Inovação: Paradigma e Trajetória Tecnol
A indústria brasileira encerrou o ano de 2019 com queda na produção industrial de 1,1% segundo o IBGE (2019), apresentando também segundo o Instituto queda na participação no PIB do país neste mesmo ano. O grande agravante frente à queda da participação da indústria no PIB, é esse nível ser baixo no estágio de desenvolvimento que o Brasil ainda se encontra. Países que já atingiram nível de renda muito elevado, como Estados Unidos, eles apresentam uma participação no PIB semelhantes com o que o Brasil tem atualmente, o que gira em torno de 11% do PIB, entretanto, esses países já se desenvolveram, o que leva a grande questão brasileira que foi ter iniciado um processo de desindustrialização antes de ter se desenvolvido. Ao passo que na ausência de uma indústria desenvolvida, ela não traz tecnologia, inovação, emprego de alta qualidade, que são consequências que são aproveitadas na própria indústria, mas também em outros setores da economia.
O país apresentava outra perspectiva de desenvolvimento e crescimento industrial na metade do século XX, isso em decorrência do fato de que se desenvolver a indústria nos seus estágios iniciais, no início do seu processo de industrialização é mais facilmente alcançado, porque se consegue importar tecnologia, “copiar” o que esta sendo feito em outros países, e quando se parte de uma base muito baixa (começando o desenvolvimento da indústria) a tendência é que ela cresça em um ritmo mais alto nos anos iniciais. Nesse período ainda o Brasil apresentou políticas industriais e de desenvolvimento muito focadas em desenvolver as indústrias de base, tendo seu ápice em meados da década de 80 quando a indústria atingiu uma participação equivalente a cerca de 27% do PIB, desde então o Brasil vem perdendo ritmo, o que pode ser interpretado como um processo econômico normal, pois os países a medida que se tornam mais avançados a indústria cede espaço, por exemplo, para o setor de serviços, o grande problema é que esse processo no Brasil foi rápido e continua sendo muito rápido.
Esse fenômeno da precoce desindustrialização brasileira pode ser entendido através das políticas industriais e desenvolvimento, que não apresentam até então uma alta eficácia em decorrência, acredita-se, do contexto econômico no qual o país por muitas vezes se encontrou, como por exemplo, períodos de hiperinflação, problemas de endividamento, muitos momentos da história econômica brasileira das ultimas décadas é tentando lidar com crises emergenciais e isso acabou tirando o foco de políticas que estimulassem a Inovação e o desenvolvimento tecnológico. Os ciclos de desenvolvimento tecnológico ocorrem em decorrência de consecutivas substituições de paradigmas tecnológicos, por exemplo, a eletricidade, a máquina a vapor, a microeletrônica, que são interpretados como fatores-chaves presentes tanto nas mudanças econômicas e também nas tecnológicas (Tigre, 2006; Conceição, 2012).
De forma abrangente, o paradigma tecnológico, segundo Dosi (2006), pode de forma analógica ser comparado ao paradigma científico de Thomas Kunh (1995). Assim, entende-se como paradigma tecnológico “[...] um modelo e um padrão de solução de problemas tecnológicos selecionados, baseados em princípios selecionados, derivados das ciências naturais, e em tecnologias materiais selecionadas” (Dosi 2006, pág. 41). Sendo assim, entende-se que o paradigma tecnológico é responsável por guiar as trajetórias tecnológicas e o progresso técnico, sendo incumbido ainda de determinar quais serão as oportunidades buscadas e também as que não mais serão perseguidas, determinando assim as oportunidades tecnológicas para as inovações subsequentes, não somente pontuando, mas também estabelecendo o processo que deve ser seguido para que essas oportunidades possam ser exploradas. Desta maneira, a resolução dos problemas tecnológicos na essência organizacional das firmas ocorre por prescrições habituais que levam à concentração de esforços em um conjunto de soluções possíveis. Apesar dos múltiplos comportamentos dos agentes econômicos e da diversidade nos processos de pesquisa, aprendizado, experiência e competição nos mercados, bem como “estruturas do conhecimento e formas em que o conhecimento tecnológico é acumulado” (Dosi & Nelson 2009, pág. 14).
