Progressão, ética e proteção de dados na saúde

Progressão, ética e proteção de dados na saúde

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Pedro Amorim de Souza, mestre e doutorando em Teorias Jurídicas Contemporâneas pela UFRJ e coordenador da área consultiva do Martins Cardozo Advogados

No final do Século XX, Hans Jonas, filósofo alemão, enunciou algo que ecoaria como um aviso: nossa imaginação moral não acompanha a evolução tecnológica, e esse descompasso pode ser responsável pelo sofrimento tanto das gerações atuais quanto das futuras. Dedicado a pensar a relação da ética com a tecnologia da modernidade, em especial aquela do pós-guerra, Jonas percebeu que nossa forma de pensar sobre ações e consequências, essencialmente pré-moderna e de proximidade, não acompanhava a rápida evolução técnica e tecnológica que as novas décadas anunciavam, uma vez que os novos dispositivos, a virtualização das relações sociais e a globalização pulverizavam os resultados dos nossos atos e os extrapolavam para além dos nossos laços de família, vizinhança e afeto.

Assim é que, para o filósofo, “A técnica moderna introduziu ações de tal ordem inédita de grandeza, com tais novos objetos e consequências que a moldura da ética antiga não consegue mais enquadrá-las”. Nossas ações pré-modernas, e mesmo as ações pré-internet, não demandavam um planejamento remoto, pois se desdobravam em consequências temporal e fisicamente imediatas – ou ao menos previsíveis. Outros, como Zygmunt Bauman, farão coro à sua preocupação.

A modernidade não via com doçura o desenvolvimento de uma ética do progresso a partir das novas descobertas científicas e revoluções produtivas. O protagonismo da razão e o dogma da neutralidade que a acompanha denegaram as questões importantes sobre consequências no mundo que se anunciava. Parafraseando o filósofo do caos Ian Malcolm em Jurassic Park, “nossos cientistas estavam tão preocupados em descobrir se poderiam ou não que não pararam para pensar se deveriam”.

As tentativas de distanciamento entre ação e análise valorativa das consequências acabaram por criar um mito do progresso necessariamente virtuoso, e a evolução tecnológica se tornou simples sinônimo de evolução geral. Mas o avanço da internet e o tráfego quase irrestrito de dados nos obrigou a repensar esse paradigma: vimos o alcance de nossas palavras e das informações que compartilhamos aumentar exponencialmente, e a verdade é que não sabemos bem o que fazer sobre isso. Como trabalhar essa expansão abrupta do nosso campo de influência? Quais ferramentas podem ser utilizadas para auxiliar a nossa imaginação moral em direção a uma ética das consequências remotas?

No caso do compartilhamento descontrolado de dados individuais sensíveis, cabe primeiro compreender quais são as consequências da ação, tanto para os indivíduos diretamente afetados quanto para a coletividade. Em primeiro lugar, há uma coisificação da própria identidade individual, que se torna mercadoria. Dados pessoais são compilados e mercantilizados, adquiridos lícita ou ilicitamente por empresas que realizarão um tratamento específico para essas informações. A partir daí, conseguem traçar perfis de consumo, padrões de utilização das redes sociais, histórico de problemas de saúde… As pessoas, suas histórias, são quantificadas em números e indexadas. E esse conhecimento produzido não necessariamente será benéfico a elas. E se assim o for, será apenas incidentalmente: o objetivo da coleta de dados é, geralmente, aprimorar as práticas competitivas da própria empresa que os adquire.

