Evasão do Ensino Médio: Como eu lido com isso?
Eu e alunos do P5 de Informática. Arquivo pessoal.

Evasão do Ensino Médio: Como eu lido com isso?

O Começo da Carreira: "eu não tenho perfil para atuar na Educação Básica"

Durante 15 anos atuei no Curso de Letras da Universidade da Região de Joinville - Univille (@univille) e sempre dizia aos meus alunos que eu não tinha perfil para atuar na educação básica e que a educação superior foi minha opção desde o início da faculdade, mas que me empenharia a leva-los a fazer o melhor trabalho no ensino fundamental e médio e dava um alerta: “quem não gosta de gente, não tem paciência para a interação, não deve ser professor. Se você não interage com gente, vá fazer outro curso”. Era uma postura um pouco radical, de quem foi criada na academia e via o mundo em uma perspectiva dual apenas.

Enfim, após terminar o doutorado, fiz concurso para o serviço público federal e em qual carreira entrei? Na educação básica, técnica e tecnológica. Logo eu, que “tinha perfil para atuar na educação básica”. Pois é, e lá fui eu.

Compulsiva que sou, me dediquei completamente àquele contexto, mas, ainda com uma visão do tipo: que coisa mais fácil, eu nem preciso estudar, já sei todo o conteúdo!

A mudança se mostra necessária,mas tem de ser de dentro pra fora, tem de ser genuína, TEM DE SER VOCÊ!

Em Fortaleza, no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia - IFCE (@ifce), na Terra do Sol, me vi cercada por jovens de 13 a 17 anos, super entusiasmados com o ingresso em um curso técnico (a concorrência, em média, é de 15 candidatos por vaga, mesmo com a política de cotas etc), mas pouco entusiasmados a estudar Língua Portuguesa e Literatura. Não fazia sentido, não mudaria nada na vida deles. Assim eu os ouvia falar.

Compulsiva que sou, mais uma vez, e já imbuída da necessidade do uso da tecnologia, fui aos poucos percebendo uma maneira diferente de abordá-los. Se eles estavam ali, tendo passado por um processo difícil de seleção para estudar uma área técnica, praticamente em período integral, então era eu quem tinha de fazer a Língua Portuguesa fazer sentido. Foram muitas tentativas, através das quais, eu tive de mudar.

Foi difícil sair do mundo do “eu sou doutora e posso dar aula pra essa garotada com os braços amarrados”, para o mundo do “puxa vida, esses meninos não estão nem aí se eu sou doutora ou se sou fera em análise do discurso, eles só querem saber o que vão fazer com essa tal Língua Portuguesa na vida deles, mas, na VIDA REAL”.

Praticando a empatia e já totalmente convencida que diferente dos estudantes de Letras que usam/estudam a língua em um processo de metalinguagem, aquela garotada queria é sentido, queriam propósito, queriam que fosse importante PARA ELES.

Mas, como fazer a transposição de um ensino conteúdista focado em mim, para um processo que privilegiasse o estudante no mundo da vida?

A resposta foi bem simples, como todas as respostas a perguntas complexas são. Conversei com cada turma e propus que nós, juntos, conduzíssemos os trabalhos daquele semestre de forma diferente. Trabalharíamos os conteúdos programáticos previstos, mas de forma diferente.

Em cada turma, em média 5 turmas por semestre, eu fazia uma explanação sobre a ineficiência do ensino de língua portuguesa nos 9 anos de ensino fundamental para a maioria deles. Mostrava que a vida profissional aconteceria independente de eles conseguissem identificar uma oração subordinada substantiva subjetiva ou adjetiva restritiva, mas que o conhecimento desta classificação poderia ser importante em determinado ponto da vida deles, mas não necessariamente na vida de todos eles.

Falava então sobre aprendizagem, propósito, protagonismo, inovação, empreendedorismo e futurismo. Explicava que eles trabalhariam até 80 anos e que viveriam possivelmente 120 anos e que em 30 anos a profissão que eles hoje tinham como certa poderia não mais existir e que, em contrapartida, outras surgiriam e que o único elemento catalisador entre o que havia naquele momento e o que surgiria eram eles, sua individualidade, sua capacidade de refazer caminhos e de antever cenários, preparando-se para eles.

Toda aula, por pelo menos os dois meses iniciais, eu retomava estas questões e os incentivava a pensar e falar sobre isso.

Cada turma escolhia por qual unidade gostaria de iniciar: Produção Textual, Literatura ou Gramática. Mas, não parava por aí. Cada equipe, de cada turma, para cada área escolhida, deveria dizer:

1) como aquele conteúdo faria sentido na área profissional do seu curso (mecânica industrial, química industrial, telecomunicações, eletrotécnica, informática, edificações) hoje e quem sabe no futuro; e,

2) como a equipe poderia abordar estes conteúdos usando tecnologia e/ou recursos digitais

Foi um alvoroço, mas um alvoroço muito bom. Não havia falta, não havia saídas antecipadas, não havia conversas paralelas que não fossem da própria temática. Sim, porque nesta perspectiva, era necessário haver muita conversa, muito uso de celulares e computadores, muita internet, muitos aplicativos, muita playlist e caixa de som com bluetooth que eu levava a cada aula. Mas, também, muito papel, canetinha, cartolina, papel kraft, cola, fita adesiva, tesoura. Eu tinha um kit, feito com recursos próprios, além do que eles traziam para a sala, pois não queria correr o risco de não fazer alguma atividade bem legal por falta de recursos materiais.

