Humanos complexos - Algumas implicações epistemológicas da condição evolucionária e sociocultural

Humanos complexos - Algumas implicações epistemológicas da condição evolucionária e sociocultural

Estudando o livro instigante de Suzman sobre Trabalho (uma história de como utilizamos o nosso tempo, da idade da pedra à era dos robôs) (2022), vemos uma reconstrução elucidativa na tentativa de libertar a noção do trabalho da maldição da escassez, um dogma ocidentocêntrico fundamentalista. De fato, trabalho tende a ser visto como luta contra escassez, para produzir meios de sobrevivência sempre em risco, num contexto de seleção natural europeizada. Trabalho tem mil outras faces, desde as mais tenebrosas (trabalho escravo, forçado, infantil) até a autorrealização social e pessoal. Como toda categoria humana (ou de seres vivos em geral), é ambígua, complexa, entrelaçada, superposta, para além das dimensões lineares. A crítica de Suzman é fundamental para vermos que toda civilização enxerga os humanos aos olhos desta civilização, no pressuposto muito impróprio de que é o olhar que unicamente cabe. Em psicologia e outros campos científicos (epistemologia, por exemplo) se chama “autorreferência” e pode ser formulada assim: “não vemos as coisas como são, mas como somos” (Demo, 2009). A mente humana contém um fechamento estrutural autopoiético (Maturana, 2001. Maturana & Varella, 1994; 1997), posto como “ponto de vista” – não há vista sem um ponto a partir do qual se vê. Uma das discussões mais agitadas sobre a epistemologia do ponto de vista (standpoint epistemology) foi protagonizada por Harding, quando no fim do milênio publicou “Is Science multicultural? Postcolonialisms, feminisms, and epistemologies” (1998), escandalizando e enfurecendo os patriarcas da academia, do Nobel, do status quo científico. A noção de ciência multicultural implicava que a validade científica possível é relativa, não há verdade completa, não há teoria final ou de tudo, cutucando um dos mitos mais renhidos do positivismo. No livro recente de Pasternak & Orsi (2023) sobre pseudociência, muito provocativo (como é o título: “Que Bobagem!: pseudociências e outros absurdos que não merecem ser levados a sério”), persiste a subserviência positivista paradigmática clássica, em pleno século 21: ciência válida é a europeia que tem o monopólio da validação; os resto é pseudociência. Naturalmente há muitos que não concordam, como Bogéa (2023), que respondeu no memo tom: “Haja paciência!: a psicanálise como ciência do singular – uma resposta à bobagem de Orsi e Pasternak”. 

Sem nos meter neste rebuliço, tentamos aqui recompor o desafio epistemológico de lidar com a autorreferência, não como o positivismo faz, de modo reducionista linearizado e supremacista, mas de uma ótica aberta que podemos chamar de dialética ou complexa (Morin, 2011; 2021. Santos, 2019). A visão humana sempre parcial não tem remédio, porque é uma dinâmica evolucionária e sociocultural natural. Precisamos saber lidar com ela, não inventar isenções, neutralidades, objetividades incabíveis ou farsantes. Sendo questão tão complexa, qualquer abordagem é aproximativa apenas. A argumentação aqui usada se encaixa da pesquisa dita qualitativa, mais apropriada para encararmos dinâmicas da vida que são, a um tempo, lineares e complexas. São lineares, porque vida sempre tem um corpo, é matéria, se reproduz causal, sequencial, formalmente; são complexas, porque a vida abarca dinâmicas contraditórias, ilógicas, ambíguas, imprevisíveis, indeterminadas, intersubjetivas, conscientes etc. A ciência canônica prefere procedimentos lineares (estritamente matematizados), não porque a realidade assim seja, mas pela ditadura do método: só é real o que cabe no método! 




I. AUTORREFERÊNCIA




O ponto de vista do observador é parte da realidade observada. Pode ser visto como incômodo, porque nos coloca como analistas naturalmente enviesados, datados e localizados, não como entes que conseguem observar a realidade de fora, de cima, objetivamente. Aceita que a ciência tem validade relativa, porque humanos só dispõem desta, tendo, eles mesmos, prazo de validade; se humanos desaparecerem do planeta, a vida continua. Não temos como formular teoria final ou de tudo (everything theory), como ainda persiste no positivismo (Kaku, 2022. Hossenfelder, 2022. Hawking, 2006. Sapolsky, 2023), porque não existe teórico final. Todas as teorias são naturalmente falíveis, como a própria proposta popperiana positivista reconhece (Popper, 1959; 1967. Strevens, 2020. Demo, 1995), são reconstruções datadas e localizadas, não podem ser universais ou ter validade definitiva (Kastrup, 2021. Pacchioni, 2018. Poskett, 2022). Humanos, quando tentam entender uma realidade, em geral muito complexa, veem o que podem, aquilo que sua visão alcança ver, incluindo, claro, o que “querem” ver (Couldry & Hepp, 2016. Hoffman, 2019). Ver é focar – não vemos tudo, apenas o que é possível e que nos interessa. Então, não lidamos com a realidade como ela é, mas como a vemos, reconstruída a partir de um ponto de vista. Somos, nós mesmos, um pedaço da realidade; vemo-la como parte, parcialmente. Humanos não possuem um olhar divino, onipotente, objetivo, de fora e de cima. É de dentro, do nosso tamanho. 

Uma das implicações mais acerbas da autorreferência é que não sabemos o que é “a” realidade (Laszlo, 2016), pois a apanhamos de modo muito redutivo, a parte que cabe em nosso olhar. Sabemos que, na natureza, há animais que tem visão melhor que a nossa, veem de noite bem, por exemplo. Consta que uma águia vê a mil metros de altura um rato movendo-se na grama e dá o bote certeiro. A mil metros de altura só vemos contornos superpostos, nada nítido. Podemos considerar a autorreferência como saída tática da evolução, ou seja, uma tecnologia para encarar uma realidade muito maior que nós, que não cabe em nossa mente. O que entra em nossa mente é uma parte da realidade, apequenada, formalizada, sequenciada, ou seja, linear. Para explicar, precisamos simplificar. Não explicamos, se complexificamos, nem entendemos um absurdo com um discurso absurdo; o discurso será lógico, ou seja, formalizado, simplificado, abstrato. Conceitos são tipicamente abstratos, imateriais, reconstruções aproximadas de uma realidade extremamente mais prolífera e difusa (Kastrup, 2021). Matemática é a própria abstração, pois só lida com formas, tendo papel fundamental no manejo da realidade linear, por ser relação causal, como nos algoritmos: estes são comandos para o computador, que os reproduz linearmente. 

O que é propriedade evolucionária e sociocultural não é “problema”, “defeito”, embora fundamentalistas digitais possam assim ver (Buonomano, 2011): querem “corrigir” ou “mesmo superar” a tecnologia biológica pela digital (Kurzweil & Bisson, 2013. Tegmark, 2017): fascinados pela efetividade digital, que hoje está em realce maior na Inteligência Artificial (IA) capaz de fazer textos razoáveis (ChatGPT, GPT-4) (Hoffman, 2023), gostariam de prenunciar um futuro digital que, entre outras façanhas, se livraria da biologia: esta, por ser complexa, superposta, ambígua, intersubjetiva, viva, é lentíssima, cheia de bugs, enrolada, imprevisível, aberta, contraditória... Anda a pé, não à velocidade da luz.

É comum na espécie a busca por superar limitações, sendo condição evolucionária natural: melhorar o viver. A capacidade científica e tecnológica é parte superlativa da saga humana e tem percorrido, sobretudo nos últimos 500 anos saltos feéricos, até a era digital. Esta era, mesmo sendo tão fulgurante, não é mais que uma fase; virão outras depois, mantendo algo das anteriores e abrindo novos horizontes pela frente, sem ponto final a atingir. Humanos também mostram insatisfação com o próprio corpo (daí a medicina estética ou similar), e hoje é possível interferência no código da vida (DNA), ainda que não saibamos bem o resultado (Doudna & Sternberg, 2017. Zernika-Goetz & Highfield, 2020. Basl & Sandler, 2013). Como humanos são temerários – bem retratado no Homo deus de Harari (2017) – não vão deixar de fuçar no DNA, por conta e risco. Os limites sempre serão ambíguos, bem como as consequências. Basta lembrar que, um dia, implante de coração foi visto como atentado à natureza; hoje é rotina. Como humanos são uma tecnologia biológica natural e, como tal, evoluem, mudam em torno do DNA, se complexificam, não temos nunca certeza do que é “natural” ou não natural, nem quem somos. O poder de autoextinguir a espécie está ao alcance, seja pelo extermínio de fora (guerras, envenenamento do planeta etc.) ou por intervenção desastrada interna (no sistema da vida). 