Do ponto de vista coletivo, a utilização desses dados para o desenvolvimento e atualização de algoritmos reduz os espaços de dissenso saudável no campo da comunicação virtual. Voltados para o aperfeiçoamento do perfil de consumo das mesmas pessoas das quais são extraídos os dados crus, esses instrumentos têm como consequência prevista a redução dos ruídos e o aumento da redundância sobre determinada prática, objeto, hábito ou conjunto de ideias. Assim, um algoritmo usa os próprios dados produzidos por um determinado estilo de vida para reforçar esse estilo de vida e isolar o sujeito das pessoas que vivem de forma diferente. As informações tratadas e aplicadas, portanto, servem a um mascaramento da realidade e dão origem às hoje famosas bolhas informacionais. No limite, pode-se dizer que o compartilhamento e tratamento irrestrito de dados tem como consequência a redução drástica da capacidade de autodeterminação individual, bem como a desestruturação do raciocínio crítico necessário à nossa vida política.

Nenhuma dessas ações, sozinha, possibilita o desenvolvimento de um quadro de isolamento algorítmico ou a manutenção de um estado de mercantilização da vida, mas certamente auxilia no desenvolvimento desse contexto, especialmente quando recorrente. E o acúmulo de situações semelhantes tornou necessário se pensar em formas de orientar nosso raciocínio moral às questões postas pela novidade do compartilhamento de dados. A elaboração de uma norma como a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) faz sentido nesse contexto. Ela não existe para impedir o compartilhamento de informações, mas para estruturar um sistema jurídico-político de responsabilidade e responsabilização sobre essas ações. Segundo a própria lei, seu objetivo é o de “proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural” (artigo 1º), e faz exatamente isso ao qualificar dados pessoais como elementos fundamentais da personalidade natural, eleger alguns deles como sensíveis e regular grande parte de sua vida útil: gênese, tratamento e descarte.

O detalhamento da Lei oferece instruções e consequentemente reduz o campo de indeterminação sobre o que pode/deve ou não ser feito. Por isso foi possível aproximar a LGPD de normas de certificação relevantes, como a ISO 27701, voltada para o tratamento de dados pessoais e, no Brasil, para o cumprimento dos requisitos contidos no texto legal ora analisado. Ela confere, ainda, especial importância aos dados relacionados à saúde e busca reforçar a sua utilização responsável ao considerá-los sensíveis (artigo 5º, II): aqueles cuja exposição sem o consentimento do titular poderia trazer danos irreversíveis à sua personalidade. Essa classificação cria uma camada extraordinária de proteção às informações, que só poderão ser tratadas nas hipóteses elencadas no artigo11 do texto.

No caso de dados médicos, o tratamento depende do consentimento, salvo para a realização de pesquisas, cumprimento de obrigação legal ou regulatória pelo controlador, execução de políticas públicas pela administração pública, exercício regular de direitos, tutela da saúde em procedimentos realizados por profissionais e serviços de saúde ou autoridade sanitária, proteção da vida ou incolumidade física do titular ou de terceiro e prevenção à fraude e garantia à segurança do titular, nos moldes do artigo 11, II, g.

Há, ainda, vedação expressa ao uso desses dados com o objetivo de obter vantagem econômica, excetuando situações em que sejam indispensáveis para a prestação de serviços relacionados à saúde (artigo 11, §4º). Destaque deve ser dado ao artigo 11, §5º, que veta a prática de seleção de riscos na contratação de qualquer modalidade de planos de saúde, assim como na contratação e exclusão de beneficiários por parte das operadoras. Esse é um bom exemplo de conformação ética sobre a tecnologia, pois nada impede que, em tese, façamos uma seleção de segurados a partir da interpretação de dados como i) o registro de doenças preexistentes, ii) a lista de últimas internações ou iii) a utilização contínua de medicamentos.

Mas a opção legislativa, alinhada a precedentes da própria Agência Nacional de Saúde (ANS) como a Súmula Normativa 27/2015, foi pela limitação ao poder dessas operadoras. A lei, portanto, protege os direitos da personalidade dos titulares de dados médicos contra ações mercadológicas predatórias, uma vez que a pessoa não verá negado seu direito de ingresso em um plano de assistência em saúde por conta de características suas, tais como idade ou doenças pretéritas. Podemos ainda falar de uma dimensão informativa da LGPD, uma vez que o consentimento pressupõe escolha, e escolha pressupõe conhecimento. Tornar necessário o consentimento do titular – salvo nas exceções já tratadas – é levá-lo a se posicionar e assumir protagonismo sobre o uso de seus próprios dados, possibilitando uma escolha informada.

