Entretenimento é a cura para o tédio e a televisão, também
Falar sobre entretenimento é uma tarefa difícil, pois o seu conceito ainda é algo amplamente debatido por vários segmentos de estudo. Seja a filosofia, as artes, a comunicação e tantos outras áreas que não só estão preocupadas em definir seu conceito como, também, em se aproveitar do seu potencial de consumo. Pensar em entretenimento é ter quase sempre o exercício de categorizar algumas manifestações artísticas entre aquelas que podem ou não receber esse rótulo. Música, teatro, dança, pintura, televisão...o que de fato é entretenimento dentro desse universo? O que pode ser consumido como entretenimento dentro do universo de possibilidades cada vez mais híbridas de manifestações artísticas? E as manifestações não artísticas ficam fora da categoria entretenimento? O que dizer daquela cerveja com os amigos, a rodada de jogos online, as revistas em quadrinhos colecionadas, as séries cada vez mais consumidas no Netflix, os shoppings lotados aos fins de semana? Difícil rotular, não é? Então, vamos a outros aspectos mais fáceis de serem entendidos.
Institutos de pesquisa afirmam que o consumo de entretenimento está em alta no mundo inteiro, inclusive no Brasil mesmo em meio à famigerada crise. O 16º relatório da PricewaterhouseCoopers Brasil (PwC), o Global Entertainment and Media Outlook 2015-2019, analisa dentro do segmento entretenimento o consumo de internet, livros, rádio, música, filmes, televisão etc. Segundo esse relatório, os brasileiros gastaram US$ 42 bilhões com serviços como internet, música e filmes em 2014 e há uma projeção que indica um crescimento de 64% para 2019, alcançando US$ 69 bilhões. A notícia é que no topo da lista de maior consumo dos brasileiros está a TV por assinatura, com 41% da preferência. Ou seja, todo aquele discurso de entretenimento versus arte fica em segundo plano, quando dados como esse mostram que para se entreter os brasileiros ainda permanecem no aconchego do seu lar. Com isso, chego a uma hipótese (que por sinal merece muito ser investigada) que a culpa do consumo de entretenimento não está no quanto ele pode ser atraente, inovador, aventureiro, colaborativo, caro etc, mas sim por manter longe um sentimento temido por quase todos: o TÉDIO.
Chegar nessa hipótese contou com uma mãozinha do Lars Svendsen, professor de filosofia da Universidade de Bergen (Noruega) e autor dos livros “Moda: Uma filosofia” (2006) e “Filosofia do Tédio” (2005). Fruto do seu trabalho de dissertação de mestrado, em “Filosofia do Tédio” Svendsen trata essa questão através do olhar da filosofia trazendo quatro parâmetros de entendimento: as problematizações do tédio, sua história, fenômeno e ética. A intenção do autor não é, portanto, trazer questões resolutivas sobre os problemas atribuídos ao tédio, mas diria que acalmar esse sentimento que poucos se mostram confortáveis em possuir. No primeiro capítulo dentre tantos pontos levantados irei acentuar o tópico “Trabalho e Lazer”, um pequeno ensaio de muitas descobertas sobre o tema. Entre elas, aquela que explica que o tédio não é uma questão de ter ou não tempo livre, mas de significado.
Vejamos a situação: se ter tempo livre é um ambiente propício para o tédio, poderíamos concluir, então, que o trabalho, uma atividade que nos ocupa algumas horas diárias, seria o melhor remédio para afastar esse tédio. Não exatamente. Afinal, quem já não se viu, por várias vezes, executando trabalhos que são verdadeiras atividades entediantes? Como afirma Svendsen, “e não há como escapar do fato que muitas formas de trabalho são mortalmente entediante. O trabalho é, com frequência, opressivo, muitas vezes, sem potencial para promover qualquer significado na vida”. Da mesma forma, o tempo livre e o ócio não podem ser considerados, por consequência, um momento de lazer, ao menos que você crie significado para esses momentos. O tédio, assim, não é uma questão de trabalho ou de liberdade, ele é, segundo esse ponto de vista, uma questão de significado que é dado para ele.
E onde entra a televisão nisso tudo? Ora, aquele aparelhinho presente na maioria das casas brasileiras tem sido atualmente a maior forma de entretenimento dessas pessoas. Diria mais, sempre foi (e ainda é, como afirma a pesquisa da PwC) o que preenche e dá significado ao tempos livres de muitos lares por aí. E mesmo aqueles que dizem não assistir televisão, o fazem sem a necessidade de ter o aparelho em casa. O velho discurso “não vejo TV” ou “não tenho TV em casa” não pode ser levado em conta pelo alto acesso a plataformas de streaming e consumo de produtos de TV pela Internet. A televisão nunca deixou de ser a rainha e os produtos criados para serem exibidas em seu formato, como as séries/seriados, ganham corpo nesses meios de transmissões e consumo que nada mais são que um novo jeito de ver televisão. Não há mais espaço para o tédio naqueles que possuem um boa conexão de Internet e uma assinatura da Netflix, sempre a postos para as ocasiões em que uma ponta de desânimo possa surgir.
A TV é esse entretenimento à mão, disponível a qualquer momento, presente nas rotinas sem horário marcado, como era em outros tempos. O hábito do horário da novela, do jornal, do seriado compartilhado em família na hora do almoço, jantar ou domingo à tarde, se reconfigurou para o hábito da “maratona”, de tirar um dia para consumir aquele seriado preferido que se assiste sempre acompanhado, mesmo que virtualmente (afinal, não vale à pena assistir sem compartilhar com todos os contatos em todas as redes sociais). O horário do entretenimento para a televisão passa a ser o momento que se escolhe para isso e, em consequência, a categoria de “Vídeos On Demand”, entra na lista daqueles mais escolhidos. Como aponta uma pesquisa encomendada pelo YouTube/Google Brasil (Video Viewers Refresh 2015) o brasileiro aumentou em 35% o consumo de Videos On Demand, acessando através serviços como YouTube, Netflix, Now, Telecine Play, HBO Go, Globosat Play etc.
Em outras palavras, o produto televisão, seja lá onde é visto ou apreciado, tem se mostrado de longe aquele que entra no hábito incorporado ao entretenimento, caseiro e dedicado. O “ver TV” se dilui para o “ver produtos em formato de TV” através de SmartTv`s conectadas à Internet, computadores, tablets e smartphones. Há sempre espaço para os produtos de TV na vida dos brasileiros e, com isso, cada vez menos tempo para apreciar, curtir ou vivenciar o tédio. Pobre do Biquini Cavadão que um dia descreveu em uma de suas músicas: “esses dias em que horas dizem nada e você nem troca o pijama, preferia estar na cama é o tédio, cortando os meus programas, esperando o meu fim...”. Compreensível a canção em uma época que as opções de programas de TV ainda eram muito poucas para deixar esse tédio tomar conta das pessoas.
E já que falamos de música, que tal tomar um pouco do seu tempo ouvindo esse clássico do rock brasileiro?
REFERÊNCIAS:
Pesquisa PwC
Pesquisa Google Brasil
- SVENDSEN, Lars. Filosofia do Tédio. Tradução: Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeira: Jorge Zahar Ed., 2006.