Ineficiência do judiciário ou da legislação?
Ineficiência do judiciário ou da legislação?
Nos balanços das instituições financeiras há operações de crédito que são incobráveis. Taxas de crédito superiores a 500% ano em algumas operações para pessoa física, ao que se deve acrescentar o IOF. Incham os balanços e o judiciário, mas com resultados agregados negativos para o sistema financeiro, para os devedores, para o judiciário e para o país.
Alguns poucos tomadores conseguem liquidar esses créditos no curtíssimo prazo. A grande maioria não consegue e tenta crédito em outras instituições criando bolas de neve. Considerando as altas taxas de rolagem dessas dívidas, num primeiro momento inflam os balanços. Para cobrá-las recorrem ao judiciário. Como são dívidas em mais de uma instituição, são vários processos por devedor.
Como os empréstimos são em valores superiores à capacidade de pagamentos dos tomadores muito além da capacidade financeira dos tomadores, é óbvio que as dívidas e os processos vão crescer indefinidamente. São milhões de processos. É óbvio, a intermediação financeira só funciona se tomadores pagam seus empréstimos, assim como, também é óbvio, que empréstimos mal concedidos criam uma dinâmica perversa deve ser superada celeremente.
Uma solução para essa dinâmica foi a lei 14.181/2021, conhecida como a lei do superendividamento, pensada para tirar consumidores da armadilha da dívida. É um redemoinho de dívida crescendo e renda disponível caindo, por conta de empréstimos contraídos para se livrar de dívidas antigas, com juros cada vez mais altos.
Um ônus adicional da armadilha da dívida para os consumidores é ter o CPF negativado, o que dificulta ainda mais o crédito e aumenta os juros aplicáveis. Atualmente, são 72.641.926 cidadãos com nome “sujo”. Um em cada três brasileiros tem dificuldades para todo tipo de operação comercial e financeira e até sofre restrições para alguns empregos. Ficam sem cidadania econômica plena.
A lei alterou o código do consumidor e criou a recuperação judicial para pessoa física. Dessa forma, consegue juntar todas as suas dívidas, com credores diversos, e processos, em uma renegociação coletiva única, com um plano factível de pagamento, de acordo com seus ganhos, organizar sua vida financeira e ter garantida uma renda mínima para despesas básicas.
A armadilha pode ocorrer por fatores imprevistos, como um acidente, doença, desemprego, o comportamento de alguns maus credores e até desconhecimento e irresponsabilidade dos tomadores. Todavia, a dinâmica do setor financeiro agrava o problema e em boa parte das situações de inadimplência, é a responsável por ela. São banqueiros prejudicando banqueiros.
O motivo é que um comportamento, que faz sentido para cada instituição individual, prejudica o conjunto. Ao primeiro sinal de deterioração na solvência de um tomador, deve-se cobrar o que é possível, reduzir seus limites de crédito, elevar as taxas e aumentar as garantias. A prescrição é clara: complicações têm que ser antecipadas e rapidamente enfrentadas.
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Cada instituição individual tenta ser mais rápida que as outras, extrair o máximo possível e minimizar suas perdas, agravando ainda mais a saúde financeira do tomador. Como todos os credores atuam simultaneamente, a qualidade da dívida só piora. À medida em que a dívida é inflada por todos e a capacidade de gerar renda do tomador é diminuída, ela fica impagável e se eterniza.
Todos perdem. A cobrança de dívidas impagáveis é onerosa. São estruturas internas e empresas de cobrança, advogados externos e custas do judiciário que têm que ser remunerados. As negociações são credor a credor. O custo é às vezes maior do que o valor recuperado e a inadimplência é elevada. No último semestre, as perdas de crédito foram superiores ao do lucro do Sistema Financeiro Nacional, R$ 116,7 bilhões e R$ 113,9 bilhões respectivamente.
A negociação em bloco e a maior autonomia para o judiciário determinar uma saída rapidamente deveriam tornar a recuperação de dívidas mais certa e mais simples. Ganham os bancos com soluções mais rápidas e mais baratas, ganham os devedores saindo da armadilha da dívida e ganha o Brasil com crédito mais responsável. Todos deveriam querer a aplicação efetiva da lei.
Mas para isso, credores precisariam deixar de buscar a cobrança individual no processo e entendê-lo como o processo de arrecadação coletivo que ele é. Tivesse o devedor condições de negociar e pagar individualmente cada credor, não estaria superendividado. O bolo é pequeno para tantas grossas fatias. É necessário enxergar as dívidas como um todo. E isso não é o que se tem visto nos processos. Alguns têm centenas de páginas e aumentam desnecessariamente o trabalho do judiciário, diminuindo sua eficiência.
As propostas de acordo trazidas pelos credores são poucas e impossíveis de serem quitadas pelo devedor considerando sua renda e o total de seus débitos. Ele conseguiria pagar um, mas não todos os credores e não se pode esquecer que muitos lhe deram crédito sabedores das dívidas anteriores.
A lei acaba sendo maravilhosa. Mas apenas no papel. Tem que ser regulamentada adequadamente. Fixar um mínimo existencial razoável. Foi fixado em R$ 600 pelo Decreto Presidencial 11.567/2023, um valor abaixo da linha da pobreza. Foi uma maneira de fazer com que a lei “não pegue”.
Há ainda outro senão. É a não inclusão de dívidas fiscais nas renegociações. O governo em vez de ajudar na volta à cidadania econômica dos presos na armadilha se torna um peso a mais. São princípios constitucionais a função social da propriedade e a defesa do consumidor. Arrecadar até o último centavo, corrigir as dívidas pela Selic e ter prioridade na arrecadação não são.
O governo em vez de ser parte da solução, é parte importante do problema, na lei do superendividamento e na omissão em atualizar a política de crédito. Mudar é importante e só depende do poder executivo. Melhoraria a qualidade das dívidas para banqueiros e para consumidores. Ganham os bancos, ganham os consumidores e ganha o Brasil.
É isso
Presidente do Conselho Regional de Economia (CORECON-SP) | Economista | Perito em Economia e Finanças | Especialista em Reestruturação de Empresas | Negociador com Credores e Devedores | Instrutor | Palestrante
1 semRoberto Luis Troster , a inadimplência já está na conta dos juros. Aliás, mais inadimplência estimada do que a real. Em parcelas atrasadas há mais de 90 dias, há 3% do total de crédito para pessoas jurídicas e 4% para o total de crédito para pessoa jurídica. Só que essas parcelas fazem parte de um mútuo maior e suas parcelas vincendas. O problema começa agora. Para cobrar, as instituições financeiras antecipam todas as parcelas futuras e aífica impossível o devedor pagar. Até para dar maior responsabilidade na concessão de crédito, deveria ser possível cobrar apenas as parcelas vencidas na data do zjuizamenyo, acrescidas das que fossem vencendo no decorrer do processo - como é na cobrança de condomínio, aluguel, etc. Aí seria mais fácil haver conciliação judicial, talvez para postergar as parcelas vencidas, desde que as demais fossem sendo quitadas em dia.
Presidente na JR Connection Serviço de Cobranças
2 semA hora que comecsm a fazer as leis, ambos