Lindbergh, Caiado, impeachment e uma discussão sobre atraso e modernidade
Em 1992, ao som de Alegria, Alegria, de Caetano Veloso, que tinha servido de trilha sonora da minissérie Anos Rebeldes, o jovem presidente da UNE Lindbergh Farias puxava o coro de “Fora, Collor”, para destronar o primeiro presidente da República envolvido em corrupção.
Todo mundo sabe que, se o Congresso tirar a posição de não aprovar o pedido de impeachment, está colocando o país num grande impasse, porque o presidente Collor não está em condições de representar o país nem fora e nem no Brasil. E vai provar para a população brasileira que o fisiologismo, que a política do é dando que se recebe e do esquadrão da morte foi (sic) o vencedor.
Do outro lado, o então ruralista da elite agrária de Goiás, Ronaldo Caiado, fazia uma profissão de fé na democracia e chamava o impeachment de golpe de quem havia perdido a eleição. Entre os poucos que tiveram coragem de votar a favor de Collor no processo de admissibilidade na Câmara dos Deputados, disse em alto e bom som:
Cada cidadão simples lá do interior sabe muito bem que há uma montagem, uma farsa que não convence ninguém. Isso nada mais é do que um golpe pela tomada ao poder, que parte de quem não teve competência para ganhar na urna e não se curvou diante da decisão maior em 1989.
Vinte e quatro anos depois, algumas eleições e escândalos no meio, alguns quilos e cabelos brancos a mais, os dois defendem o contrário. Com palavras muito semelhantes às que usaram lá atrás.
Democracia versus golpe
Na linha de frente da banda barulhenta de cinco senadores dispostos a tumultuar o processo na comissão de impeachment do Senado que vai defenestrar a presidente envolvida em denúncias de malversação dos recursos públicos, Lindbergh fala em… democracia e golpe de quem perdeu a eleição.
Ronaldo Caiado é a voz mais concatenada, contundente e respeitada contra a manipulação do governo e de seus aliados para desmoralizar como golpe o que é um processo legal dentro dos trâmites e fingir que se trata apenas de manobra fiscal o que na verdade é causa e reflexo de toda a degradação econômica, política e moral do país.
Nem é preciso se aprofundar na diferença de posicionamento em relação às denúncias de corrupção para delimitar a diferença entre dois rebentos opostos de nossa evolução ou involução política.
Para azar de Lindbergh, mesmo relevando sua desconfortável omissão em relação aos envolvimentos do governo com essas denúncias, a comparação em perspectiva lhe é ingrata.
Aquele pecuarista primitivo que mandava esquerdistas plantar cana em Cuba amadureceu. Em seu benefício, se diga que manteve e aprimorou o cerne de seus princípios de defesa da livre iniciativa, da liberdade econômica e de pensamento.
Já aquele menino de cara pintada, sem vínculo com nenhuma oligarquia, que acreditava mudar o mundo com a inocência dos jovens de sua idade, recuou em suas crenças de liberdade e se aliou com o tempo a crenças que tinham sido desmoralizadas pela queda do muro de Berlim, em 1989: intervenção estatal, protagonismo do governo na economia e controle dos meios de comunicação.
Seu artigo de setembro último para a revista de esquerda Carta Capital — “A velha e amarga receita tucana”— é um delírio estudantil em defesa da salvação do país pelo que o quebrou — a ampliação da já exagerada da presença do Estado na economia — e combate ao que poderia ter sido sua salvação — a racionalização da máquina pública que Lindbergh chama no artigo de adesão a “teses tucanas”.
Populismo versus liberalismo
Sua profissão de fé no passado é um aprendizado interessante sobre atraso e modernidade e um bom indicador de nossas perspectivas.
Com ele, pode estar morrendo a ideia de que não é uma meia dúzia de chavões em defesa dos mais pobres que faz um jovem moderninho. E nem a defesa de respeito à lei e aos postulados clássicos da organização social que escolhemos faz um velho atrasado, insensível ou explorador de pobre.
Transpondo para a geopolítica, morre a tese do populismo dirigista que vinha quebrando os maiores países da América Latina — Argentina, Peru, Venezuela — e renasce a da liberdade de iniciativa com racionalidade administrativa que, como a democracia, é o pior regime que existe, mas ainda não inventaram melhor.
Mais textos em www.ramirobatista.com.br
(Fotos Jefferson Rudy e Moreira Mariz / Agência Senado)