#DiaDosNamorados, o marketing e questões de gênero.
Dia dos Namorados é a data comercial encaixada entre os dias das mães e o dia dos pais, completando o calendário anual de incentivo ao consumo. Claro que isso não é uma crítica e sim uma constatação do quanto a data passou a ser significativa no comércio e especialmente para as ações de marketing. Aliás, sabe-se que ela foi criada com esse objetivo. Em 1949, o publicitário João Dória foi solicitado por um dos seus clientes que ajudasse a aumentar as vendas no mês de junho, um dos menos lucrativos. A escolha do 12 de junho veio pela proximidade ao dia de Santo Antônio, conhecido como o Santo Casamenteiro, comemorado no dia 13.
Mas, fazendo uma reflexão das ações de marca para a data, percebemos uma mudança de força significativa em relação aos anos anteriores e que, na nossa opinião, podem ser hipoteticamente explicadas por seus contextos econômicos e sociais. A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) espera que a data movimente um aumento de 2,5% em relação ao ano anterior. E que dentro dos segmentos mais procurados pelos apaixonados estão vestuário e cosmético. Entretanto, uma coisa pôde ser percebida esse ano: marcas foram bastante tímidas em suas ações para o ano de 2017. Nos comerciais de televisão e na própria internet o volume de campanhas que sensibilizassem os consumidores a abrirem os bolsos (e corações ) foi quase imperceptível. Alguém teria bons palpites que pudesse explicar esse fenômeno?
Ousados como somos, arriscaríamos a dar duas boas hipóteses sobre a timidez das marcas que, comumente, exploram a data com grande apelo de venda.
>> Economia, inflação, retenção de consumo.
Em uma primeira hipótese buscamos explicação no contexto econômico. É certo que isso não explicaria a data ter gerado mais vendas se comparada com esse ano, já que em 2016 a retenção econômica foi muito maior. Mas, acreditamos que toda a conjuntura política fizeram marcas optarem por dar maior cota de investimentos para outras datas com um maior apelo emocional, que converte muito mais fácil para o consumo, como o dia das mães e pais. A distribuição de verba, provavelmente, deixou a data do Dia dos Namorados para ser mais trabalhada no Ponto de Venda (PDV), com estratégias mais promocionais, sem pouco investimento de posicionamento de marca, que em geral, pressupõe um investimento maior em abrangência de canais/mídias.
>> Amor e gênero. Pode?
A segunda hipótese, na nossa opinião, está relacionada a o quanto as marcas estão mesmo dispostas a pensar em campanhas ou ações de marketing que possam posicioná-las de forma afirmativa com um dos temas que geram bastante dicotomia de opinião que é a diversidade, pluralidade de gênero, liberdade sexual etc. Ou seja, optar por uma campanha com casais heteros que se amam, se presenteiam e que geram menos polêmica, ou "ousar" e comprar a posição da diversidade, que na relação entre amor e gênero não há diferença e que, igualmente, casais de qualquer orientação sexual podem se amar e se presentearem. Acreditamos que esse palpite reflete muito a timidez em ações de peso.
Vejamos uns exemplos que ilustram essa pista de resposta:
Em 2015, a marca "O Boticário" foi alvo de grandes críticas (homofóbicas) quando resolveu, de forma pioneira em relação a outras marcas do segmento, contar a história de amor de casais (e aqui entendemos casais sem que haja definição de gênero). A "C&A" entrou na briga no ano seguinte com a campanha "Dia dos Misturados", em que casais trocavam de roupa mostrando que estilo é assexuado, colocando a moda dentro do conceito de liberdade e afirmando que qualquer um pode ser o que quer. Uma ideia semelhante ao posicionamento da "Natura" em sua campanha de 2017, promovendo a linha de perfumes "Humor". Eles resgataram a ideia da simpatia de amor numa linguagem jovem, envolvendo duas meninas jovens e com direito a beijo entre elas no final. Mais exemplo deste ano é o da "Westwing", loja de artigos de casa e decoração, que trouxe histórias de lares com casais diferentes e dentre eles com a presença, inclusive, de uma mulher transgênero.
O ponto que queremos chegar é o preço que essas marcas pagam/pagaram por assumir essa "ousadia". No caso da "Natura", basta olhar a página oficial da marca no Facebook e ver que a postagem que traz esse vídeo é de maior número de reações negativas, se compradas com os outros vídeos da mesma campanha que não mexem nessa seara. E a "Westwing" mostra-se como um caso de pouca repercussão por não se expor em canais de maior visibilidade, como a televisão - inclusive, não encontramos o vídeo em sua página oficial no Facebook, aliás nem se fala de Dia dos Namorados nela. De outra mão, "O Boticário" lança esse ano uma campanha mais "ok", trazendo de volta o casal hetero, como se quisesse se redimir da campanha anterior, em que sofreu boicote dos consumidores por mostrar algo tão comum. Na mesma linha temos a "C&A" na campanha "Para Quem Ama Amar" esse ano: somente casais heteros mostrando que amam amar os seus parceiros.
Tudo isso nos ajuda a pensar sobre como estas marcas ainda não estão preparadas para encarar e assumir as mudanças sociais que hoje é um fato na vida de todos. Diante de tudo isso, abre-se portas para pensar em que um dos motivos das marcas serem tão tímidas em suas campanhas do Dia dos Namorados esse ano é o receio de serem vistas com um associação ad aeternum sobre a temática gay/gênero e, com isso, sofrer represálias sociais (e até do CONAR, como foi o caso do "O Boticário", em 2015). Evidente que o maior medo se justifica ao faturamento anual com impacto direto em vendas provocadas por possíveis ações de boicote.
Parece muito antigo ainda estarmos discutindo isso nesse ano de 2017 e fazendo esse tipo de reflexão visivelmente muito antiga. E mais, ainda chamar de "ousadia" ações de marcas que retratam os modelos sociais que estão aos nossos olhos, naturalmente. Aliás, para nós, marcas que caminham por aceitar e assumir a diversidade não podem ser mais vistas como "ousadas" e sim como aquelas que estão atentas à mudanças de comportamentos de consumo e formas de relações sociais que fazem parte de um contexto mundial. Torcemos por mais iniciativas que entendam essa realidade para que um dia não precisemos mais acreditar na explicação de esse ser o motivo de menos posicionamentos de marcas em uma data que, teoricamente, celebra o amor.
Abaixo estão os vídeos de campanha mencionados.
Campanha O Boticário :: Egeo :: Dia dos Namorados 2015
Campanha O Boticário :: Novo Egeo Bomb :: Dia dos Namorados 2017
Campanha C&A :: Dia dos Misturados :: 2016
Campanha C&A :: Para Quem Ama Amar :: Dia dos Namorados 2017
Campanha Natura :: Amor 2017
Campanha Westwing :: Dia dos Namorados 2017
Só por curiosidade, para você lembrar de uma campanha da "O Boticário", da década de 90:
E você? O que acha de tudo isso?
Até.