Não podemos, assim, garantir que não poderíamos, algum dia, mudar a autorreferência, se a virmos como defeito, mas parece estar entre os limites estruturais. Assim como não podemos retirar das relações sociais a relação de poder (a politicidade), não seria viável montar uma mente que vê de fora, de cima, objetivamente. Como tudo na vida, sendo ambíguo, tem faces positivas e negativas. Nosso conhecimento nunca é completo, porque a mente não é, mas dinâmicas ambíguas podem ser hermenêuticas, intersubjetivas, profundamente comunicativas e interativas, afetivas recíprocas, virtudes que o computador não tem, por ser apenas linear. A vida é uma tecnologia superlativa que não rivaliza necessariamente com outras (com a digital, por exemplo), podendo ser complementares, pelo menos em alguns aspectos. 

Em termos práticos, lidamos com uma faixa restrita da realidade, aquela linear ou linearizável, que cabe no método e em nossas explicações formalizadas, ou seja: o lado operacional da realidade, onde praticamos nossas tecnologias, que precisam ser previsíveis, eficientes, controláveis, programáveis. Um carro pode ser desligado; um bebê, não. Um carro não reclama de sua condição; um bebê berra quando se sente mal ou tem desconforto, ou por manha. Um carro se desgasta. Um humano nasce, amadurece e morre. Um carro não “ama seu dono”; entre o bebê e a mãe pode surgir relacionamento de reciprocidade insondável, sublime. Para muitos, o computador só vai “pensar”, quando tiver “corpo biológico”, ou teremos de inventar um pensar sem biologia. Quem sabe, um dia teremos isso... Mesmo com GPT-4, o resultado é reprodutivo, porque tipicamente linear (frequentista) (Setzer, 2022) – a plataforma não sabe o que faz, porque não tem tessitura biológica. Os resultados nos deslumbram (Hoffman, 2023, Metz, 2021), porque parece haver entre humanos e GPT-4 alguma “interação”, mas é reprodutiva, não autoral. 

Humanos são um poço de pretensões absolutas, mas uma coisa são nossos devaneios, utopias, esperanças, ficções, outra o que é possível na realidade conhecida linear manipulável tecnologicamente. O possível, porém, não é o limite humano, porque toma como referência o possível já feito. Como não sabemos a potencialidade desse possível ou da matéria, é preciso deixar em aberto, o que pode ocorrer usando o conceito de utopia: esta, de si, é irrealizável; mas, tomando como parte dialética da realidade, funciona como aguilhão que nos obriga sempre a nos superar, a nunca aceitar o possível como ponto final. “Só os medíocres desprezam a utopia” (Santos, 2020). Nunca seremos perfeitos (Deacon, 2012), mesmo sendo evolucionariamente perfectíveis ou complexificáveis. A história humana é de intensa aprendizagem, pelo menos em algumas civilizações mais intempestivas que sempre arrostam seus limites, bastando comparar como era nossa vida há 1 milhão de anos e como é agora. A tecnologia e a ciência mudaram nosso modo de viver, mesmo que prosperidade sempre se prometa, nunca se garanta (Acemoglu & Johnson, 2023). O “bem viver” será ambíguo. Se consultarmos Krenak, vai dizer que a ancestralidade é referência sábia, mais que prosperidade (2021; 2022). Se consultarmos Kurzweil, vai dizer que é melhor sermos uma entidade digital, porque seríamos eficientes e operativos (Kurzweil & Bisson, 2013). Se consultarmos os bilionários digitais, vão dizer que o maior êxtase é uma conta bancária infinita. Se consultarmos um monge, quiçá diga que renunciar é mais realizador! (Graham, 2009). Quem somos? De nós mesmos temos uma reconstrução mental limitada, aquela possível a esta altura da evolução e da história humana, datada e localizada, situada. Por isso, nenhuma civilização é modelo para outra, porque retiramos o direito da outra ser diversa, algo essencial para a biodiversidade. É um dos mistérios mais interessantes biológicos: havendo um código da vida, aparentemente persistente, não resulta numa padronização dos vivos; ao contrário, prolifera uma diversidade instigante, sem fim. Ocorre na linguagem. Havendo uma gramática de fundo estrutural dada na mente humana, isso não leva a termos uma língua única. Bem ao contrário, cada língua é diversa, como cada humano é igual e diverso. Quando surge nova língua, não é preciso conceber a gramática; vem dada. Inventamos a semântica diversamente, não a sintaxe. E cada língua é um universo em si, tão diverso quanto limitado. Serve ao grupo que a fala. Humanos sempre gostam de se inventar como “povo eleito”, um dos equívocos mais predatórios das religiões cristãs. Não há povo eleito. Apenas outros povos. Religião única é impossível, mesmo na maior ditadura. Não há a mínima chance de, um dia, termos uma única religião no mundo, ou um único livro sagrado. É crendice, para a ciência. 

É um tema muito árduo para as religiões, sobretudo cristãs que possuem um Deus pessoal (Bellah, 2011), já que, na autorreferência, imaginamos um Deus que concebemos à nossa imagem, que cabe em nossa mente (ao inverso do que está na bíblia: humanos criados à imagem de Deus). Religiões orientais aceitam que Deus é entidade inefável – ao ser descrito por humanos, se humaniza (como é o Deus do Antigo Testamento, no sentido de irascível, mandão, julgador, vingador). É o que ocorre com a hierarquia, recorrentemente. O profeta, no início, se tem como porta-voz de Deus, obsequiosamente. Depois, aprendendo a lidar com a divindade imaginada, percebe que é mais útil inverter os papéis: Deus será porta-voz e serve como garantia instrumental. Já não é Deus quem fala pelo porta-voz; Deus fala só o que o profeta comanda. Com isso, o profeta se torna divino. Manda e desmanda. Assim como a realidade externa é, em parte pelo menos, uma projeção mental reconstruída e nunca completa, por mais que seja elaborada, também temos da divindade o mesmo limite. E isto poderia sugerir uma racionalização de por que, na Trindade, Deus se fez homem, embora sempre seja um problema lidar com isso: na tradição patriarcal, esse Deus é um homem, como se a mulher fosse, por isso mesmo, excluída! É um homem, mas especial, cuja vida íntima não é tangível. Estou analisando assim, numa ótica científica. Aos olhos da fé, a questão é outra e vamos respeitar, também porque religião é um tema atávico na humanidade: sempre existiu e continua existindo. Dawkins, famosamente, propôs “superar” ou “libertar-se de” (outgrow) Deus (2019), por ser referência evolucionária estranha ou até espúria. Não há nenhuma prova empírica da existência de Deus, mas muitos diriam que nada pode ser mais certo, verdadeiro, inquestionável. A ciência facilmente despreza a religião, porque não cabe no método, mas, na complexidade da vida, precisamos de todos os conhecimentos, também de religião. 

Se é, na ótica da ciência e tecnologia, admirável o que podemos inventar para melhorar nossa condição humana, também precisamos saber de seus limites: lidamos com o lado linear e entendemos linearizando o complexo. Todo texto é uma linearização formalizada simbólica, abstrata, muito menor do que aquilo que temos em mente ou muito menor do que a realidade a ser formalizada. Sabemos que a vida é complexíssima e não cabe inteira no método, mas dela apanhamos a face formalizável, sequencial, causal, sem determinismos, porém. Entender é também intervir, pois o objeto observado é reduzido. Então, reduzir a realidade para dar conta dela é um dispositivo evolucionário natural. A posição positivista vai além, ao afirmar que não há redução: realidade é, ao fundo, simples, e pede explicação simples, que até poderia ser final. 




II. VALIDADES RELATIVAS




A epistemologia eurocêntrica ainda usa o conceito de verdade, porque se quer unicamente verdadeira. No livro de Pasternak & Orsi (2023) reaparece esta pretensão infantil do supremacismo europeu, quando, criticando acerbamente “ideias ruins” ou “bobagens”, afirma sem rodeios que que a ciência tem “compromisso com a ética e a verdade” (p. 372). É um credo intempestivo, porque implica uma fé totalmente estranha à ciência crítica autocrítica, além de ignorar o quanto ciência foi e é usada antieticamente ou para produzir inverdades. O recurso a procedimentos formais em ciência, como matemática, lógica, algoritmos, códigos, gramáticas etc., não confere validade universal à ciência, mesmo que aceitemos terem estas formas validade universal (Unger & Smolin, 2014). É fundamental distinguir entre matemática e lógica, e matemáticos e lógicos. As primeiras achamos terem validade universal; os segundos, jamais. Embora não saibamos a origem dos formalismos (como matemática surge, por exemplo), existem, usamos, são estratégicos para lidar com o linear de modo causal (algoritmos, por exemplo), mas humanos não se reduzem a isso. Humanos são turbinados por desejos, pretensões, vaidades, que não cabem em matemática e lógica, porque admitem dinâmicas contraditórias, imprevisíveis, originais, fundamentais para a vida, não para o computador. 