Segundo Conceição (2012), o surgimento de novos padrões se relaciona a mudanças externas, ao passo que entende o progresso técnico relacionado às mudanças endógenas, ao longo das trajetórias que esse paradigma define. Bezerra (2006) vê o surgir de outro paradigma tecnológico como passível de ocorrer quando os custos para explorar as oportunidades se elevam dado esse momento, o progresso tecnológico irá ser encarregado de determinar o surgimento de um novo paradigma.
As incertezas estão presentes na tomada de decisão dentro do grupo de paradigmas tecnológicos existentes, e não somente os objetivos concretos. Isso decorre do fato de que os resultados das atividades inovadoras não conseguem ser antecipadamente conhecidas. De acordo com Dosi (2006), pontua três elementos fundamentais que se toma em consideração para um novo paradigma tecnológico, sendo elas os fatores sociais, fatores institucionais e as forças econômicas.
Em um processo de seleção de um novo paradigma tecnológico, um primeiro nível de seleção ocorre na forma de questões bastante ampla. Do inicio ä produção, os critérios de seleção dentro desse processo vai aumentando, ou seja, a seleção irá ocorrer em cada grau desse processo. O fator econômico ao longo do caminho (também funcionando como “seletor”), estabelecendo a forma real que será assumida pelo paradigma, isso dentro de um grupo de trajetórias tecnológicas possíveis. Ainda segundo Dosi (2006), há outros fatores que influenciam o processo de seleção de um novo paradigma tecnológico: “(I)... os interesses econômicos das organizações envolvidas em P&D nessas novas áreas tecnológicas; (ii) a história tecnológica das mesmas, seus campos de especialização, etc.; e (iii) variáveis institucionais stricto sensu, como as de órgão públicos, do setor militar, etc.” (Dosi 2006, pág. 48).
A formulação dos conceitos de “paradigma tecnológico” e “trajetória tecnológica”, e a especificação das características que os definem, constituem na verdade um poderoso modelo, a partir da qual Dosi (2006) procura explicar os complexos mecanismos e fatores – econômicos, institucionais e sociais – por meio dos quais novos conhecimentos científicos tendem a ser introduzidos no sistema produtivo e, combinados a outros tipos de conhecimento, resultar (ou não) no surgimento de tecnologias radicalmente novas.
Uma trajetória tecnológica refere-se “[...] a atividade normal de resolução de problemas determinada por um paradigma” (Dosi 2006, pág. 45). Para Bezerra (2011), refere-se ao modo de formular e solucionar os problemas tecnoeconômicos existentes dentro do paradigma tecnológico. Desta maneira, uma trajetória tecnológica consiste em um grupo de direções tecnológicas possíveis, cujos limites exteriores são definidos pela natureza do próprio paradigma, sendo, por isso, comparado a um cilindro em um espaço multidimensional. Ou seja, trata-se de uma trajetória dependente das ações e decisões tomadas no passado, por essa razão é fundamental entender os movimentos e as ações dos agentes que interferem no processo de inovação e, consequentemente, podem interferir nos rumos da trajetória de uma tecnologia, ou de um setor. De acordo com o autor, a trajetória tecnológica é dependente de forças econômicas associadas a fatores institucionais e sociais, os quais acabam influenciando nas decisões dos administradores e, portanto, na direção da trajetória tecnológica (Dosi, 2006).
Assim, e de acordo com Dosi (2006), a trajetória tecnológica reflete a evolução de um conjunto de inovações baseadas em um determinado paradigma tecnológico. Quando o paradigma é alcançado, as inovações posteriores são consideradas evolucionárias a partir desse ponto de vista e tendem a modificar passo a passo o “design” dominante daquele paradigma, isso porque fornecem mais bem elaboradas e próximas a realidade às perguntas com origem no paradigma já existente, ao invés de buscar soluções completamente diferentes. Acredita-se que seja neste momento, quando se pode afirmar que a nova forma de ver as coisas e a forma de resolver os problemas institucionalizou-se, virou assim o paradigma dominante.
Embora utilize outras palavras, Freeman (1991) tem um posicionamento a respeito da questão que se assemelha em muito ao de Dosi (1982). Segundo Freeman (1991), as possibilidades técnicas são geradas em um ambiente social em que ocorre a interação de necessidades humanas, fatores econômicos e dinâmicos do sistema científico e tecnológico. Para o autor, esse ambiente social pode incentivar ou inibir a difusão de técnicas, selecionando-as em diversos níveis através da definição de algo que é cientificamente concebível, tecnicamente viável, economicamente lucrativo e socialmente aceitável. Percebe-se nas definições dos dois autores que a definição da trajetória tecnológica acaba sendo o resultado de um trade off de variáveis consideradas relevantes no âmbito do paradigma e que por trás do mesmo está sempre envolvida uma certa decisão. É esta decisão que acabará, segundo Dosi (1982) e Freeman (1991), definindo os rumos da trajetória.