Ao mesmo tempo, a lei permite a utilização de dados sem consentimento no caso de pesquisas em saúde, bem como o faz para o desenvolvimento de diagnósticos sobre doenças que possam acometer seus titulares. Essas situações excepcionais levam a uma maior efetividade de tratamentos médicos— coletivamente e a longo prazo na primeira hipótese, e individualmente e a curto prazo, na segunda — ao mesmo tempo em que ainda os conforma a limites éticos mínimos. Isso porque a dispensa de consentimento não afasta a incidência do restante da norma. É por isso que a discussão sobre dados médicos não deve focar em se devemos ou não compartilhá-los com instituições de saúde, mas sobre quais dados são relevantes para a promoção de nosso bem estar e para o progresso ético da medicina, bem como quais são as condições de guarda que essas instituições oferecem. Mesmo nas situações em que o consentimento do titular não é necessário, ações de anonimização ou guarda responsável dos dados ainda são obrigatórias (artigo 11, II, c), por exemplo). Logo, mesmo nos casos excepcionais do art. 11, II, ainda há responsabilização por mau uso ou vazamento de informações.

A medicina contemporânea é preocupada com a segurança dos dados pessoais e a privacidade de pacientes, de forma que normativas sobre o assunto existem desde antes da LGPD. É o caso do tratamento dado a prontuários pela Resolução CFM nº 1.821/2007. Sua evolução como ciência e prática depende da relação de confiança que se estabelece entre profissionais de saúde e pacientes/sociedade, o que necessariamente passa pelo manuseio ético de dados sensíveis. Sem isso, pesquisas tornam-se metodologicamente falhas e a própria dignidade das pessoas submetidas a tratamentos médicos é atingida.

A lei cumpre o papel de formalizar o que esperamos de um agir eticamente orientado, criando uma ponte estável entre quem trata dados e quem tem direito sobre eles, mesmo que essas pessoas sejam absolutamente alheias à existência uma da outra, e mesmo que se esteja lidando com uma quantidade maciça de titulares das informações cruas – o que seria problemático para uma ética orientada pela proximidade. O trunfo desta norma e de outras semelhantes — no âmbito da União Europeia há o Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR), por exemplo — reside, portanto, em materializar um sentimento coletivo sobre privacidade e liberdade de escolha na internet e reconduzir o agir individual ao seu lugar na coletividade, auxiliando-nos em um agir ético voltado às consequências distantes: dados podem ser tratados contanto que essas ações obedeçam a critérios de utilização responsável cristalizados pelo debate público.

Por Pedro A. , mestre e doutorando em Teorias Jurídicas Contemporâneas pela UFRJ e coordenador da área consultiva do Martins Cardozo Advogados Associados .


Mercado de saúde no Brasil passa por consolidação com várias aquisições

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As transações no mercado brasileiro de saúde cresceram nos últimos anos, batendo recorde em 2021, com operadoras realizando movimentos de verticalização e de consolidação de competidores, de acordo com análise recente da EY-Parthenon. Nas operações verticalizadas, parte ou toda a rede de abrangência assistencial ocorre com recursos próprios da operadora. Apenas em 2021, foram feitas 49 transações de saúde, com valor divulgado de US$ 12,2 bilhões. No ano passado, as 34 transações movimentaram US$ 2,5 bilhões.

Dentre as transações concretizadas entre 2013 e 2022, 93% envolveram aquisição das chamadas medicinas de grupo, entidades que operam planos privados de assistência à saúde cujas características não se encaixam em outras modalidades, estando entre elas as seguradoras e as cooperativas médicas.