Embora apliquemos matemática a tudo (Hubbard, 2010), porque lidamos melhor com o que quantificamos (só o linear é manipulável mecanicamente), fazemos isso taticamente, como modo de aproximação, sabendo que estamos forçando as coisas. Assim, quando damos uma nota ao aluno – por exemplo, quando, avaliando uma proposta de seleção para o doutorado, aplicamos uma nota de 0 a 100 – sabemos que estamos enquadrando linearmente de modo apenas aproximativo, também desajeitado, porque a “qualidade” da proposta não é um número, mas uma dinâmica de cunho dialético. Vai aí enorme subjetivismo, que podemos engolir porque confiamos na instituição e no avaliador, que não avalia sozinho, mas com outros colegas (um corretivo fundamental), tendo em vista que precisamos comparar os candidatos para fins de seleção. Não há como pretender que uma nota é “verdadeira”, porque é uma referência quantificada sugestiva e pode sempre ser questionada. É tipicamente um misto de qualidade formal e política, como é a própria ciência. No lado formal, usamos quantificações sempre que possível, porque são mais manejáveis, e no lado político fazemos julgamentos que implicam também ética, bom senso, sentido contextual etc. A rigor, avaliar humanos é uma temeridade, tanto porque nunca conhecemos os arcanos da vida minimamente, quanto porque as métricas são terrivelmente reducionistas. Pode ser uma saída pragmática, no sentido de tornar um procedimento obscuro, intransparente, um pouco mais visível, embora se trate de uma visibilidade arranjada. Reconhecemos isso ao aceitar que os avaliados interponham recursos, que, porém, serão julgados pela própria instituição (interna corporis). 

O apelo à verdade, tão recorrente na ciência ocidentocêntrica, é indicativo do que Habermas chama de “pretensão de validade” (1989; 2020; 2004; 2010): validação é um processo sociopolítico, uma reconstrução evolucionária em andamento, nunca completa, exceto em tipos fundamentalistas de conhecimento, como o religioso ou ideológico extremado. Primeiro, verdade é termo religioso; não serve à ciência aberta. Segundo, humanos podem ser verídicos, não verdadeiros: têm aparência de verdadeiros, mas são incompletos, em processo. São “verdadeiros” por serem existentes concretamente, mas passageiros. Terceiro, epistemologicamente, a alegação de verdade é mentira (Foerster & Poerksen, 2008): é próprio do mentiroso dizer que é verdadeiro; gente circunspecta não promete isso. Na visão de Habermas, da “força sem força do melhor argumento”, a ciência não produz verdade, mas argumento (a força do argumento, não o argumento da força). Positivistas esperam que a ciência resolva os problemas e garanta a verdade, mas é golpe fundamentalista. A validação possível em sociedade é relativa, sem ser relativista. No eurocentrismo, validade relativa é desprezada, pois se pretende a absoluta, mas é inviável para seres relativos. É própria de uma civilização prepotente, que, como critica Rosa (2010; 2019), entende a autodeterminação como excludente da autodeterminação de outros povos, advogando uma autodeterminação privada, bem típica do neoliberalismo. Trata-se de autodeterminação colonialista, escravocrata: outros povos só podem ser subalternos ou subumanos (Oyewumi, 2021). 

Parece um suplício para a epistemologia supremacista eurocêntrica aceitar validade relativa, porque tem de sentar no mesmo banco de outras civilizações. Para fundamentar a validade relativa, precisamos afastar os extremos do absolutismo e do relativismo. No absolutismo, vale a verdade vista como absoluta, da qual não pode haver contestação ou divergência, posição comum no positivismo. No relativismo, nada vale, ou tudo vale, apontando para uma situação a-histórica, pois em nenhuma sociedade conhecida aconteceu isso concretamente. A própria convivência implica socialização recíproca, instituindo naturalmente validades de conduta, que, porém, não são peremptórias. Qualquer família, mesmo não tendo um cartilha de obrigações escritas, tem um modo de ser considerado próprio dela: como é a autoridade nela, como é a relação com os filhos e entre os filhos, como se comporta para fora. A vida dentro tem normas comuns. Então, uma sociedade onde tudo vale ou nada vale nunca existiu. Quando se brande este bordão, é como o profeta que usa o inferno para infernizar. Afastando-se os extremos, no meio está a validade relativa, aquela historicamente implantada, mantida e mudada. Nossas teorias possuem este tipo de validade, porque ciência é um processo/produto evolucionário e sociocultural, que vale sim, hoje muito mais, mas não é absoluta, nem relativista. Sendo humanos autorreferentes, suas propostas têm seu tamanho, são verídicas talvez, não verdadeiras, valem o quanto pesam, a divergência é fundamental para que se mantenham abertas, críticas autocríticas. 

O argumento vale por sua fundamentação. No entanto, é um fundamento sem fundo último. A fundamentação precisa ser feita de tal modo que implique a divergência natural, no contexto da força sem força do melhor argumento. Ao mesmo, tempo – e aí vai uma crítica a Habermas – a autoridade do argumento não “deveria valer”, porque vem de fora, é intrusa, mas, em sociedade acaba valendo, porque ciência é uma instituição social eivada de politicidade. Podemos apreciar isso nos mestrados e doutorados. O candidato faz um texto que se quer argumentado, fundamentado, mas sua aprovação depende também – quiçá sobretudo – do orientador e da banca, que têm palavra final. Em termos concretos, é um cenário incômodo ou até desolador, porque nem a ciência escapa da autoridade, sendo ela mesma uma autoridade! E isto afasta as pretensões positivistas de objetividade e neutralidade, tanto porque não há cientista neutro, quanto porque é uma isenção apenas útil ou mal-intencionada, embora seja prudente saber distanciar-se do objeto para vê-lo com viés menor. O critério principal de validade científica será a capacidade de se expor à crítica, sem acobertamentos, e sobreviver com ela ou por conta dela. Ciência de qualidade epistemológica elevada se expõe, valoriza a divergência, pede a intersubjetividade crítica, considera o contra-argumento como parte constituinte da argumentação, para que sua validade seja reconhecida pela argumentação, não pela manha, artifícios, dissimulações. Não há nisso nenhuma palavra final, porque esta não existe. 

Ainda que Habermas seja reconhecido como grande mestre da esfera pública democrática, com base na capacidade de argumentar, para convencer sem vencer, sofreu crítica veemente ao defender a comunicação não estratégica (não eivada de poder), apenas comunicativa (1982; 1991). Seguindo formalismos kantianos (Sfez observa um “mofo kantiano” em Habermas) (1994), arquitetou sua lógica comunicativa apenas como lógica, enquanto, na condição de dinâmica humana profundamente ambígua, a politicidade lhe é constitutiva. Toda comunicação também descomunica, como toda informação também desinforma, porque são sempre procedimentos seletivos, reducionistas, estilizados. Bourdieu reclamou da falta de percepção da dinâmica do poder na ação humana (1987; 1996), no eco marcante de Foucault, para quem todo discurso é um dispositivo de poder (2000) ou de Barthes que considera poder um parasita da linguagem humana (1996). Mészáros (2004) analisou Habermas como ideólogo conservador do status quo. Parece que Habermas caiu na cilada eurocêntrica, que se imagina modelo comunicativo, isento, superior, quando é apenas uma versão e bem enviesada por procedimentos colonialistas profundos. Este reparo não invalida a contribuição monumental de Habermas, mas esperaríamos que tivesse sensibilidade mais clara da politicidade humana. Estranhamos que, sendo capaz de trabalhar a noção de pretensão de validade com rara maestria, não se tenha dado conta de que comunicar-se é sempre também, não só, um jogo de poder. Falamos não só para comunicar, informar, mas para influir. Pode ter-lhe incomodado a validade relativa da comunicação humana, complexa, ambígua, incompleta, também politiqueira, mesmo tendo distinguido perspicazmente entre discurso verdadeiro e verídico. 

