A Liberdade Velada das Mulheres Empreendedoras
“Querer ser livre é também querer livres os outros.” (Simone de Beauvoir)
Recentemente fui convidada para participar como oradora do evento “As Vozes do Empreendedorismo Feminino”, o maior evento de empreendedorismo feminino em Portugal, que irá acontecer nos dias 18, 19 e 20 de maio de 2023, no Templo da Poesia, em Oeiras.
Este evento é promovido por um projeto muito inspirador, chamado Mulheres à Obra, que tem tido um grande impacto na consciencialização da população para temas que ainda enfrentam muitos desafios e obstáculos, tal como o “empreendedorismo feminino”.
Confesso que ao ser convidada para este evento, comecei a refletir sobre algumas questões, como a minha atual condição, já que sou mulher, empreendedora, e “livre”.
Para começar, fui tentar compreender melhor o significado e a origem da palavra “liberdade”, mas já fiquei incomodada com o resultado da primeira pesquisa: “Do latim libertas, -atis, de liber, “homem livre” por oposição ao escravo.”
Ao procurar em outros lugares, entendi que este termo teve mesmo a sua origem no Latim “libertas”, que significa “estado ou condição de ser livre”. E, “Libertas”, por sua vez, é derivada do verbo “liberare”, que significa “libertar, soltar, livrar”.
Importa referir que quando este termo foi criado e passou a ser utilizado, essa mesma “liberdade” era somente útil no mundo masculino, numa sociedade patriarcal, machista e misógina, dado que, na altura, as mulheres tinham vozes, mas não tinham a permissão para usá-las.
E, infelizmente, esse ranço histórico ainda nos persegue…
“A história mostrou-nos que os homens sempre detiveram todos os poderes concretos; desde os primeiros tempos do patriarcado, julgaram útil manter a mulher em estado de dependência; seus códigos estabeleceram-se contra ela; e assim foi que ela se constituiu concretamente como Outro. Esta condição servia os interesses dos homens, mas convinha também a suas pretensões ontológicas e morais.”
(Trecho do livro O Segundo Sexo (Vol. 1), de Simone de Beauvais, 1949)
Sabemos que atualmente as mulheres tem vindo a conquistar, cada vez mais, um espaço no mundo dos negócios, destacando-se em diversas áreas e assumindo papéis importantes em empresas de pequeno, médio e grande porte.
Porém, mesmo com todo esse “avanço”, precisamos falar desta liberdade velada das mulheres empreendedoras, que ainda está encoberta por um véu invisível e que nos leva a enfrentar diversos obstáculos e preconceitos diariamente, que não são enfrentados pelos homens.
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Essa liberdade oculta é consequência de uma sociedade ainda apoiada em estereótipos de género e preconceitos enraizados que, muitas vezes, influenciam a forma como nós mulheres somos vistas no ambiente empresarial.
Como mulher empreendedora, posso afirmar que muitas vezes na minha vida, tive que lidar com a falta de oportunidade, os comentários e críticas sobre a minha aparência, comportamento e escolhas pessoais, enquanto os meus colegas do sexo masculino eram avaliados apenas pelo seu desempenho profissional.
Além disso, as mulheres empreendedoras também precisam lidar com dificuldades práticas, como a falta de investimento e o acesso a capital que, muitas vezes, são-lhes negados devido a estes preconceitos inconscientes e à falta de confiança na capacidade de liderança e gestão.
Diante desse cenário, é importante que sejam tomadas medidas para garantir a nossa verdadeira liberdade, aquela que nos permita desenvolver todo o nosso potencial sem sermos limitadas por pré-conceitos e obstáculos impostos pela sociedade.
Isso inclui políticas de incentivo ao empreendedorismo feminino, investimentos em capacitação e treinamento, além da criação de redes de apoio que ajudem as mulheres a se conectar e trocar experiências com outras empreendedoras.
De acordo com um artigo recente da Eco Sapo “O que querem as empreendedoras? Fundos específicos e mais mulheres a decidir investimento” (8 de março de 2023), o setor empreendedor “É um setor que tem um problema de diversidade e representatividade de mulheres, o que se reflete na captação de investimento.”
“Os números são claros e reveladores do longo caminho que o empreendedorismo feminino tem pela frente: 90 mil milhões de dólares foram injetados no ecossistema de startups europeu no ano passado e apenas 12,7 mil milhões foram investidos em startups fundadas por mulheres.”
Neste mesmo artigo, Karly Alves Ribeiro, Cofundadora da sheerMe aponta que:
“Os fundos poderiam ajudar a criar medidas e incentivos que visem reduzir as disparidades de género, tais como a promoção da igualdade salarial e a melhoria do equilíbrio entre a vida profissional e pessoal, poderiam ajudar a aumentar a confiança das mulheres empreendedoras e a incentivá-las a começar suas próprias startups.”
Ao olhar estes dados, fica claro que ainda temos um longo e sinuoso caminho a percorrer para que a liberdade das mulheres empreendedoras seja plenamente reconhecida e valorizada na nossa sociedade.
E, para construir uma sociedade verdadeiramente justa e igualitária, onde o sucesso profissional seja determinado apenas pela competência e dedicação das pessoas, e não pelo género, acredito que a nossa verdadeira revolução deve ser feita não somente com cravos, mas também com rosas…
Autora: Mariana Pinto e Costa