DE MINAS PARA O PARANÁ: A SAGA DE UM IMIGRANTE

DE MINAS PARA O PARANÁ: A SAGA DE UM IMIGRANTE

-Vô Santo, como o senhor ficou sabendo do Paraná?

-Olha, menino, depois de conhecer o interior do estado de São Paulo, principalmente a região de Campinas, São José do Rio Preto, Ribeirão Preto e outros lugares, tomei conhecimento, recebi muitas boas notícias de que de Ourinhos para lá a terra era muito boa. Ai, menino, no ano de 1940, fiquei sabendo que o Paraná era muito bom.

-O senhor vô, estava sempre atento né.

-Ah!, sim. Era necessário. A gente filho, tem que estar sempre atento e esperto para as coisas que estão acontecendo e nos interessar por tudo. A informação é fundamental. Eu sempre fui assim. Aprendi com meu pai Teodoro.

-O senhor buscou saber mais sobre o Paraná vô?

-Sim. Busquei mais informações.

-Como o senhor conseguia as informações mesmo morando lá fazenda de Guaranésia, longe de tudo vô?

-Aprenda uma coisa para sempre meu menino, quando a gente se interessa e fica atento, a informação chega sempre. É preciso ficar atento e querer saber, conhecer, que a informação chega por vários caminhos. Muitas vezes ela passa por nós e como nós não estamos prestando atenção nela e não percebemos, não assimilamos, assim como tudo na vida, é preciso querer, estar olhando, ver, que ela chega na gente e a gente assimila, meu filho.

-Mas vô Santo, qual a informação mais importante de lá que chegou para o senhor lá em Guaranésia, que levou o senhor a pensar em mudar para o Paraná?

-Um sobrinho meu, filho do meu irmão mais velho Credo, que morava no interior do estado de São Paulo, veio conhecer o Paraná e gostou muito. Ai, no início de 1941, Credo mudou-se para o estado do Paraná, no município de Cornélio Procópio. Ele veio num caminhãozinho e com ele vieram outra três famílias. Ele deixou a fazenda de Guaranésia, onde ele estava com toda a sua família e eu fiquei lá mais um pouco, mas também estava pensando em sair de lá, tanto que estava procurando um lugar no interior do estado de São Paulo.

-Ai o senhor veio também vô?

-Depois que o meu irmão Credo já estava morando em Cornélio Procópio, eu vim conhecer. Vim de trem pela linha Mogiana-Sorocabana, que vinha para o Paraná. Fiquei uma semana e Credo andou comigo mostrando toda a região. Ele morava no sítio de um senhor chamado Jorge Baruque. Tinha muita fartura, só que era muito pendurado.

-Ai o senhor veio com a família vô?

-Sim, eu gostei do lugar. Eu me arranjei na fazenda chamada Sobral, que ficava a sete quilômetros da cidade de Cornélio Procópio.

-Como era a fazenda Sobral vô?

-Era bem organizada, tinha casa de madeira boa e luz elétrica. Era boa. Eu disse ao proprietário da fazenda Sobral: "eu venho se o senhor fizer uma casa nova, na parte de cima, perto onde nasce a água". O patrão aceitou.

-Nossa vô! O senhor ainda fez esta exigência para o fazendeiro?!

-Sim. Ele aceitou.

-O senhor mudou em que ano para o estado do Paraná, para o município de Cornélio Procópio, vô?

-No ano de 1944. Vim com toda a família de Minas Gerais, do município de Guaranésia para o Paraná, para o município de Cornélio Procópio.

-Como o senhor veio vô?

-Viemos de trem. Até o interior do estado de São Paulo pela linha Mogiana, depois pela linha Sorocabana até a cidade de Ourinhos e de Ourinhos até Cornélio Procópio pela linha São Paulo-Paraná.

-O que avó Maria achou desta mudança?

-Ela achou muito bom.

-Dai um tempo o Credo também mudou lá perto de mim, na parte de cima da fazenda Sobral.

-Vô Santo, o senhor lembra como era a cidade de Cornélio Procópio?

-Era um lugar novo, um pouco pendurado, mas tinha uma riqueza enorme. Eu cheguei no dia seis de junho de 1944, era uma terça-feira, fazia um frio muito forte, de cortar os ossos. Quando chegamos aqui Cornélio Procópio estava acabando de nascer como cidade, estava acabando de virar um município independente da cidade de Bandeirantes. O povoado acabava de virar município no dia 15 de fevereiro de 1938. Ela ficava ao lado da linha de trem no quilômetro 125 da ferrovia. O nome dela é o nome de um coronel. Ela começa junto com o Norte do Paraná, quando ele estava começando a ser desbravado, eu cheguei neste momento. Imigrante é assim mesmo, meu filho, tem que ter coragem, tem que ser forte, mas vence, faz história.

-Então vô a cidade nasceu ao lado da linha e da estação de trem, né.

-Sim, menino, é isto mesmo. A estação do trem em Cornélio Procópio foi inaugurada no dia primeiro de dezembro de 1930, quatorze anos antes de eu chegar aqui. Ela foi muito importante, o início de tudo por aqui. O trem vinha, passava por Bandeirantes, por Santa Mariana, por Cambará e chegava na futura cidade de Cornélio Procópio. Ele facilitava muito as coisas.

-Vô Santo, o senhor sabe por que deste nome de Cornélio Procópio?

-Ah!, é o nome de um coronel chamado Cornélio Procópio de Araujo de Carvalho, que ocupava um cargo importante na época do império, no final do século XIX. Ai seu nome foi colocado na estação ferroviária no quilômetro 125. Como o povoado se desenvolveu no entorno da estação de trem e cresceu, virou cidade, ai o nome da estação ficou também como o nome da cidade que nasceu ali. Bom é o que sei. Deve ter mais coisa.