Foi um golpe duro no monopólio da validação científica ocidentocêntrico, nos 1930, o reconhecimento de Gödel do “teorema da incompletude”, ao ser instado a comprovar que o sistema matemático seria perfeito formalmente. Ponderou, então, que não existe sistema formal consistente final da matemática, porque não pode comprovar-se a si mesmo, apontando para a autorreferência . A matemática não pode sair de si mesma para ver-se de fora. Uma autoprova não prova de modo adequado (McDowel, 2002. Goldstein, 2006. Franzén, 2005). Na computação existe o problema do estancamento, quando a máquina não consegue continuar computando números, enredando-se num beco-sem-saída. Isto não prova que matemática é complexa, mas que abriga paradoxos surpreendentes. E na epistemologia reconhecemos que todo conceito é, ao fim, circular: ao definir qualquer conceito, usamos conceitos ainda não definidos, porque não temos um ponto formal de partida ou chegada, mas uma situação de ambiguidade discursiva em processo aberto. Só existem – assim parece – certezas formais, como as matemáticas, mas nelas não mora ninguém. Todo texto é também uma armação autoral, subjetiva, política, não só um jogo de símbolos formais objetivos. 

Por conta das validades relativas, sempre abertas, mesmo rigorosas, vale acentuar, como propus em outro lugar (2011), discutindo a força sem força do melhor argumento no mundo digital (Wikipédia): i) “antes, autoquestionar-se; depois, questionar” (p. 48); ii) “fundamentação tão bem feita, que possa ser refeita” (Ib.); iii) “quem tem ideia fixa, só tem uma. Não aprende mais. Teorias se usam, não se adotam (Ib.); iv) “ideias são plurais; ideias únicas são imbecilizantes” (Ib.). v) “há muitas verdades; todas têm dono. Não passam, porém, de pretensões de validade" (p. 49); vi) “validades são relativas, não relativistas; valem, sim, mas relativamente” (Ib.); vii) “consensos bem feitos tanto valem, quanto podem ser refeitos” (Ib.); viii) “quem persuade, precisa poder ser persuadido; toda comunicação é estratégica” (Ib.). A noção de que teorias se usam, não se adotam, agride a pretensão eurocêntrica da verdade, mas é fundamental para uma academia que gosta de continuar aprendendo e se concebe como também democrática, aberta, cooperativa. Agride o supremacismo europeu que posa de verdade inescapável colonizadora (Santos, 2019). A vida também é matemática, mas sua graça está além da matemática. O monopólio da validação científica está entre as propostas mais ditatoriais da academia europeia, dona da verdade (Demo, 2023). Cerceia o florescimento de outras academias, sempre consideradas deficientes, impróprias, inferiores. Por trás da academia europeia está um patriarcado branco torpe colonialista e supremacista. É um dos poderes mais drásticos na sociedade: monopolizar a validação da própria sociedade, incluindo a ciência. 




III. EPISTEMOLOGIA DIVERSA?




No centro do monopólio da validação está o colonialismo eurocêntrico de epistemologia única, como aparece em Pasternak & Orsi (2023). Assim como se esparge a pretensão de civilização única, aquela que estatui o que é ser civilizado ou bárbaro, quer-se uma ciência única, unicamente verdadeira e que expressa a pecha de uma ciência substituta da religião. Na discussão atual de uma possível (quase certa) ascensão da Ásia no comando civilizatório global, puxada pela China sobretudo (Jin, 2023. Khanna, 2019) e substituindo os EUA (e a Europa), alega-se que um dos horizontes mais fundamentais é a “fusão de civilizações” (Khanna, 2019:328). É temerário acreditar nisso, porque a Ásia enveredou pelo capitalismo, embora seja um capitalismo de Estado (mercado regulado), preferindo regimes fortes, ou ditatoriais, ao invés da democracia, que criticam como ineficiente e hipócrita. Esta crítica é correta: as democracias ocidentais são terrivelmente hipócritas, incluindo a brasileira (Demo, 2019), avançando a tese de que capitalismo e democracia são incompatíveis (Mattei, 2023, Piketty, 2022), não estando apenas em “crise”, como sugere o conservador Wolf (2023): pessoas hoje que vivem em países de altos ingressos seriam 16%, o que já é uma total ilha da fantasia. Levando em conta que há pobres nesses países, a exemplo dos EUA, o pais mais ricos com mais pobres (Desmond, 2023. Wilkerson, 2021), a cifra pode descer para 10%. Apenas uma minoria de 10% vive bem no neoliberalismo – um fracasso completo. Esta sociedade não pode ser “a verdade”, “a civilização”. É uma infâmia. 

Precisamos de alternativas, de utopia, de ar novo. Lutou em favor dessa mudança, como ninguém, Sandra Harding, feminista americana que tentou desbancar o patriarcado branco supremacista na academia, manejando argumentos epistemológicos e socioculturais. Uma referência fundamental foi a noção de ciência “multicultural” (1998), que escandalizou o patriarcado científico, mas colocou um primeiro incômodo no mundo científico. Afinal, a ciência persiste machista, o Nobel é machista escancarado, o topo da ciência é conduzido de modo machista e eurocêntrico, agressivamente. A noção de “multicultural” se refere à ciência como instituição social, não como forma metodológica, que, assim cremos (ainda!), tem validade universal, como matemática e lógica. Não se cogita uma matemática ou lógica feminina, mas sim é crucial aceitar que o uso da matemática e lógica é naturalmente também feminino. Falta à ciência o ponto de vista feminino, o que levou Harding a desenvolver a noção de standpoint epistemology (epistemologia do ponto de vista), para advogar a diversidade natural do olhar feminino, necessário no mundo da vida, incluindo ciência (2004; 2003), valorizando também o aporte feminista ao debate (1986; 1988; 2003a; 2006). Ecoou forte a reação ao colonialismo da ciência, seu racismo econômico (1993; 2008; 2011), e buscou “outra lógica da pesquisa científica” (2015), contra o positivismo dominante. Fez um reboliço monumental nos EUA, embora haja outras feministas mais famosas, porque trabalharam mais graciosamente a politicidade da ciência, acrescendo a questão racial, como no movimento da decolonialidade e interseccionalidade (Segato, 2021. Collins & Bilge, 2021. Collins, 2022. Carneiro, 2023), no mesmo “espírito” de afastamento da epistemologia colonialista europeia, incluindo o marxismo. Este, em geral, não é abandonado, mas reconstruído, como no caso de Federici, ao analisar o massacre das bruxas na Europa e na América indígena (2023) ou de Oyewumi, estudando seu povo africano na Nigéria, de um ponto de vista nigeriano (2021). 

O ponto de vista patriarcalista da ciência promove, sem ou com intenção, uma academia supremacista dona da verdade que não admite a diversidade natural humana, em nome de centralismos doentios, tanto nas esquerdas (socialismos reais, por exemplo – Scott, 2000. Posket, 2022), quanto na direita (tese de que a direta sabe a verdade, a esquerda é ideológica – Shapiro, 2019. Bloom, 2008. Scrutton, 2014). É crucial “descentrar o centro”, para indicar que a sociedade humana não é uma pirâmide, mas uma roda viva aberta (Narayan & Harding, 2000); os saberes são situados, plantados no chão da vida, não em pretensões absolutistas colonizadoras (Harding & Haraway, 2014); sendo elusiva a realidade, não está completa em nenhum ponto de vista, sendo, então a perspectiva feminista imprescindível (Harding & Hintikka, 2004). A epistemologia eurocêntrica colonialista não se dispõe a rever o positivismo formalista reducionista impositivo, porque não suporta ser considerada uma entre outras, ou diversa. Mas a rachadura já começou, e, possivelmente, não vai mais ser recomposta. 

Uma das reações às teses de Harding é de relativismo ou de feminismo prepotente. Relativismo não cabe porque nunca se nega a validade da ciência, embora relativa (não relativista). Feminismo prepotente não cabe porque não se sugere qualquer superioridade da mulher, mas sua parceria condizente. Quer-se, sim, uma academia feita de dinâmicas diversas que podem rivalizar e se complementar, como ocorre na biodiversidade. Toda proposta centralizada fere a vocação evolucionária da diversidade, que é, ao fim, a graça humana. No coração da diversidade está o reconhecimento crítico autocrítico das limitações evolucionárias e socioculturais: não como defeito, mas como condição de desenvolvimento intersubjetivo. O recado sempre é que a natureza é uma mistura, não uma limpeza étnica. Não se busca uma epistemologia facilitada, superficial, para atender a quem não sabe estatística e métodos quantitativos, mas condizente com a diversidade da vida, dialética ou complexa. Provavelmente, será o caso aceitar pesquisas feitas por pontos diversos de vista como necessários, já que o olhar de um pesquisador só nunca é adequado. Ao invés de um texto de autor único, preferimos textos coletivos, de um grupo bem diverso, porque a interdisciplinaridade não é projeto individual; é tipicamente coletivo. Precisamos do olhar disciplinar (para verticalizar a pesquisa), mas a sociedade precisa de uma abordagem mais ampla: o melhor texto tende a ser aquele que mistura especialistas bem distintos. Não se quer eliminar o especialista (precisamos dele, como na medicina), mas o saber mais útil e digno para a sociedade, aquele que contempla a complexidade da vida. 

