Depois da arrebentação
É muito mais comum que empresas familiares preparem os seus sucessores e sucessoras para funções executivas do que para as cadeiras do seu Conselho de Administração.
Em um processo sucessório que não é de “um para um” (pai para filho, por exemplo), mas sim, de um colegiado para outro (quando uma geração inteira dá espaço para outra no Conselho), alguns dilemas devem ser considerados.
Os três que considero mais relevantes são:
- A nova geração está pronta para entrar?
- A anterior está pronta para sair?
- Os candidatos e candidatas têm as competências necessárias para buscar o crescimento e perpetuação da organização no longo prazo?
A avaliação de um grupo de acionistas transcende o seu conhecimento técnico, isto é, o conhecimento que cada um tem do negócio, dos conceitos e ferramentas de finanças, dos fundamentos de sustentabilidade, dos modelos de governança, e por aí vai.
O que percebi na prática é que o fator determinante para o sucesso (ou fracasso) de uma sucessão é a atenção às competências socioemocionais. E o fato de elas estarem intimamente ligadas à formação de personalidade (pois têm origem na relação parental e familiar como um todo), as torna mais complexas de serem desenvolvidas.
Sobre isso, não ouvimos falar muito - mais precisamente a respeito da relevância da avaliação dessas competências para a condução de um bom processo sucessório.
Afinal, ir até o âmago de sentimentos, comportamentos e relações interpessoais, pode trazer à tona questões difíceis de serem verbalizadas (e ouvidas) no contexto empresarial familiar.
É por termos percebido isso, que eu e minhas sócias na INWI, Fátima Zorzato e Renata Vasconcellos, desenvolvemos a nossa metodologia e o nosso olhar para avaliar a fundo o estágio dessas tais habilidades socioemocionais.
Conseguimos ajudar a família empresária a criar mecanismos para desatar os nós da comunicação e para construir uma jornada de desenvolvimento efetiva.
Na nossa experiência, as competências socioemocionais que representam os maiores desafios são as seguintes:
POSICIONAMENTO PESSOAL E NECESSIDADE DE AFILIAÇÃO
A dificuldade de posicionamento pessoal do sucessor ou da sucessora, em muitos casos, advém da sua necessidade de aprovação ou afiliação, bem como do seu elevado grau de obediência às figuras de autoridade.
Em algum momento do processo sucessório, é importante romper o papel “pai e filha”, “avô e neto”, “tia e sobrinho”, para que haja a construção de um relacionamento entre iguais.
Porque durante algum tempo as duas gerações terão de conviver como sócias até que o processo de sucessão chegue ao fim.
TOMADA DE DECISÃO INDEPENDENTE
Essa competência é sobre coragem. Trata-se da capacidade de decidir, deixando de lado a aflição que o posicionamento pode causar na relação familiar (em termos práticos, escolher um caminho que o sucessor ou a sucessora sabe que não agradará aos seus familiares).
Aqui, é importante não deixar que os papéis que envolvem a relação negócio-família se contaminem - ser filha em casa e ser acionista na empresa, desempenhando as posturas que condizem com cada papel.
ESTABELECIMENTO DE VÍNCULOS DE CONFIANÇA
É preciso haver uma confiança muito grande de que o movimento sucessório é genuinamente desejado e patrocinado pelas duas gerações envolvidas. Sem a capacidade (e vontade) de ambas as partes de estabelecer, nutrir e cuidar dos vínculos de confiança, não há que se falar em sucessão.
Como disse, essas são apenas algumas das competências que identificamos como determinantes para a sucessão - há ainda tantas outras.
Iniciar um processo sucessório não é como nadar em mar calmo. Está mais para o contrário: nadar na arrebentação (e isso não é fácil nem confortável).
A arrebentação é um temor que afeta a todos - quem gosta e quem não gosta de nadar. Ondas quebram, por vezes, estouram com força, e não sabemos ao certo como sair dali.
Não há um manual para esses momentos cheios de imprevisibilidade e emoções misturadas. Para atravessá-los, precisamos enfrentar algumas dificuldades, mas, com determinação e persistência, chegamos à calmaria.
Nas empresas familiares não é diferente.
O desenvolvimento e o uso das competências socioemocionais são as forças que elas precisam para passar a arrebentação e chegar ao mar aberto - onde, finalmente, nadar será tranquilo.