade da estratégia empresarial e vivência da cultura e ética corporativa (e mesmo identificar se há clareza sobre princípios, valores e estratégia), leva a um grau de conhecimento impar e dificilmente obtido em uma análise SWOT, definição SMART de metas, ou pesquisas. Não que estas ferramentas não sejam importantes, mas os conselhos precisam viver a alma da empresa, com racionalismo e profundidade. Desta forma, em um ambiente de responsabilidades compartilhadas (não pode haver diferença de tratamento entre e para com conselheiros e demais stakeholders) consolidadas pela integridade corajosa de manter o interesse coletivo em primeiro lugar, o desenvolvimento dos atributos de fortaleza serão perpetuados por meio da inovação e transformação, como um organismo vivo que dilata e expande suas fronteiras e cria valor para todos os stakeholders alimentando a cultura organizacional.
Porém, quando se muda a perspectiva em direção ao processo de gestão de pessoas não deve se considerar apenas o fit cultural, mas também aspectos como adaptabilidade e diversidade cognitiva. Esses aspectos tendem a trazer contribuições tanto para o desenvolvimento saudável da cultura corporativa como para o estímulo à criatividade, inovação e um novo olhar sobre – e para – a empresa; contudo o novo colaborador tem que se mostrar com capacidade de adaptação para não se tornar uma “pessoa errada”. Vale destacar que conexões entre os colaboradores não forjados no mesmo fit cultural não são detratoras desta cultura uma vez que, se com capacidade adaptativa, podem trazer as contribuições já destacadas e atuarem de forma ainda mais eficiente como pontes entre times distintos uma vez que são de natureza mais empática. Em resumo, a contratação de colaboradores com fit cultural mesclados com aqueles que apresentam adaptabilidade e não o fit tende a diminuir a rotatividade e aumentar a retenção de profissionais, além da diversidade cognitiva fortalecer o crescimento da empresa por meio da criatividade, inovação e novas perspectivas de olhar interno.
Finalmente, para aqueles que são novos entrantes na empresa e precisam entender a cultura corporativa o caminho pode ser a i. observação de seu ambiente físico, ii. forma como os colaboradores interagem, iii. estrutura de políticas da empresa, incluindo os sistemas de incentivos, e iv. outras características observáveis. Contudo, os valores e princípios que formam a cultura das empresas podem ser descobertos observando como os funcionários interagem e as escolhas que fazem, bem como perguntando sobre suas crenças e percepções sobre o que é o comportamento correto e apropriado.
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Construindo e mantendo uma cultura corporativa forte
Acredito que foi possível perceber não só a relevância, mas acima de tudo a complexidade de constituir e gerir a cultura corporativa não só como aspecto de identidade e também como uma ferramenta de gestão que assegura o correto funcionamento da empresa uma vez que, como abordado pela perspectiva da ética corporativa em A ação, de fato, é o único meio de expressão para a ética Laura Jane Addams (1860-1935), Prêmio Nobel da Paz (1931) | LinkedIn, “nós nos tornamos o que fazemos repetidamente” (Aristóteles, 384 aC-322 aC).
Sendo mais específico, uma cultura organizacional forte pode ser usada para assegurar ganhos de sinergia entre os colaboradores, tanto no ambiente de trabalho e também fora dele, dado que acaba por criar um favorável ambiente de cumplicidade positiva e responsabilidades compartilhadas. Para que esse estágio de maturidade seja atingido e mantido são consideradas boas práticas para a gestão e fortalecimento da cultura corporativa:
- As crenças, princípios e valores devem ser claramente definidas e comunicadas. É fundamental que seja de conhecimento comum a todos da empresa i. o objetivo de a empresa existir, ii. as práticas profissionais/de negócios que são valorizadas e aquelas que devem ser evitadas, e iii. atitudes desejadas, indesejadas, e até mesmo aquelas que serão punidas.
- A indicação de heróis é positiva. O reconhecimento justo de pessoas ou times que demonstraram comportamentos desejados e que foram comunicados de modo claro e transparente é um motivador intrínseco que auxilia no entendimento, credibilidade e estímulo a atuação aderente a cultura corporativa.
- Tornar tangível as conquistas por meio da cultura corporativa. Um elemento que se tornou mais complexo de implementar com o advento da democratização do trabalho remoto devido a Pandemia de COVID-19, mas são exemplos i. newsletter mensal apresentando as conquistas e heróis da cultura corporativa, ii. um prêmio de valor simbólico como um voucher ou presente personalizado, e iii. algum benefício como day-off ou participação de reunião restrita a alta administração da empresa.
Enfim, a cultura corporativa é resultado de uma jornada ininterrupta, com foco e disciplinada, que envolve diversas dimensões e deve ser coerente, consistente, aderente a vetores aspiracionais direcionados a motivadores intrínsecos.