No entanto, o desafio da complexidade está longe de estar equacionado, porque, se já acatamos que a realidade, sobretudo a viva, é complexa, o pensamento é abstrato, ou seja, simplificado, formalizado, reducionista. Não sabemos pensar complexamente, porque a evolução nos empurrou para o foco reduzido, simplificado. Temos modos de pensar mais abrangentes, como do bom senso, sabedoria, experiência de vida, convívio com culturas diversas, mas, individualmente, o cérebro só explica simplificando. Não pode fazer um discurso complexo para entender a complexidade, nem um discurso ilógico para entender a falta de lógica. Todo discurso é formal, abstrato, uma propriedade da linguagem, que, neste nível, é natural. É vício no positivismo, que postula uma realidade simples, com explicação simples, linearizando a realidade e a epistemologia. Em geral, o ponto de vista feminino admite maior cuidado de abordagem, porque a mulher, encarregada pela natureza de procriar como geradora (conceber o feto), gastadora (abrigar o feto no útero por 9 meses) e gestora (cuidar da prole a vida toda), mesmo à revelia do parceiro homem que facilmente a abandona, aprende o quanto a vida é complexa, misteriosa, muito além do nosso entendimento. Em livro momentoso de Hrdy, sobre “Mãe natureza” (história de mães, infantes e seleção natural) (1999), consta que a natureza tem a estruturação evolucionária da mãe, fecunda e devotada, mesmo que, no patriarcalismo, se configure um lado masculino colonialista, explorador, agressivo. 

Embora possa ser especulação, a posição de Harding leva a refletir se o lado beligerante da ciência, muito mais desenvolvido na tecnologia bélica ou na arte de matar humanos, não poderia ser mais bem gerido, caso a academia acatasse o ponto de vista feminino. O envolvimento com os filhos, muito maior que nos homens, em geral empurra as mulheres a evitar a guerra, o confronto, a brutalidade, porque são atividades masculinizadas destrutivas. Waal, estudando gênero nos bonobos (2022), um tipo de macaco (próximo dos chimpanzés, um pouco menores) que se organiza matriarcalmente, anota uma diferença incisiva: são violentos também, mas bem mais pacíficos, comunitários, cuidam dos filhotes de maneira extremosa, privilegiam o bem-estar do grupo, e até usam sexo para pacificar o grupo, quando há tumulto. Evitando idealizar qualquer lado, é forçoso reconhecer que a sociedade ocidental neoliberal é torta frontalmente: machista, racista, supremacista (Theodoro, 2022). A ciência também. 

A ideia de epistemologia diversa implica, inescapavelmente, outra visão de ciência, capaz de apreciar a diversidade de pontos de vista como crucial para a qualidade da ciência, não um “império cognitivo” (Santos, 2019. Demo, 2023). A civilização ocidentocêntrica não aprecia a diversidade, porque entende como enfraquecimento de sua supremacia. Esta obsessão está também nas religiões ocidentais: cada uma é unicamente verdadeira, o que não passa de uma declaração de guerra contra quem tem outra fé. Está no neoliberalismo que não acata qualquer divergência da proposta do mercado livre desregulado, no contexto da seleção natural europeizada (Dawkins, 1998). Ao pleitear, porém, uma ciência mais democrática, não se confunde com sandices que gostariam de democratizar a matemática, ou simplificar, ou ajeitar, ou mesmo suprimir, para facilitar a vida dos estudantes. Lógica, matemática são formais, possuem validade universal, e são as mesmas no espaço e no tempo, pelo menos assim imaginamos atualmente. Uma matemática feminina não está na agenda. Mas o uso feminino da matemática, com certeza. Estamos discutindo a semântica, não a sintaxe. 

Seria um desastre propor epistemologia alternativa, na qual o “alternativo” seja confundido com facilitação, encurtamento, atalho, manobra, politicagem. Os mais pobres não precisam de matemática pequena, ajeitada, curta. Precisam da melhor formalmente possível. Delpit analisou a reação – “multiplicação é para gente branca” (2012) – por parte dos mais pobres que se veem “incapazes” de aprender matemática. É para rico, seletiva, supremacista. Na prática, não é bem assim, como pesquisou Carraher e colegas (1995), num texto famoso: “Na vida dez, na escola zero”. A matemática que usamos no cotidiano não é problemática: todos manipulam (sabem entender preços, fazer compra, contar dinheiro, qual peso necessário do bebê ao nascer, qual o tamanho de cada qual, o tamanho da moradia, o nível crítico da febre etc.); na escola, porém, a matemática emerge como bicho-papão, inalcançável. Pareceria que a escola capricha em ser difícil, porque é parte de sua empáfia. Em outro texto Carraher sugere que matemática se aprende pensando (2003): é preciso entender, ou seja, o estudante precisa reconstruir autoralmente a matemática. Na prática, matemática é difícil em geral, no mundo todo, por ser um campo eminentemente abstrato. O aprendizado adequado de matemática no Ensino Médio é um resíduo, nas escolas públicas, e de um terço na privada e federal (Demo & Silva, 2021). Aprende-se muito mal em geral, e pessimamente nas públicas (com exceção da federal). Que a federal seja a melhor escola básica que temos, melhor que a privada, indica que sabemos fazer uma escola pública de bom nível, mas a preservamos para uma elite (sua cobertura é de 1%!). Ainda é comum entre docentes a pretensão de achar uma matemática que não seja abstrata (Laurillard, 2007), ignorando que a marca maior do formalismo matemático é, precisamente, a abstração, como são, por exemplo, os algoritmos causais. A escola deve isso aos alunos. Nem é o caso, como na Ásia, impor aos alunos – ferozmente, em ambiente truculento – o estudo obsessivo da matemática (Demo, 2023. Zhao, 2014). 




IV. CIÊNCIA PARA TODOS




A perspectiva da ciência para todos assemelha-se àquela da prosperidade para todos. Nunca aconteceu, porque a proposta civilizatória em voga é piramidal, excludente (Acemoglu & Johnson, 2023). Ao mesmo tempo, não implica inventar uma ciência populista, mas garantir acesso à ciência para todos, tendo como propósito que possa ser usada por todos como alavanca emancipatória. Num contexto igualitário, que compõe igualdade e diversidade, as grandes maiorias precisam ser incluídas; a exclusão é inevitável, mas precisa estritamente ser mínima. Para equalizar oportunidades, é imprescindível privilegiar o desprivilegiado – oferecendo a mesma oportunidade, empata-se. Para o mais pobre poder sair da miséria, precisa de oferta tanto mais elevada, focada, dinâmica. Não estamos habituados a isso, porque fantasiamos que, frequentando a escola pública, garantimos as oportunidades. É uma das maiores futilidades da educação. Ignoramos que a tendência dominante de sistemas educacionais não é equalizar as oportunidades, mas afunilar ainda mais. Esta propensão aparece na instituição da escola privada: a elite não aceita a mesma escola; exige uma distintiva que no mínimo mantenha os privilégios, na expectativa de os incrementar. A própria noção de “oportunidades iguais” é fútil: o que move as pessoas são oportunidades distintivas, não iguais (Bourdieu, 2007); oportunidades iguais são para pobre. Por ironia, a melhor escola básica brasileira é pública (a federal): é melhor que a privada, embora tenha cobertura muito seletiva em torno de 1% (Demo, 2022a). Aí está a indicação ostensiva de que no espaço público quem pode se safa: não quer oportunidade igual (Lubienski & Lubienski, 2013). A escola, longe de ser um espaço de proteção aos desvalidos, é uma arena de guerra, onde se disputam privilégios preciosos. É muito mais fácil que a escola se use para ranquear, classificar, segregar, do que para equalizar oportunidades, o que aparece na própria avaliação: não há avaliação que não classifique, mas cabe ao educador antepor o compromisso de cuidar. O efeito classificatório é parte da politicidade da vida, da seleção natural como disputa social, mas a vida contém, dialeticamente, a outra dimensão da cooperação: somos rivais e cooperativos. A escola deveria ser lugar eminente de formação cooperativa. O neoliberalismo, contudo, espicaça a rivalidade. O cenário escolar é, ao fim, inclemente, como é viver no mundo, tal qual no poema clássico de Castro Alves: Viver é lutar! Inclui também “crer na vida, crer na luz, crer no amor!... Lutar é ter fé, é ter esperança. É ter na dor que o peito devora, a crença redentora, de uma ventura que fulgura, de um futuro que sonhamos, de um bem que alcançamos, depois da luta!”  

