A GOVERNAÇÃO DOS BANCOS: Desafios
A importância dos serviços prestados pelo sector bancário levou a que, na doutrina francesa, Roger Houin tivesse defendido que a banca desenvolveria um serviço público, escapando à lógica do Direito privado e encontrando-se adstrita a servir o público, ainda que com prejuízo para si.[1] Embora, como refere Menezes Cordeiro, tal posição tenha sido prontamente afastada, não é despiciendo constatar que a atividade bancária se reveste de efetiva importância social.[2]
É desta importância que resulta a necessidade de sublinhar que os administradores dos bancos, enquanto membros do órgão de administração de sociedades comerciais sujeitas ao Código das Sociedades Comerciais, têm uma responsabilidade acrescida no respeito pelo interesse social e no sentido em que abrange os interesses dos outros Stakeholders mencionados pela alínea b) do n.º 1 do artigo 64.º do citado diploma legal, para além do interesse público da sua atividade.
Os anos recentes têm acentuado a clivagem existente entre o sector financeiro e o não financeiro em matéria de governação das instituições. Na sua essencialidade, as incontáveis orientações e normas que têm vindo a ser introduzidas são dirigidas à salvaguarda da gestão sã e prudente dos bancos, o que implica necessariamente uma densificação da regulação e do escrutínio da atuação dos dirigentes destas organizações.
É importante, contudo reconhecer que o modus operandi que o diluvio de alterações normativas pretende incutir é um processo cultural, cujo enraizamento será progressivo na generalidade das instituições. Neste contexto, a posta em prática de uma cultura governativa com um renovado rigor e exigência poderá ser o teste decisivo que determinará a sobrevivência de muitas instituições bancárias.
As falhas de governação nos bancos constituem, como se têm comprovado nos últimos tempos, causadoras de uma elevada danosidade, com repercussões no sistema financeiro (evidência do patente risco sistémico) e impactos indesejados na economia real. É pois fundamental um salto qualitativo nos sistemas de governação dos bancos, como único meio de resgatar a confiança perdida nestas instituições e assegurar um sistema financeiro estável em prol do desenvolvimento económico. Para completar este círculo restará apenas refletir sobre a insuficiência de meios técnicos e humanos à disposição das entidades de supervisão, as teias regulatórias que envolvem a atividade bancária e cuja complexidade torna em muitas circunstâncias impossível o seu cumprimento e a sua fiscalização, e ainda a ausência de um conjunto sadio de princípios contabilísticos de aplicação exclusiva ao sector bancário, que permitam diagnosticar e sobretudo mitigar as consequências inerentes ao insucesso da atividade bancária.
[1] Roger Houin, na rubrica Faillites et règlements judiciaires, Revue trimestrielle de droit comercial, 1955, 137-166, pp.150 e 151, apud CORDEIRO, António Menezes Cordeiro – Estudos de Direito Comercial e de Direito da Economia, Vol. I, Coimbra, (1990), pág. 10 e nota 2.
[2] António Menezes Cordeiro, Banca, Bolsa e Crédito – Estudos de Direito Comercial e de Direito da Economia, Vol. I, Coimbra, (1990).