Um olhar sobre cultura corporativa em empresas familiares
Um dos pilares do desenvolvimento brasileiro desde sempre, a família empresária e seus negócios apresentam características que se diferem das empresas que tiveram origem fora desse ecossistema por razões claras – e no aspecto cultura corporativa isso tende a ser mais evidente pois a cultura da família e seus fundadores acaba por ser dominante. Contudo essas peculiaridades e diferenças, e não há nada errado em que elas existam, tem uma relação estreita com a geração que está à frente da empresa, sendo que as que estão sob a gestão da 1ª geração da família empresária tendem a ter mais a personalidade do(s) fundador(es) e precisam atuar com os desafios de criar condições para a perpetuação da empresa. Segundo pesquisa IBGC-PwC, 66,3% das empresas familiares contam com a 1º geração atuando na liderança dos seus negócios e para 71,7% das empresas temos a presença da 2ª geração ao lado da 1ª.
Sob uma perspectiva de cultura corporativa tais características (66,3% das empresas tendo a 1ª geração na liderança) apontam para o risco de personalismo que, muitas vezes e aqui isolando apenas uma perspectiva de análise, pode gerar atritos e ineficiências devido a falta de uma boa comunicação no que diz respeito à execução das tarefas diárias ou mesmo pela falta de clareza quanto a papéis e responsabilidades dado que acaba por existir uma centralização muito grande – e até mesmo uma dependência dos familiares e demais colaboradores a um único, ou pouquíssimos, indivíduos. Diferente da “cultura de dono” essa aqui retratada é a “cultura de determinada pessoa”, e que pode ser aperfeiçoada por meio da implantação gradual de um modelo de governança que teria início por meio de um conselho consultivo até atingir o estágio de maturidade de um conselho de administração.
Comentários Finais
A cultura organizacional é um conjunto de normas, valores e missão da organização que ajuda a guiar comportamentos e hábitos de trabalho dos funcionários ao se consolidar como um sistema de valores compartilhados pelos membros de uma empresa e que diferencia esta das demais tendo como pilares os valores e princípios que formam a identidade e ética corporativa. Apesar da diversidade ser fundamental para a constituição de cultura organizacional deve existir uma – e única – cultura dominante alinhada aos elementos que movem o ser humano, que são vetores aspiracionais resumidos em senso de propósito, comprometimento, justiça, e conduta ética. Ou seja, mesmo em um ambiente competitivo como é o corporativo, os indivíduos querem fazer diferença de modo positivo no mundo. Devemos influenciar ações por meio dos motivadores adequados e antecipar a reação das pessoas, inquestionável considerar a ética corporativa no estabelecimento de programas de incentivo e fundamental o alinhamento de propósitos e as ações e responsabilidades compartilhadas de modo mais fluído e consistente. A cultura organizacional acaba por atuar como um mecanismo de proteção contra o “pensamento errado” (i.e. distanciamento da ética corporativa) e “pessoas erradas”; como um sistema imunológico pode vir a atacar agentes de mudanças necessárias, contudo a resposta da empresa – e a empresa não é uma “entidade”, a empresas somos nós (frase de Gustavo Marin, ex-CEO do Citigroup Brasil, Argentina, Uruguai, e Paraguai, 2004-2012) – nessas situações deve ser similar a de uma vacina: se transformar na medida do necessário para sair fortalecida e propensa para novos aperfeiçoamentos se necessários for, mesmo que um desconforto de curto prazo ocorra. Efetivamente capaz de levar ao sucesso ou permitir que o fracasso ocorra, o conselho é o guardião da cultura corporativa e deve conciliar home work com a realização do field work, ainda não muito difundido e que toma por ponto de partida a interação esporádica com níveis intermediários das operações - os conselhos precisam viver a alma da empresa, com racionalismo e profundidade. A contratação de colaboradores com fit cultural mesclados com aqueles que apresentam adaptabilidade e não o fit tende a diminuir a rotatividade e aumentar a retenção de profissionais, além da diversidade cognitiva fortalecer o crescimento da empresa por meio da criatividade, inovação e novas perspectivas de olhar interno constituir e gerir a cultura corporativa não só como aspecto de identidade e também como uma ferramenta de gestão que assegura o correto funcionamento da empresa a cultura corporativa é resultado de uma jornada ininterrupta, com foco e disciplinada, que envolve diversas dimensões e deve ser coerente, consistente, aderente a vetores aspiracionais direcionados a motivadores intrínsecos.
*Referências:
Material de Estudo PFCC Board Academy | Marcelo Simonato, 2023
Material de Estudo PFCC Board Academy | Hélio Contador, 2023
Cultura Organizacional; Prof. Dr. Thomé e Castro, Luciano; FEA-USP
A Influência da Cultura Organizacional nos Conflitos de uma Empresa Familiar: UM Estudo na Rádio “Y” de Rivera – Uruguay; Vieira Grau, María Eugênia, Sebastião Ailton da Rosa Cerqueira-Adão MAU - Artigo Pronto.pdf (unipampa.edu.br)
Governança em Empresas Familiares: Evidências Brasileiras; IBGC e PwC; 2019
Diretor Executivo l Conselheiro Empresarial I Advisor l Mentor de Executivos I Escritor I Palestrante em Governança e Liderança
1 aRoberto Bob Carline CGA MBA MSc que belo texto e reflexão! Parabéns