Esta dureza escolar apareceu em Frigotto, no fim dos 1980, quando analisou a “produtividade da escola improdutiva” (1988; 2018. Demo, 2023): a função da escola, que consta no clássico de Bourdieu & Passeron (1975), é a “reprodução”: fixar a subalternidade do mais pobre, realçar a supremacia do mais rico. Embora alardeemos que educação emancipa, acobertamos que é um processo social e que todo processo social, em sua politicidade, pode mais facilmente segregar do que emancipar. É o mesmo contexto incômodo que Barthes pintou em sua famosa Aula de 1977, quando ocupou o posto (Semiologia) no Collège de France (1996): ao invés de realçar o pedagogês vulgar de enrolação dos excluídos, escancarou o fascismo da linguagem, do ensino (que teria sido abatido em maio de 1968 em Paris pelos estudantes amotinados), do poder como parasita em ação . Em geral, não temos noção adequada do quanto os mais pobres são aviltados na escola, oprimidos, massacrados, perdendo seu tempo, ou, no máximo, “assistidos”. Libâneo chamou de “dualismo perverso da escola pública brasileira: escola do conhecimento para os ricos, escola do acolhimento para os pobres” (2012). Enquanto é um avanço tratar os alunos mais pobres da melhor maneira possível, no contexto do “saber cuidar” (Boff, 1999), não basta, já que o “cuidado” maior de que o mais pobre precisa é emancipar-se (Demo, 2023b). Os mais pobres demandam cuidado, constitucionalmente reconhecido, digno e justo, um tipo de assistência calcado na cidadania. Mas esta condição é, na verdade, instrumental e deveria avançar para sua parte principal: emancipação, no sentido de poder construir proposta própria de vida da qual é protagonista, não apenas objeto de cuidado. Esta perspectiva é, ao fundo, freireana: “ler a realidade” para a transformar (1989; 1997), ou, como dizia Mezirow e seu grupo, era necessária uma “aprendizagem transformadora” (1990; 2000. Mezirow & Associates, 2000. Taylor & Cranton, 2012). Aprendizagem transformadora significa aquela que põe o pobre de pé, supera sua pobreza política, erige um tipo protagonista cidadão vinculado a uma práxis emancipatória. Inclui cuidado, assistência, proteção constitucional, mas seu centro é o direito à emancipação (Demo, 2015; 2022; 2006; 1986). Em geral aposta-se no “conhecimento” como instrumentação mais efetiva da emancipação, a exemplo da emancipação europeia calcada na modernidade científica, no Iluminismo, com destaque para políticas educacionais, mas, mormente, para a inclusão econômica. Conhecimento, contudo, é termo ambíguo, pode ser usado para promover ou impedir a emancipação, além de ser extremamente multifacetado, incluindo desde formas mais comuns, cotidianas, acríticas, até conhecimento científico crítico autocrítico. 

Quando falamos de conhecimento para todos, tendemos a insinuar que muitos são privados do conhecimento, como acontece em quem não se alfabetiza. Acentuamos aí o conhecimento científico, numa perspectiva eurocêntrica supremacista. Embora a escola que temos seja decorrência iluminista (Stoco, 2023) e, nisso, maculada pelo neoliberalismo europeu, ela responde – reprodutivamente – ao contexto socioeconômico da seleção natural europeizada, como viram Frigotto e Libâneo. Primeiro, conhecimento científico é o mais relevante hoje na sociedade e na economia, mas é um tipo de conhecimento, na vasta gama de processos e produtos mentais humanos. Segundo, há conhecimento ao alcance de todos, aquele que podemos chamar de evolucionário, próprio da espécie, que, não por acaso, é alcunhada de Homo sapiens (Harari, 2015). Hoje já não nos satisfaz apor ao Homo apenas um adjetivo (sapiens), por conta de sua complexidade e diversidade. Mas, em geral, aceitamos que sapiens lhe cabe, e até mesmo neurocientistas veem aí uma “vantagem” (Herculano-Houzel, 2017). No termo “vantagem” já assoma a politicidade do conhecimento como tal – como diria Foucault: todo discurso é um dispositivo de poder (2000) – com sabor eurocêntrico, não longe do “gene egoísta” de Dawkins (1998), acobertando que a vida humana implica tanto rivalidade, quanto cooperação (Nowak, 2011; 2013). 

Algumas revisões das origens humanas acentuam esta parte (Graeber & Wengrow, 2022. Graeber, 2023), mostrando que povos antigos desenvolveram sistematicamente este tipo de conhecimento evolucionário, para benefício do grupo, também próprio (poder): todos classificavam ervas para fins medicinais; todos avançaram na culinária, incluindo a domesticação do fogo; todos sempre cuidaram de suas armas, para fins bélicos. Melhorar de vida sempre foi uma obsessão humana, tipicamente ambígua, misturando qualificar o bem comum, tanto quanto exercer supremacia. Na perspectiva eurocêntrica, tendemos a exaltar a supremacia, porque assim entendemos a civilização (colonizar, escravizar, dominar). A vida, contudo, dialética e ambígua precisa de rivalidade e cooperação. E a civilização poderia, se fôssemos mais ajuizados, ponderados, menos europeizados, preferir a cooperação. Como é tão comum na Europa aclamar a ciência para esconder a ideologia, na escola falamos de emancipação, cuidado, pedagogia, para esconder a fabricação da ralé (Souza, 2016; 2019). Ignoramos que somos todos ideólogos, porque somos entidades políticas (politiqueiras, também), e que não se debate ideologia sem ideologia. A noção de que os outros são ideólogos, nós sábios, é golpe europeu, hoje, sobretudo neoliberal. Este segregacionismo está na alma da escola: adornada com discursos que prometem redenção, exaram a discriminação, enfeitada de cuidados verbosos. 

A escola teria de “armar” o estudante mais pobre para poder lutar por sua causa. Não vale violência física. A escola, contudo, é parte eminente da violência simbólica em sociedade (Bourdieu, 1987) e seria tosco, ingênuo, sórdido incutir no estudante pobre que a escola lhe garante a emancipação! Muito mais facilmente o estigmatiza, vilipendia. Para contornar esta miséria – função maior de um professor empenhado na emancipação dos estudantes – cumpre trabalhar oportunidades emancipatórias vinculadas ao conhecimento, que inclui mais nitidamente o científico, mas está contido em qualquer conhecimento evolucionário. A potencialidade emancipatória do conhecimento se expressa em duas desconstruções estratégicas: i) desconstruir a realidade, porque não é o que parece; ii) desconstruir o discurso sobre a realidade, porque é enviesado naturalmente, pode conter ideologia em excesso, estar desatualizado. A partir disso, precisa formular sua contraproposta, alternativa, da qual seja o protagonista. Será ideológica, porque disputa oportunidades, mas, se for formativa, vai admitir que emancipar não implica eliminar rivais, mas saber conviver. Quiçá tenhamos aí uma das engenharias sociais mais finíssimas, que a Europa não acolheu: formar emancipados que combinem igualitariamente rivalidade e cooperação. “Armar” o estudante não vai significar fazê-lo miliciano, cruzado, pirata, mas cidadão que, sabendo disputar oportunidades, prefere uma sociedade igualitária, na qual todos possam caber, iguais e diversos. 

Quando propomos conhecimento para todos, sinalizamos que emancipação é para todos, sobretudo para os mais pobres, de jaez igualitário, não colonizador. Para que isto possa ocorrer, a escola do pobre precisaria, a rigor, ser melhor que a do rico: equalizar oportunidades exige privilegiar o desprivilegiado. Pode ser um susto para o ensino europeu, porque este abriga como alicerce inconcusso que privilégio é para privilegiado. Ser igual é coisa de pobre. Até mesmo “direito” é coisa de pobre, porque, sendo para todos, já não interessa. É como oportunidade igual: é para pobre. Esta dialética foi captada de modo elegante e mesmo ferino em alguns enfants terribles franceses, como Foucault, Barthes, Bourdieu: está para ser inventada uma escola emancipatória para os mais pobres! Entre nós, o máximo que ocorreu é uma escola pública que, ironicamente, é a melhor escola básica: a federal, para 1%. Típico! 

