Mártires
Milhares, a maioria do género feminino torturadas e condenadas à morte pelo fogo, acusadas de bruxaria e heresia, durante a inquisição, um período de perseguição religiosa ocorrido na Europa e América, Séc. XV a XVIII. Praticavam magia negra, faziam pactos com o diabo e possuíam habilidades sobrenaturais. Como chegavam a essa conclusão é néscio. Na lista a candidata a bruxa, constava: exibir comportamentos considerados anormais; ser pagã, entre outros. Joana D`Arc é um belo e infeliz exemplo de heroína francesa, analfabeta e mártir, acusada de heresia. Foi leal a duas causas, o Espírito Santo e França, e pela última, depois de atingidos os fins, foi traída. Contudo, bastava às aclamadas insurretas usarem remédios naturais à base de plantas medicinais, práticas de cura ou manutenção de animais de estimação, os inocentes gatos pretos, para as acusarem de bruxaria. Muitas acusações eram baseadas em boatos, rivalidades pessoais, preconceitos religiosos ou a busca de confissões por meio da tortura. Uma dessas práticas consistia em levar a mulher a um riacho, anexar-lhe uma pedra bem pesada: se flutuasse, era bruxa e, como tal, condenada, se afundasse, morria e era considerada inocente. Essas vítimas eram: mulheres muito belas, muitas de cabelo ruivo; detentoras de inteligência acima da média; dançavam entre elas; outras comemoravam datas alusivas aos Sabbats, isto é à vida à natureza, à época das colheitas; as viúvas; as que se recusavam a casar ou ter filhos, em suma, suscitavam ciumeira, logo, fogueira com elas! As acusações não tinham qualquer fundamento lógico ou científico e interligava-se com a dominação dos hipócritas. A verdade é que eram como bodes expiatórios para crises sociais, naturais ou económicas, a misoginia e os estereótipos negativos em relação às mulheres eram fundamentais. Mas continuam a ser: a mulher frágil; a mulher objeto; a submissa; a histérica; a multifacetada. Modelos deformados que prejudicam e não refletem a pluralidade das habilidades ou limites, sentimentos e ambições. Mulheres destas são um perigo para o conforto e liberdade de que goza o patriarcado. Este passado teve um impacto profundo na relação entre as mulheres, algumas são demasiado céticas e críticas, desconfiadas umas das outras. Desta desunião, desta falta de sororidade, talvez, não tenhamos ainda mais mulheres em esferas de influência profunda, para o bem-estar global. Por vezes, tenho mesmo pena, mas também orgulho das nossas políticas portuguesas. Quanta coragem albergam, quantos títulos bombásticos e humilhantes aguentam. É de dar medo e assusta potenciais adeptas! A forma como a elas se dirigem é grosseira, relembro, por exemplo, o caso “Batom Vermelho” nos lábios da candidata às presidenciais, Marisa Matias — socióloga, política, eurodeputada —, muito criticada por um determinado indivíduo, da direita mais à direita, só por usar esta cor viva. É caso para dizer: «Já chega disto.» Marisa foi a mulher mais votada de sempre, suplantada, apenas por Ana Gomes, jurista, antiga diplomata e política. Tal demonstra um avanço, ainda a passos de tartaruga, do progresso a favor da igualdade. Continuemos. Quantas de nós não desejariam ajudar mais? Gostaria de viver esse momento, no qual uma ou muitas chegariam aos pináculos. A perfeição que exigimos umas às outras e que se exige às mulheres é, em si, uma violência. Com frequência apelidadas de agressivas, quando assertivas; mandonas enquanto líderes capazes; difíceis porque honestas; exageradas por tomarmos espaço; estranhas por perguntas-chave. Obrigar a mulher a diminuir-se é uma violência. O martírio não ficou no passado. Registo alguns dos mais célebres: (1945) Anne Frank, assassinada por ser judia; (2012) Malala Yosafzai, paquistanesa baleada por talibãs, culpa: querer estudar; (1955) Rosa Parks, afro americana, culpa: recusou-se a dar o seu lugar do autocarro a um homem branco, sofrendo graves ameaças; (2012) Jyoti Singh Pandey, estudante indiana violada num autocarro por um grupo de homens; (2010) Bibi Aisha, afegã, castigada por protestar, vendida aos 12 anos para casar, consequência: rosto desfigurado pelo marido, nariz e orelhas cortados e tantas, tantas mais...
Enquanto não existirem mudanças claras nas esferas de maior poder e influência, não chegamos a um equilíbrio mundial. Paira sobre nós uma sombra bélica, massivamente mortal, promotora das armas em vez de soluções; países enriquecem à custa do genocídio de outros quando ainda nem sequer sabemos resolver um sistema de saúde complexo e inoperante; permitir que a educação chegue a todos, promover a integração dos migrantes, proteger as vítimas de violência doméstica. Sabem que mais, #makeartnotwar e deixem as mulheres em paz.
- Artigo de opinião, designer de comunicação, Lídia Meneses, pela Campanha 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência Contra as Mulheres. Ativismo na Imprensa, Umar Açores