Todo este processo culminou em um evento, em um final de semana, com cerca de 250 alunos no que chamamos de “CONEXÃO IF INOVAÇÃO: 48 HORAS DE INVASÃO TECNOLÓGICA E EMPREENDEDORISMO EM LÍNGUA PORTUGUESA” (para saber mais: http://bit.ly/CONEXÃOIF2, http://bit.ly/CONEXAOIF1, http://bit.ly/2APllmH).

Refletindo sobre a minha prática e o cenário da evasão do Ensino Médio

Hoje li sobre a evasão no ensino médio em um trabalho com dados compilados pelo economista Ricardo Paes de Barros, do Instituto Ayrton Senna, em relatório divulgado pela plataforma Gesta (Galeria de Estudos e Avaliação de Iniciativas Públicas), lançada recentemente pela Fundação Brava, e feito em parceria com o Instituto Ayrton Senna, Instituto Unibanco e Insper (acesso o estudo: http://bit.ly/2yTq0TZ).

O relatório indica que apenas 60% dos jovens entre 15 e 17 anos conseguem terminar o ensino médio com no máximo um ano de atraso. Assim, neste ritmo, segundo o estudo, o Brasil deve demorar cerca de 200 anos para fechar essa lacuna na educação formal de seus jovens.

Porque a evasão? O estudo indica que metade dos jovens aponta a falta de interesse como a principal causa para o abandono ou retenção neste nível de ensino

O relatório indica que  o currículo escolar precisa fazer sentido para o projeto de vida de cada aluno. Um caminho para isso, diz a pesquisa, é oferecer trilhas curriculares que “acomodem a diversidade de interesses da juventude”. E não isso o que o “novo ensino médio” propõe? Discussão grande, essa!

O que me chamou a atenção? O estudo indica que o clima do ambiente escolar também influencia a decisão do jovem de prosseguir ou não com seus estudos. “Quanto mais o jovem percebe que a escola e as atividades oferecidas ali foram idealizadas pensando nele e para ele e, no limite, entenda que a escola é dele, maior será sua motivação para se engajar e menores serão as chances de abandono e evasão”, ressalta a reportagem da Revista Exame (http://abr.ai/2j5OfI1)

O relatório calcula que o Brasil perde, por ano, o equivalente a cerca de 100 bilhões de reais com a evasão escolar. O custo para resolver o problema seria menos do que a metade disso: 33 bilhões de reais.

Fiquei pensando, então. Os estudantes que viveram comigo esta experiência no IFCE, e que pediram à coordenação pedagógica que eu não me aposentasse (risos), não fazem parte desta previsão. Em outros textos contarei sobre o uso do facebook em grupos fechados para cada turma e os resultados, maravilhosos, disso.

Concordo que são um grupo privilegiado, com boa infraestrutura, professores em dedicação integral, comida ao longo do dia. Mas, o trabalho de desenvolvemos juntos poderia ser feito na maioria das escolas, porque só dependia de nós. Não havia fablabs, salas google ou laboratórios multimídia. Havíamos nós, sinal de internet, os nossos celulares e uma vontade muito grande de fazer algo que fizesse sentido na vida, na minha e na deles. E, tenham certeza, fez todo o sentido!


Quando as Instituições entenderem, que os professores devem ser orientadores e que os alunos são seres estudiosos MARAVILHOSOS!!!! Nossas escolas melhorarão muito! Parabéns Doutora. Na sala de aula somos apenas a aprendizes.

MSc.Simone Boruck

Diretora Executiva CEO/ Mentora de Negócios

7 a

Maravilhoso seu trabalho Prof. Vera! Inspirador... e com certeza faz todo sentido para mim também!!

Ana Paula Educadora Transformando Conhecimento em Sonhos e Inovação

Orientadora Educacional/Psicopedagoga extensão em Neuropsicologia/Coordenadora Pedagógica/ Gestão Educacional/Formação de Professores/Produtora de Conteúdos/Colunista EAMagazine/Palestrante

7 a

A flexibilidade de colocar nossos conhecimentos a serviço da clientela que estamos atendendo e um diferencial. Na equipe que coordenava alguns professores que concluiam o mestrado ou doutorado, nao queriam lecionar na educaçao basica. Na sua experiencia, percebi uma disposiçao de encarar a realidade. Inspirador o seu texto. Gostei😉

Sandra Hoyler

Tutora EAD | Profa Ms. Universitária |Pedagoga | Psicopedagoga Clínica e Institucional | Neuropsicologia |Psicanalista/ Orientadora de TCCs | Psicologia(em curso)

7 a

Matéria reflexiva e verdadeira.

Excelente texto professora Vera Bahiense, eu acredito que a educação e um dos pilares de transformação do ser humano, o mapa da violência aponta altos índices de homicídios no Brasil em adolescentes desta mesma faixa etária, a questão da vulnerabilidades social, o contexto que este adolescente esta inserido, hoje notamos as salas de aulas diferentes é necessário usar todos os instrumentos para uma melhor compreensão do cenário, para articularmos e utilizarmos até mesmo de políticas públicas.

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