Conhecimento emancipatório, se minimamente adequado e realista, precisa desconstruir a exclusão como imposta, mantida, esticada, não como ordem das coisas no mundo neoliberal. O mais pobre precisa descobrir que é inferiorizado na sociedade não porque ele tenha defeito ou a isto fosse condenado, mas por manobra supremacista. É possível mudar, desde que o mais pobre possa ser protagonista. Este protagonismo pode ser trabalhado na escola, se esta souber se reinventar radicalmente, partindo dos docentes. Como estes comandam a proposta pedagógica (legalmente também), depende sobremaneira deles uma proposta de formação comprometida com a capacidade de protagonizar uma mudança de vida. A primeira mudança é, então, docente, não só no sentido crítico, mas sobretudo de valorização profissional (BID. 2019). O professor precisa ser uma figura emancipada, autora, cientista, pesquisadora, letrada digital, para poder atuar como “intelectual orgânico”, na visão gramsciana. Embora tenhamos malbaratado a noção de “intelectual orgânico”, barateando Gramsci (1972; 1978), seria uma das funções mais nobres docentes: cooperar com a emancipação dos alunos mais pobres, privilegiando-os. Fulcro está no protagonismo estudantil, sendo a atuação docente mediadora, mas, nisto, crucial. Precisamos não confundir a luta emancipatória com a versão eurocêntrica (“egoísta” – como quer a europeização da seleção natural de Dawkins, 1998). Emancipar-se, no contexto igualitário, implica ser direito de todos, não de uma supremacia civilizatória (Rosa, 2010; 2019), um desafio extremamente complexo, arriscado, temerário e deslumbrante. 

Outra epistemologia é imprescindível que, sem jamais acobertar as tramoias do poder, combina igualdade e diversidade, preferindo repúblicas cooperativas. Ser civilizado não é ser próspero, mas igualitário. Ser civilizado não é catapultar-se para uma elite supremacista, deixando as grandes maiorias alijadas. Nem significa olhar só para trás, para experimentos falidos, como do socialismo real ou do neoliberalismo. Precisamos de outras utopias, com devida interdependência intelectual. Humanos podem se emancipar, tomando emancipação como sair de uma condição subalterna inferiorizada para outra na qual se tenha protagonismo suficiente. Sendo dinâmicas evolucionárias, são incompletas, relativas, potenciais, políticas, abertas. Não é viável dominar sozinho, o que sempre pretendeu a Europa como civilização supremacista única. Nem é viável ser capacho como modo de vida. Educação pode contribuir muito para esta dinâmica de conquista da autonomia, desde que supere a reprodução tendencial sistêmica e privilegie o desprivilegiado. O modo dominante visto na história é da supremacia unilateral, desde os primeiros humanos nômades, mesmo muito marcados pela volúpia da liberdade individual e grupal. Colonização e escravatura sempre existiram, nunca começaram. O que diferencia a Europa é transformar colonização e escravatura em dispositivo civilizatório (Theodoro, 2022). 

É possível arquitetar a sociedade de modos diferentes, muito mais republicanos, como se viu na história em experimentos localizados (Tlaxcala, por exemplo – Demo, 2022) ou em eras matriarcais iniciais, do que temos ainda pouca noção (Graeber & Wengrow, 2022:118; 324). Em geral, em sociedades mais igualitárias é decisiva a participação feminina, como mostra Waal (2022) ser o caso também nos bonobos. Não significa que mulher nasce democrática, e homem mandão. Mas que o ponto de vista feminino, como diria Harding, pode preferir configurações mais igualitárias, em geral por conta da prole. Se, na prosperidade avançamos a passos largos nos últimos 500 anos, no igualitarismo estamos não só atrasados, mas nos atrasando em sociedades como as neoliberais, absurdamente excludentes. A escola, que posa fácil e sonsamente de redenção civilizatória, deveria se reinventar, para não ser farsa institucional, sobretudo na versão pública. Escola é tão disputada, precisamente porque representa esta luta desigual de uma elite que busca nela sua salvaguarda supremacista, e da plebe que lá é docilizada para aceitar-se subalterna. Virar este jogo é possível, mas é uma aventura sem igual, que exige, mormente dos docentes, uma atuação de gala. 

Certamente, conhecimento não é a única dimensão emancipatória, mas é valorizado também por tradição civilizatória cristã, que aparece, por exemplo, no Gênesis: o pecado de Adão e Eva foi de conhecimento, pois este teria origem divina. Nele poderiam os humanos rivalizar com Deus (Harari, 2017). Esta alegoria é unilateral, nem seria o caso exigir muito de uma alegoria religiosa, pois ignora que emancipação pede muitas outras habilidades, como de associação (vista como fundamento da própria Constituição e da própria sociedade), organização política, inclusão econômica etc. O acento no conhecimento tem como realismo que, antes de mais nada, precisamos de um sujeito emancipatório. “Ler a realidade” visualiza este desafio: deixar de ser objeto (esperar do opressor a libertação), e constituir-se sujeito de seu destino, mesmo apenas relativamente. Na perspectiva europeia valoriza-se muito o Iluminismo (Roudinesco, 2022), embora talvez mais ainda a Revolução Industrial liberal (agora neoliberal). Como a escola não resolve a prosperidade material, porque atua em outro diapasão social, pode tentar resolver ou encarar o desafio do sujeito emancipatório, via formação rival e cooperativa. Saber pensar pode ser estratégico, não porque resolva tudo, mas porque agita o sujeito capaz de história própria. A escola não pode ser avaliada de modo imediatista, praticista, utilitarista, porque formação, sendo fenômeno tão complexo, precisa de tempo, maturação, ambiguidades, altos e baixos, e não é mecanicamente garantido. 




V. SOMOS COMPLEXOS




Retomando o desafio inconcluso, talvez inconcluível, de que a realidade é complexa, mas o pensamento é abstrato, estilizado formalmente, precisamos vasculhar esta perspectiva tão desafiadora para podermos avançar numa aprendizagem transformadora. Entendemos que, por exemplo, o cérebro é um órgão complexo, tremendamente, não só porque tem quase 100 bilhões de neurônios (Herculano-Houzel, 2016), mas sobretudo porque dessa base física nasceria algo como saber pensar, autoridade do argumento, questionar, cooperar, associar-se, planejar etc. Quando questionamos, contudo, usamos o pensamento abstrato como material de construção, porque assim a evolução nos formatou. A realidade externa não cabe na mente como é, inteira, prolífera, caótica. Só cabe o que dela podemos ordenar, sequenciar, estilizar, formalizar, ou seja, uma parte seletiva focada pelo ponto de vista. Já por isso, todo questionamento é parcial, porque não há ponto de vista que não seja, não por defeito, mas porque nosso olhar é da parte, parcial. Então, quando analisamos a complexidade, interferimos nela, ajeitando-a para caber na formalização abstrata. Sempre podemos alegar que é pouco, é um atalho, uma aproximação tentativa, e que isto não responde pela realidade. De fato, assim parece ser. Nenhuma teoria dá conta de tudo, embora o positivismo assim apregoe, por empáfia supremacista. 

Não é difícil ver o quanto a realidade é complexa, entendendo o complexo como contendo, para além de dimensões materiais, lógicas e formalizáveis, outras marcadas pela contradição, falta de lógica, ambiguidade, indeterminação, subjetivismo, ética etc. Voltando ao tema do trabalho, como Suzman analisa com leveza tocante, é uma dimensão tremendamente complexa humana. Tem sua dimensão quantitativa (40 horas semanais, 8 horas por dia), mas abriga um pano de fundo complexíssimo. Pode ser peça fundamental da autorrealização, como da exclusão (trabalho escravo, infantil, forçado); pode ser estafante e inebriante; pode ser desejo maior de quem precisa ganhar a vida e condenação do salário-mínimo que nunca cobre sequer o mínimo; pode ser proibido para evitar a exploração (no mercado, proíbe-se o trabalho infantil), como pode ser acobertado como estudo, quando estudantes são torturados para aprenderem matemática a qualquer preço; lazer em geral é forma de trabalho, como é escalar montanha difícil, embora mantenhamos a expectativa de que, no fim de semana, não se trabalha; trabalho pode ser bendito e maldito. Para Marx, no capitalismo, em todo trabalho havia exploração, por conta da mais-valia privatizada, também porque via trabalho como categoria maior fundante da sociedade. Mas isto se aplica a quem trabalha “mal” (por salário-mínimo); para quem tem supersalário, trabalhar é a solução para tudo. Poderíamos fazer o mesmo exercício para a felicidade. Tendemos no ocidente, a reduzir para indicadores quantitativos, porque cabem no método e também no materialismo prevalente, mas nenhuma pesquisa mais profunda confirma isso (Graham, 2009): empresários são mais facilmente ricos do que felizes. Para a felicidade contam outros fatores também, talvez muito mais, como a renúncia, a espiritualidade, a cooperação etc. 