-Nossa vô Santo, o senhor sabe bastante coisa!

-É meu menino, a gente quando chega numa terra nova tem que se informar de tudo, além do que conhecimento não toma lugar.

-Que bom vô. Conta mais.

-A Companhia Ferroviária Noroeste do Paraná foi criado no ano de 1920, por um grupo de fazendeiros de Jacarezinho e Cambará. A estrada de ferro começou a ser construída no ano de 1923, só que ai mudou o nome para Companhia Ferroviária São Paulo-Paraná. No dia 12 de junho de 1924 foi inaugurado o primeiro trecho entre Ourinhos e Leoflora, que era uma estação de trem que ficava no município de Jacarezinho. A estação de Cornélio Procópio foi construída no ano de 1930. No ano de 1928, os ingleses compraram esta ferrovia e ai com muito dinheiro para investir queriam esticar ela cortando toda esta imensa região selvagem de terras fertilíssimas até a cidade de Guaíra, nas margens do rio Paraná, queriam mais, estender a ferrovia até Assunção, capital do Paraguai. Eles eram ambiciosos, em busca de ganhar dinheiro, para eles não tinha limites. Eles tinham acabado de comprar todas estas terras vermelha, desta imensa região do Norte/Noroeste do Paraná, queriam executar o projeto deles de colonizar toda esta imensa região rica do Brasil, na verdade, primeiro tentaram plantar algodão, para abastecer de matéria prima as industrias de tecido inglesas, como já faziam na África, mas parece que essa primeira ideia não deu muito certo não, então resolveram lotear em pequenos e médio lotes e vender para os imigrantes toda a região picada, além de fundar cidades ao longo do espigão principal e perto do leito da linha férrea. Fizeram um empreendimento imobiliário de colonização de toda esta imensa região de floresta nativa. Foi o que fizeram. Era um projeto realmente grandioso. Eu, menino, vi tudo isto começar e acontecer. Tudo estava acontecendo justamente no momento que eu estava chegando no Paraná. Eu nunca tinha visto em toda minha vida nada parecido do que estava ocorrendo aqui no Paraná. Era um mundo novo se abrindo, um eldorado, parecia diante dos olhos de todos que era a terra prometida, mas também cheio de riscos e de oportunidades. Os ingleses tinham a força do dinheiro, do planejamento, da ousadia, da iniciativa ousada em busca do retorno do que eles tinham aplicado aqui, eles sabiam o que queria, queriam o retorno financeiro rápido, o lucro alto de seus investimentos, o que com certeza eles tiveram. Por este motivo, toda esta região se desenvolveu muito rapidamente, saiu da mata virgem para virar um grande assentamento cheio de gente transplantada, que vinham de todo lado, brotando patrimônios, vilas e cidades em cada canto, era tudo muito controlado por eles a cada passo. Foi meu menino, o que eu vi e vivi nesta região.

-Nossa vô Santo quantas informações!

-Sim, mas foi isto o que aconteceu, é a história desta nossa região, foi assim que ela nasceu.

-É muito bom saber vô.

-Sim você tem que saber disto, todos deveriam saber, meu menino. As coisas não ocorrem por acaso.

-Para você saber menino, no início, quem tinha a concessão desta estrada de ferro no Paraná era um fazendeiro muito rico, que tinha muitas fazendas por aqui e negócios, na verdade era um dos fazendeiros, liderado por Antonio Barbosa Ferraz. Era a Cia Barbosa. Foi ele quem mandou construir o primeiro trecho de Ourinhos a Cambará, porque ele tinha uma fazenda enorme ali e a ferrovia passava justamente pela fazenda dele e de seus sócios. Ele não era bobo não. Mas devido os altos investimentos necessários faltou dinheiro para continuar a ferrovia dali para frente, ela ficou parada ali em Cambará, por muito tempo. Até, como já te contei, chegou os ingleses com os bolsos cheios de libras esterlina, cheios de capital, de dinheiro para investir. Como já falei também, os olhos dos ingleses cresceram, quando viram estas terras férteis e quase de graça para eles, pois eram consideradas terras devolutas, isto é, do governo. Eles negociaram já no ano de 1922 com o governo brasileiro, quando estava na presidência da república do Brasil o presidente Arthur Bernardes, estas grandes concessões de terras paranaense, foi na verdade uma entrega das terras paranaense do Norte/Noroeste do Paraná aos ingleses. Tinha posseiros, índios e caboclos, mas ai com o apoio do governo eles limparam o terreno, expulsaram todos sem dó nem piedade, ou comprava os títulos das terras por preços irrisórios, foi o que aconteceu meu menino.

-Nossa vô, que injustiça contra aqueles já moravam aqui nestas terras, que na verdade eram deles, pois tinham chegado primeiro.

-Sim. Mas meu filho para o capital, para o dinheiro, nada importa, só o lucro, quem estiver na frente atrapalhando os negócios deles, eles passam por cima e pronto, ainda com o apoio do governo. É a força do capital, do dinheiro, junto com a força política.

-Quanto tempo o senhor ficou aqui na fazenda Sobral, no município de Cornélio Procópio?

-Não fiquei muito tempo não. Fiquei só dois anos trabalhando como colono. A renda melhorou muito para mim, dobrou a renda em relação ao que eu recebia lá na fazenda de Minas Gerais, em Guaranésia. A vida melhorou muito, a produção era boa, a terra muito fértil, produzia de tudo. Só estranhava o frio, ventava demais.

-Para onde o senhor mudou?

-Ah!, menino, eu recebi um convite para formar uma lavoura de café numa fazenda no município de Cambé, perto de Londrina, ai eu fui. Era o ano de 1946.

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