Ensaio: Tecnologia - a nova fronteira da ética

Ensaio: Tecnologia - a nova fronteira da ética

"Trocava toda minha tecnologia por uma tarde com Sócrates" (Steve Jobs). 

Pensem comigo: certo dia, dois operários estavam sentados descansando, um de frente para o outro, e sobre a mesa, um martelo. Inesperadamente, um dos operários pega o martelo e desfere um golpe fatal na cabeça do companheiro. Afinal, de quem é a culpa? Do operário ou do martelo? Obviamente (creio eu, óbvio), do operário, afinal, a ferramenta não tem culpa. 

Assim é com a tecnologia, que em si não traz culpa, já que o mal reside apenas no uso que fazemos dela. E Steve Jobs, na frase acima, já havia entendido isto.

A regulação não será capaz de controlar todas as possibilidades, só educação e ética conseguem, servindo transversalmente a todos os aspectos da sociedade. 

O filósofo Sócrates, com uma sobriedade única, afirmou: "Não sou nem ateniense, nem grego, mas sim um cidadão do mundo". Neste instante, lançou luz sobre a imperiosa necessidade de nos reconhecermos como raça, de estarmos sujeitos, a despeito das crenças e valores culturais a serem respeitados, aos mesmos dilemas humanos: amor, reconhecimento, alegria e liberdade.

Se quisermos reduzir o tamanho do Estado, temos que disseminar educação e ética, do contrário, submissão, isolamento e opressão irrompem. Se quisermos livre mercado, idem, do contrário, oligarquia, exploração e obsolescência imperam. Se quisermos liberdade, o mesmo, contrariamente, a tecnologia nos fará reféns, prisioneiros de algoritmos, nossa liberdade será sequestrada, e nossa individualidade terá valor apenas de mercado, uma conveniência enquanto sustentarmos a cadeia de consumo ou apoiarmos o poder instituído. 

Aqueles que assumirem o poder sobre as instituições nesta era de tecnologia, sem ética, reinarão absolutos, na tirania da informação. Um risco a ser fortemente considerado.

A ética, não a tecnologia, é a nova fronteira, o novo paradigma. A tecnologia deve ser livre, como todas as liberdades devem ser asseguradas, a todos, indistintamente. O uso apropriado da tecnologia, amparado em pilares de transparência, retidão e humanidade constituem, de fato, o desafio imediato da sociedade e do poder público.

Um amigo meu uma vez me disse algo engraçado, mas sombrio: “Sabe qual diferença entre hardware e software para um leigo? O hardware é aquilo que você chuta, e o software é aquilo que você xinga!”. Isto mostra o quanto estamos vulneráveis frente às ferramentas digitais.

O "black box" tecnológico que vivemos não pode mais existir, sendo necessária uma resposta de maior transparência e independência. Se por exemplo, uma organização ou uma autoridade varre nossos computadores, mesmo que para investigar crimes em uma empresa, pergunto: como é assegurado, como é garantido, como é confirmado, que dados pessoais, bancários, senhas e fotos não foram acessados ou coletados indevidamente?

Quem, qual instituição confirma, dentro de métodos reconhecidos internacionalmente e que assegurem independência e imparcialidade (como por exemplo, a certificação acreditada), que todos os sistemas que hoje dependemos não são engodos sinistros, abusando de nossa boa fé. Quem assegura efetivamente que as inúmeras redes sociais não controlam as publicações, cerceando, antagonicamente, a liberdade que sua simples existência inspira? 

Vivemos uma realidade paradoxal e assustadora, onde nada é real até que esteja em uma rede social ou em um banco de dados. Já somos divididos entre eu digital e eu biológico. 

Não é razoável supor que fato de ser uma autoridade pública confira, sine qua non, e num toque de mágica, confiança. A confiança deve ser o resultado de independência, imparcialidade, objetividade e ausência de conflito de interesse, assegurada por meio de método, transparência, governança, gestão de riscos e controle. São necessárias garantias, não prerrogativas.

"A tecnologia moderna é capaz de realizar a produção sem emprego. O diabo é que a economia moderna não consegue inventar o consumo sem salário" (Hebert de Souza). Outro aspecto é a falta de políticas públicas para identificar áreas de rápido avanço tecnológico e respectivo impacto social, para mitigá-los, como a digitalização e robotização em setores industriais.

Apesar do avanço tecnológico, em sua maioria das vezes, salutar (afinal, seres humanos não possuem sua existência fadada a apertar botões como ascensoristas em elevadores, ou ainda operários revestidos de uniformes pesados e muito quentes em cabines de pintura, ou mesmo carregando fardos pesados, ou ainda operando com máscaras em ambientes insalubres), o fato é que esta gente, o povo deste mundo, está perdendo seu emprego, e junto, o que há de mais humano: sua dignidade, na forma de aluguéis não pagos, filhos famintos e sem oportunidades, diminuição de seu valor, e entre lágrimas e ódio, condenando a si e suas famílias, à uma subcondição social, ao desespero, à perpetuação da pobreza, fome, insegurança, medo e violência. 

Não convoco ao assistencialismo, obviamente salutar e essencial quando controlado, convoco sim, à formação, apoio, orientação, mecanismos preventivos para redirecionamento social e operacional, já que a chegada de novas tecnologias traz consigo novas oportunidades, que a sociedade não tem mecanismos para vislumbrar, e por isto deve ser assistida, não abandonada. 

O Estado possui mecanismos, dados, recursos e capital intelectual capazes de antever ameaças à sociedade e, por conseguinte, identificar potenciais soluções no tempo, de maneira a não incorrer em crises, e inevitável sofrimento e convulsão social. É para isto que políticas públicas servem.

O liberalismo pode ser salutar, anarquia e abandono, nunca.

Rosana Mendes Campos

Painter at Just Me Self-Employed Artist

1 a

Concordo com tudo o que diz o seu texto. Preocupada-me sobremaneira o impacto que a tecnologia está tendo sobre o homem moderno. Os gregos já haviam pensado que o homem precisa do trabalho árduo e diário durante toda a sua vida. O que seria de Sísifo sem o trabalho? Vejo o mundo caminhando de forma a confirmar cada dia mais a obsolescência do homem. Máquinas podem produzir tudo sem que o homem trabalhe. Agora, vendas dispensam o trabalho humano. Já existem lojas da Amazon em que o comprador passa seu cartão para entrar, pega os produtos que quiser sozinho. Sai da loja. Tudo o que pegar será debitado ao seu cartão.  No entanto, tantas coisas estão em jogo nisso. Sem uma folha de pagamentos, a empresa pode praticar melhores preços. Os concorrentes, portanto, falem. Com o monopólio, a empresa pode praticar o preço que quiser nas mercadorias. Sem trabalho, e consequentemente, sem dinheiro, as pessoas não vão poder comprar. Então o Estado vai ter que sustentar este contingente com um auxílio. Mas o que dá sentido à Sísifo é o trabalho diário. Sem o trabalho, o homem não tem dignidade, não se sente útil, mesmo que tenha o mínimo para sobreviver. Outro ponto que questiono é que sem a convivência humana, o homem, um ser basicamente  gregário, vai fenecer. Nós sobrevivemos até aqui porque nos socializamos.   

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