Ocorre que, pensando sobre qualquer tema complexo, para entendê-lo precisamos formalizar abstratamente, porque assim o cérebro evolucionário funciona. Este não domina a realidade que é muito maior que ele. Apreende faces operacionalizáveis formalmente, que pode linearizar, sequenciar, ordenar (Foucault, 2000). Ou seja, com todo conhecimento científico que temos, também tecnologias tão altissonantes, sabemos muito pouco da realidade, e seletivamente. Perambula nas ciências naturais que sabemos 4% do universo (Panek, 2011) – os outros 96% são matéria negra ainda desconhecida. É um susto saber tão pouco, e viajar à Lua. Mas é uma condição evolucionária que podemos aprimorar, não extirpar. Não vale, para entender a confusão, fazer um discurso confuso: este não explica nada. E é perturbador que para explicar tenhamos de simplificar, porque somos levados a aceitar que nossas explicações são sempre também deturpantes. Todas as teorias são; por isso todas são aproximativas e precisam sempre ser refeitas (ou até abandonadas). A teoria evolucionária é apenas a melhor hipótese de que dispomos hoje na academia. É, porém, uma hipótese, não um fato final, pois é uma dinâmica tão enormemente complexa, que é tolo supor que uma teoria dê conta por completo. O criacionismo, outra hipótese, mas em geral vista como bem menos pertinente, continua de pé – não é de gente mentecapta, tapada, mas outro ponto de vista, alinhado a um argumento de autoridade (por isso bem menos pertinente). 

“Armar” o estudante mais pobre na escola implica uma pedagogia complexíssima que pede um professor superlativo, capaz de modular desafios tão emaranhados e elusivos. Primeiro, “armar” é metáfora para prover o estudante de meios efetivos emancipatórios, como aprender como autor, saber pensar, organizar-se politicamente, não de armamento bélico. O termo indica que o estudante precisa partir para a luta, saber defender-se, ocupar espaço, pleitear direitos, também impor-se. Segundo, nunca se inclui violência física, porque esta não pode ser formativa. Mas não podemos acobertar que escola é uma arena de intensa violência simbólica, por isso tão disputada. Quando Foucault alega que todo discurso é um dispositivo de poder (2000), inclui o desafio de lidar com a violência simbólica, que aparece na docilização sistemática dos mais pobres, na inferiorização do desempenho, na negação da matemática, na avaliação classificatória. A escola precisa, então, focar as capacidades dos estudantes, colocando-os como os agentes centrais da própria aprendizagem, para a qual docentes e a escola são mediação. Cabe, então, acentuar acesso adequado à educação científica, matemática, redação autoral, contrapropostas, contra-argumentos. No entanto, como se trata de formação, o lado rival não pode predominar; deve predominar o lado cooperativo, o que leva a preferir pedagogias colaborativas, onde o conhecimento disputado é comum. Trabalhar juntos pode aprimorar o desafio associativo, crucial para não esperar do opressor a libertação. 

Será importante, decisivo mesmo, que os estudantes, em suas atividades de aprendizagem (Demo, 2018), ao lado de formular pesquisas questionadoras, também mantenham atuação da práxis em seu ambiente domiciliar, bairro, cidade, para exercitarem e descobrirem que podem ser móvel de mudança. A experiência emancipatória não se exaure no sentimento de autonomia subjetiva individual, mas pede, insistentemente, que se materialize ou incorpore em movimentos sociais, ações coletivas, iniciativa estudantil, propostas próprias concretas etc. Podem aprender também a como evitar a violência física, o confronto áspero ou mesmo fatal, preferindo sempre a força sem força do melhor argumento. Podem aprender a negociar projetos, alternativas, futuros, nos quais possam ser protagonistas rivais e cooperativos. Podem aprender que, não havendo sociedade igual, pode ser igualitária, na qual todos devem caber, iguais e diversos. Podem aprender das teorias, mas estas são instrumentais; a teoria que conta é a deles, que precisa ser aberta, crítica autocrítica, continuar aprendendo e admitindo a divergência como parte do saber pensar e ser inteligente. 

Não teremos a sociedade dos sonhos, nem precisamos a dos pesadelos. A sociedade pode mudar, mas implica tentar mudar, propor mudança, saber pensar mudança, saber entender a sociedade e a natureza como morada comum. Aprende-se que, para mudar com coerência, o primeiro a mudar é quem propõe mudança. Mudar é mudar-se. Esta perspectiva pede outra pedagogia, outro professor, outra escola, ou outra sociedade. Quando propomos algo, não será uma solução definitiva, nem universal, mas uma proposta entre outras, que precisa ser negociada. Só na epistemologia eurocêntrica imagina-se uma proposta definitiva, canônica, insuperável, não porque o seja, mas por enfermidade do supremacismo. Humanos mudaram de modo incrivelmente marcante, se compararmos como era a vida há 1 milhão de anos e como é hoje. Nesta peripécia acentuamos o lado rival, agressivo, destrutivo, porque pretendemos ser superiores, não diversos. O resultado foi uma sociedade muito precária, absurdamente excludente (10% estão incluídos adequadamente) e uma natureza agonizante, porque explorada vilmente. O prospecto para os alunos mais pobres é sombrio, que se desenha no horizonte como ter salário-mínimo totalmente aviltado, ou sobreviver no mercado informal, ou apelar para assistências oficializadas por desemprego. A escola não produz emprego. Não resolve isso. Mas pode propor um estilo de formação que, ao lado de erigir uma cidadania protagonista efetiva, também prepara para o mercado de trabalho, sem subalternizar-se ao neoliberalismo. O que de melhor acontece na escola emancipatória seria “armar-se” para ser protagonista de seu destino. 




CONCLUSÃO




Esta escola emancipatória não existe (ainda) ou existe em aproximações eventuais, nem temos professores formados para isso, já que na pedagogia e licenciatura predomina a deformação acadêmica institucional instrucionista, totalmente ultrapassada. Vige aí o ensino europeu, vituperado por Barthes e Foucault. O discurso emancipatório na escola, sobretudo na pública, é vazio, protocolar, reprodutivo, para mascarar a dureza da condição oprimida dos alunos mais pobres e que são maioria. Não é verdade que a escola pública é abusivamente freireana, sendo urgente retirar Paulo Freire de lá. O discurso freireano aparece na escola pública, é abundante nos PPPs, mas é para inglês ver. Freire, a rigor, nunca morou lá. Querem despejar um inquilino ausente. No entanto, este embate tão inglório (da escola sem partido, só para ser tanto mais partidarista) faz emergir o incômodo comum de que a utilidade prática da escola pública é mínima: nela não se aprende minimamente. Ao contrário, a escola é, bem mais tendencialmente, um dispositivo de poder voltado para estigmatizar os mais pobres, enquanto privilegia os privilegiados. Sabemos disso ad nauseam, mas fazemos de conta que não. Vemos isso tanto na direita que quer sequestrar a escola para o partidarismo mais cruento, quanto na esquerda que fantasia a escola pública como templo da redenção. Nem isto, nem aquilo. 

Sendo terreno tão minado, ideológico até aos ossos, político e politiqueiro, a escola é uma arena de disputa acirrada. O que se espera é que, nesta disputa, não exista apenas um lado vencedor, mas se equilibrem as oportunidades. Privilegiar os desprivilegiados é o desafio mais prático e esperado, embora na contramão ostensiva dos cânones vigentes. Professores bem formados são partidários – têm noção crítica e autocrítica disso – mas não podem ser partidaristas. Enquanto é manipulação tosca imaginar um professor isento de ideologia, só porque é da direita, também é tolo que só uma ideologia vale, sobretudo é preciso afastar os fundamentalismos. A escola não pode ser fundamentalista, porque seria deformativa. Pode, porém, comprometer-se com os estudantes para os tornar protagonistas de seu destino, e que eles decidam o que fazer de suas vidas. Não somos, contudo, redimíveis; somos só evolucionáveis. 




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