As aquisições na última década foram comparadas com a média de mercado em quatro indicadores: qualidade de atenção à saúde; experiência; custo assistencial per capita; e ROE (resultado líquido sobre o patrimônio líquido ponderado por beneficiário, com base nas informações da Agência Nacional de Saúde Suplementar). Para isso, foram consideradas as operadoras de medicina de grupo que fizeram aquisições relevantes entre 2013 e 2022, de acordo com o Merger Markets, na comparação com a média do mercado, que considera todas as operadoras de planos de saúde, incluindo cooperativas, seguradoras, operadoras filantrópicas e grupos de autogestão.

Ainda segundo a análise da EY-Parthenon, as medicinas de grupo adquirentes apresentam melhor controle de custos, com a manutenção de uma experiência para o beneficiário superior ao mercado. “Essa melhor experiência dos beneficiários e controle de custos ainda não se refletem em maior retorno para os acionistas, considerando o ROE acumulado inferior de 66% das adquirentes em comparação com a média do mercado”, diz Luciana Infante, diretora da EY-Parthenon. “O estudo mostra, portanto, que as aquisições são uma ferramenta de geração de valor e obtenção de vantagens competitivas no setor de saúde, mas tempo e disciplina de execução são fundamentais para atingir os resultados esperados”, finaliza. As informações são da Agência EY


Reforma deve trazer estabilidade e redução dos preços na saúde, diz especialista

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Mérces da Silva Nunes, especialista em Direito Médico e sócia titular do escritório Silva Nunes Advogados.

A aprovação pela Câmara dos Deputados da PEC 45/19, após décadas de tramitação e dezenas de substitutivos, deu o primeiro passo para promover a mudança do sistema tributário brasileiro, deve simplificar o sistema, reduzir o custo das empresas com a apuração dos tributos e diminuir a desigualdade na tributação do consumo.

Para a advogada Mérces da Silva Nunes, especialista em Direito Médico e sócia titular do escritório Silva Nunes Advogados, “ainda é cedo para analisar os efeitos e os impactos da Reforma Tributária, mas é possível expectar uma estabilidade da média dos preços praticados atualmente pelo setor de saúde, sobretudo em relação aos dispositivos médicos e, até mesmo, por uma redução de preços de produtos industrializados e de mercadorias, uma vez que a indústria e o comércio serão beneficiados com a simplificação do sistema e com a redução efetiva da carga tributária”.

A PEC, que será apreciada e votada no Senado antes do fim do ano, cria dois IVAs, ou Imposto sobre Valor Agregado de Bens e Serviços: a CBS e o IBS. De acordo com o texto aprovado, três tributos federais — o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), a Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS) — serão unificados e darão lugar à Contribuição de Bens e Serviços (CBS), de competência da União.

Em relação aos estados e municípios, o imposto estadual (o Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação/ICMS) e o imposto municipal – (o Imposto sobre serviços de qualquer natureza/ISS) serão unificados no Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).

Segundo estudos realizados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a criação do IVA dual deverá gerar um aumento do PIB brasileiro de até 2,32% — e um crescimento na produtividade da ordem de 1,63%.

Mérces avalia que, num cenário de estabilidade e crescimento econômico — conforme estudos do IPEA —, a área da indústria médica, planos de saúde, hospitais, clínicas médicas e demais atividades interligadas ao setor de saúde, não deverão sofrer aumento expressivo de preços”, completa.

Além da unificação de tributos, outra mudança significativa da Reforma Tributária é a fixação de uma alíquota única para CBS e IBS. A alíquota ainda não está definida, mas a expectativa é de que seja fixada entre 25 e 28%.

“No setor de serviços, o segmento da saúde, por ser considerado essencial, foi favorecido com redução de 60% da alíquota única que será fixada”, explica Mérces. “Com essa redução de 60% da alíquota única, a expectativa é de que a carga tributária do setor de saúde não aumente, devendo ficar próxima dos atuais níveis de tributação”, acrescenta. Em outras palavras: se a alíquota for fixada em 25%, o setor de saúde terá uma tributação efetiva de 10%.


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