Empresas-Prisão
Empresas que espionam pessoas contratadas têm sido uma queixa cada vez mais comum entre quem assina contratos para trabalho remoto. Câmeras e microfones ligados, teclados monitorados à distância: cada vez mais mais, parte do empresariado tem aderido à crença de que a solução para um suposto "problema de produtividade"(?) estaria na vigilância constante.
É uma linha de pensamento parecida com a que sugere que a solução para a criminalidade está em vigiar a população - como se a suposta "baixa produtividade" e a contravenção penal fossem equivalentes resultados da privacidade e da solitude não-vigiadas pelo governo, pela polícia, pelos patrões, pelos "senhores".
"Autonomia sim - mas só se for pra produzir pra mim"
Aos poucos, a privacidade vai sendo transformada em problema pelo mesmo setor que se coloca como vetor de construção da autonomia humana através do trabalho. Sem perceber, a classe trabalhadora vai sendo novamente tratada como um grupo dessincronizado de "máquinas imperfeitas", carente de ajustes constantes para que funcionem como robôs motivados em prol das próximas férias no Norte Global - só para C-Levels, obviamente.
A ideia de que cada segundo do tempo contratado deve ser aproveitado para extrair a máxima capacidade de produção de seres humanos cujo trabalho permite que gestores e CEOs-Capatazes façam exatamente o contrário - trabalhem e se esforcem fisicamente o mínimo necessário em troca do acúmulo de mais-valia como lucro - é medieval-colonial.
Corpos-Colônia
É como se cada corpo fosse o novo espaço a ser colonizado através da instrumentalização de inteligências artificiais a chips neurais, empurrando a alma para o canto mais distante do Ser enquanto o corpo produz. Não interessa se a pessoa precisa alongar, respirar, evacuar, abraçar alguém, receber uma correspondência, esquentar o almoço, enxugar a lágrima que acidentalmente deixou cair no chão ou se inspirar por alguns minutos fitando o horizonte.
E sim, eu sei bem o quanto é caro empreender no Brasil e o quanto precisamos trazer o máximo de retorno sobre os investimentos realizados. Eu empreendo desde 2004, já são mais de 19 anos superando os mesmos desafios de qualquer outra pessoa que faz o mesmo - somados aos desafios de quem é LGBTQIAPN+ e tem a pele preta. Não me venha fazer pregação sobre sacrifícios e "retorno sobre investimento".
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Eu tô falando aqui é de Ética
Eu não sei exatamente como explicar que o corpo alheio não pertence a ninguém sem que isso pareça óbvio. Entre seres humanos, parece que já temos isso muito nitidamente estabelecido, mas e quando a relação é entre pessoas físicas e jurídicas?
Durante muito tempo, gente com útero foi tratada como máquina de reprodução pelos Estados Nacionais. A lei que permite que uma delas faça a laqueadura sem a necessidade de já haver gestado finalmente entrou em vigor em Agosto de 2023 e quebrou parte desse controle. Os mesmos Estados Nacionais trataram como animais pessoas não-brancas e não-heteronormativas.
Enquanto o Estado Brasileiro finalmente dá passos atrasados rumo a um tratamento mais humano de sua população, o ambiente corporativo parece cada vez mais contaminado pelo pensamento nocivo de que a flexibilização das Leis Trabalhistas seria sinônimo de sua extinção.
O avanço predatório sobre mais terras já eram dado como certo; a segunda fase da corrosão institucional que garante cidadania aO Povo já era arquitetada em segredo, como revelam os e-mails não apagados da lixeira de membros do Governo Escatológico (2018-2022). Nada do que temos vivenciado no mercado de trabalho é apenas um evento desconexo.
Porque o Mercado de Trabalho ainda é uma releitura do Mercado de Pessoas. E eu posso estar errada nisso aqui, mas talvez as Empresas-Prisão, com seus Gestores-Capatazes em busca de Corpos-Colônia, sejam o espasmo agonizante do escravismo euro-brazileiro.
Eu ouvi um Amém?