Essas mudanças ocorridas no ventre da vida econômica e que são fruto das novas combinações – que Schumpeter (1997) atribui cinco tipos – produzem o processo chamado por ele de destruição criadora ou destruição criativa. Trata-se de um processo de “[...] mutação industrial que revoluciona incessantemente a estrutura econômica a partir de dentro, destruindo incessantemente o antigo e criando elementos novos” (Schumpeter 1934, pág. 110). Schumpeter (1997) em sua Teoria do Desenvolvimento Econômico publicada em 1911 atribui ao empresário (empreendedor) o título de agente principal do desenvolvimento econômico capitalista. Porém, em seu livro Capitalismo, Socialismo e Democracia, publicado em 1934, essa prerrogativa recai não mais ao empresário, e sim as inovações:
“O impulso fundamental que põe e mantém em funcionamento a máquina capitalista procede dos novos bens de consumo, dos novos métodos de produção ou transporte, dos novos mercados e das novas formas de organização industrial criadas pela empresa capitalista” (Schumpeter 1961, pág. 110).
Para Schumpeter (1961, pág. 110), “este processo de destruição criadora é básico para se entender o capitalismo. É dele que se constitui o capitalismo e a ele deve se adaptar toda a empresa capitalista para sobreviver”. Com o advento das inovações e das tempestades de destruição criadora, a concorrência passa a não ser apenas via preços, mas, sobretudo, a vias de ordem qualitativas, representadas por “novas mercadorias, novas técnicas, novas fontes de suprimentos, novo tipo de organização. [...] tal tipo de concorrência é muito mais eficaz do que o outro.” (Schumpeter 1961, pág. 112). Além disso, conforme aponta Schumpeter (1961, pág. 134) “[...] a concorrência perfeita desaparece, e sempre desapareceu, em todos os casos em que surge qualquer inovação”. Portanto, a empresa monopolista adquire especial atenção de Schumpeter (1961) no processo de desenvolvimento econômico. Ao analisar com maiores detalhes onde ocorre o maior progresso, ele conclui que “[...] a pista não nos conduz às portas das firmas que funcionam em condições de concorrência comparativamente livre, mas exatamente aos portões das grandes empresas [...]” (Schumpeter 1961, pág. 112). A firma atuante no sistema de concorrência perfeita é, em diversos casos, inferior em eficiência interna – principalmente tecnológica – em relação às grandes empresas. Assim sendo, reside na grande empresa – ou nas empresas monopolistas – uma maior probabilidade de surgirem às inovações tecnológicas. Essas empresas, conforme Schumpeter (1961, pág. 130):
“Não surgem apenas no processo da destruição criadora e funcionam de maneira inteiramente diferente do esquema estático, mas, em numerosos casos de importância decisiva, proporcionam a forma necessária para a obtenção do êxito. Criam a maior parte daquilo que exploram. Daí a conclusão habitual de que a influência que exercem, sobre a produção em longo prazo carece de valor.” Schumpeter (1961, pág. 130).
Isso em decorrência do fato de que o monopolista dispõe de métodos superiores aos demais métodos existentes nos pequenos empreendimentos, permitindo a grande empresa vantagens em suas políticas de P&D. E não apenas isso, o monopolista possui também privilégios de ordem financeira e de fornecimento, além de acesso a preços mais competitivos do ponto de vista de seus insumos. Igualmente, no que se refere ao desenvolvimento tecnológico, à empresa monopolista “[...] pode alargar a esfera de influência dos cérebros privilegiados [...]” (Schumpeter 1961, pág. 130) ou obter melhores sistemas ou equipamentos de pesquisa e desenvolvimento, obtendo, assim, vantagens que podem não estar acessíveis aos pequenos empreendimentos. Por fim, Schumpeter (1961, pág. 136) conclui que “[...] devemos reconhecer que a grande empresa transformou-se no mais poderoso motor desse progresso e, em particular, da expansão em longo prazo da produção total”.