Escola Não é Feita de Paredes
(*) Luciana Maria Allan
Em minhas inquietantes reflexões sobre as transformações pelas quais as escolas do século XXI estão passando, chamou recentemente minha atenção o lamento da estudante Natália, filha de uma amiga. Ao ingressar no Ensino Médio, ela encontrou uma sala de aula com o mesmo formato secular herdado da era industrial que definiu o layout da educação em massa – cadeiras enfileiradas, apertadas, desconfortáveis e, o que a deixou muito incomodada, com apenas um braço para escrever.
Ao ouvir o relato de Natália, lembrei das intermináveis aulas de 45 minutos nas quais sofria para me acomodar num espaço de trabalho muito pequeno para minhas ambições, um padrão que continua até hoje preservando o velho método de estudar “com a cara enfiada nos livros” e em nada contribui para uma aprendizagem baseada em projetos, capaz de motivar, engajar e desenvolver os estudantes, mas, bem ao contrário, força-os a seguir um rito entediante que tem como único propósito robotizar seus conhecimentos para passar no funil do vestibular.
Nos meus artigos, tenho analisado quais os impactos das novas tecnologias na prática pedagógica, que, por si só, já evidenciam a necessidade de rever metodologias de ensino claramente ultrapassadas e ineficientes na formação de jovens que sejam efetivamente preparados para o mercado de trabalho.
Mas a adoção de hardwares e softwares no cotidiano escolar é apenas uma parte (importante, claro) da urgente revisão dos padrões educacionais estabelecidos desde a Idade Média. Repensar a própria arquitetura da escola é tão essencial quanto substituir o giz e a lousa por tablets, smartphones e outras ferramentas com as quais já lidam desde a primeira infância e continuarão utilizando na vida profissional.
Por que as escolas insistem em continuar segregando crianças e jovens entre paredes ao invés de olhar ao seu redor e perceber que o mundo já não é mais aquele retratado por Chaplin em Tempos Modernos? Qual o sentido de tratar todos como se aprendessem da mesma forma, no mesmo ritmo, repetindo exaustivamente a tabuada até que decorem a lição ao invés de estudar através de atividades práticas e lúdicas?
Em San Diego, nos Estados Unidos, a High School High vem conquistando notoriedade ao quebrar radicalmente estes paradigmas. Nada de salas de aula padronizadas, com mesas milimetricamente dispostas e cada estudante no seu quadrado. Nada de aulas entediantes focadas em apenas uma disciplina.
Muito mais do que teoria, a prática e a ‘mão na massa’ compõem os ingredientes principais para o aprendizado nesta escola. Professores de várias matérias se reúnem para propor desafios multidisciplinares debatidos e refletidos não em aulas que seguem regiamente os capítulos dos livros didáticos.
Ao invés desta velha fórmula, os estudantes participam de atividades de artes, carpintaria e engenharia que incorporam o conhecimento e a aprendizagem de física, química, biologia, matemática ou qualquer conteúdo que precisem absorver e os preparem efetivamente para a realidade além dos muros da escola.
Seu diretor, Larry Rosenstock, explica que um dos princípios desta nova pedagogia é integrar a escola com a comunidade, incentivando os estudantes a construir projetos para trazer benefícios à sociedade em que vivem. A seleção dos alunos, segundo ele, não pode ser definida a partir de padrões sócio-econômicos e sim por suas habilidades de pensar, planejar e participar de projetos que os ajudem a naturalmente refletir e aprender.
Na High School High, os jovens podem brincar com games, desde que tenham sido programados por eles. Eles não são tratados como crianças, mas como adultos, o que os faz enxergar sentido em estarem ali, construindo um robô ou o protótipo de uma invenção que irá ajudar a melhorar o mundo em que vivem.
Rosenstock reforça que os momentos mais marcantes na jornada de aprendizado são aqueles que envolvem a criação de projetos com professores no papel de mentores, capazes de impactar a comunidade, com risco de falhas, reconhecimento do sucesso e exposição pública.
Ele lembra que as escolas ainda continuam seguindo padrões que estão culturalmente enraizados: isolar os estudantes do mundo adulto, separar o pensar do fazer e classificá-los por habilidades acadêmicas, nível social, raça e gênero, critérios estes que podem exterminar potenciais talentos por simplesmente estarem ‘fora da caixa’.
Em sua escola no Vale do Silício, Rosenstock replica o ambiente de uma incubadora de startups, onde os estudantes podem aprender na prática, agrupados de forma heterogênea, engajados ao mundo dos adultos e integrando mãos, corações e mentes em projetos ‘hands-on’. Faz sentido. Afinal, assim como no mundo para o qual os estudantes devem ser preparados, as escolas são feitas de pessoas; e não de paredes.
(*) Diretora do Instituto Crescer para a Cidadania e
Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP) com
especialização em tecnologias aplicadas à educação
coordenadora e professora de Língua portuguesa - Assessoria linguística e pedagógica
8 aÉ incrível como as tecnologias estão incorporadas ao cotidiano escolar sem que haja mudanças de mentalidade de algumas escolas. Urgente se faz repensar o espaço escolar,fazendo -o significativo na aprendizagem. Excelente texto.
coordenadora e professora de Língua portuguesa - Assessoria linguística e pedagógica
8 aÉ incrível como a tecnologia é incorporada ao cotidiano escolar e as escolas ,em suas ultrapassadas, mentalidades não acompanham mudanças tão significativas . Pensar sobre novos espaços de aprendizagem é urgente, inadiável. Excelente texto.
Digital Commerce Expert
8 aMaravilho o texto! Exatamente da forma como eu penso.