Medo de ficar de fora
Lembro-me de quando a máquina de fotografia digital foi introduzida entre meus amigos e familiares. Saímos de uma era onde minha mãe confiava cegamente em um filme de 36 poses e uma câmera fotográfica de marca duvidosa para registrar as memórias de um momento super importante da nossa vida, como um aniversário ou reunião de Natal. Sem falar naqueles álbuns gigantes que as fotos eram expostas e armazenadas, pura nostalgia.
Em contraste, fomos direto para um dispositivo com infinitas possibilidades e poses, onde toda aquela tensão e suspense de descobrir como as fotos ficariam duas semanas depois, e reativar todas as nossas memórias boas daquele dia, eram inexistentes. Tirar fotos hoje em dia e mostrar para os amigos se transformou em algo tão fútil e banal, que não temos mais aquela emoção atrelada com a possibilidade de queimar o filme e termos que nos contentar com a única lembrança disponível daquele momento, a nossa memória.
Sei que as redes sociais exercem um papel extremamente importante na nossa vida, pois através delas podemos nos sentir próximos de quem amamos. Elas quebraram as barreiras geográficas, podemos facilmente compartilhar conteúdos e experiências com todos os nossos amigos com apenas alguns cliques. E sem falar que hoje o acesso a notícias e informações nunca esteve tão fácil. Mas devemos primeiramente reconhecer quando um ato tão simples de acessar uma rede social pode estar aos poucos trazendo consequências negativas para nossas vidas, estando no nosso caminho atrapalhando nossas vidas de forma sutil.
Em todos os meus exemplos de planejamento, hábitos, disciplina e comportamento, eu dou a referência de como eu reduzi ou eliminei 100% das redes sociais em minha rotina. Digo isso pois o consumo de redes sociais pode ser um assunto complexo, mas para a minha vida, eu consigo relacionar todas as minhas conquistas diretamente com a exclusão quase que completa do consumo delas. Claro, não podemos dizer que isso é uma receita que serve para todos, ou seja, não que você vai eliminar esse consumo e a sua vida vai melhorar da noite para o dia. Entretanto, vou explicar o porquê pode estar relacionado com o sucesso ou não de você atingir suas metas pessoais e profissionais.
Primeiro, é importante falar dos fatores psicológicos. Dentre todos eles, eu vou destacar os três que acho mais importantes:
Autocontrole: A rede social é um ambiente altamente estimulante, e o seu consumo está ligado diretamente com a liberação da dopamina no córtex pré-frontal, uma região do cérebro que tem um papel extremamente importante para a motivação e controle dos nossos comportamentos, aprendizados e prazeres.
Recompensa variável: As redes sociais utilizam essa técnica de mostrar conteúdo que estamos extremamente interessados, e também às vezes, nos mostram conteúdo que não tem nada a ver com nossos interesses. Isso cria um senso de antecipação e incerteza, que nos fazem sempre voltar para mais.
FOMO (Fear of missing out) ou “Medo de ficar de fora”: Como sabemos, as pessoas estão sempre compartilhando o que elas estão fazendo nas suas vidas, como comendo, viajando, se divertindo. E ao vermos esses conteúdos de amigos, familiares ou até mesmo influenciadores, nos fazem ter o sentimento de que estamos ficando para trás ou perdendo algo, e nos encoraja a usar mais e mais.
E por outro lado, as consequências negativas que estão relacionadas a esse consumo:
Falta de foco: Por conta do “fácil” acesso à dopamina, estamos sempre com a atenção voltada ao que poderíamos estar perdendo se não estamos acessando ou participando, e como consequência não conseguimos focar em realizar qualquer atividade, seja trabalho, estudos ou até mesmo relacionamentos.
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Ansiedade: Inconscientemente estamos sempre nos comparando com tudo que está nas redes sociais, trazendo insegurança em todos os nossos comportamentos e sempre nos questionando se estamos preparados ou adequados para realizar qualquer coisa em nossas vidas.
Qualidade do sono: As telas dos nossos smartphones emitem a famosa “luz azul”, e essa luz reduz a produção de melatonina, que é o hormônio que ajuda a regular o nosso sono. O acesso aos nossos aparelhos antes de dormir está influenciando diretamente essa produção, e consequentemente, uma noite péssima de sono.
E para finalizar, eu vou listar os principais benefícios que eu experimentei na minha vida após cortar significativamente o consumo de redes sociais:
Controle do comportamento impulsivo: Como eu cortei o acesso à “fácil” de dopamina, eu fortaleci meu córtex pré-frontal e hoje tenho a capacidade de controlar com facilidade toda a tomada de decisão precipitada. Consigo pensar com calma e antecipadamente em todos os possíveis riscos relacionados a elas, como por exemplo: Assistir um episódio daquela série, ou dormir cedo.
Foco: Multitarefa é uma prática muito comum na nossa vida moderna, mas se você não sabe, isso não é mais visto como algo positivo. Ao alternarmos entre atividades, nosso cérebro gasta muita energia para se adaptar de uma tarefa à outra. Com o corte das redes sociais, a minha capacidade de concentração em tarefas específicas cresceu significativamente. Hoje, eu estabeleço momentos de estudo e trabalho, e consigo mensurar duas vezes mais produtividade, resultando na finalização de tarefas complexas em menor tempo.
Eu vou bater mais uma vez na tecla de que pequenas coisas que nos parecem inofensivas exercem um papel fundamental na nossa evolução. Como um acesso inofensivo a uma rede social, pode nos tirar do foco, atrapalhar nossa tomada de decisões e acabar com o nosso sono. E como com pequenas mudanças, você pode voltar a ter controle dos seus impulsos e ter foco para seguir aquele plano que pode mudar sua vida.
“Uma sociedade onde a maioria das pessoas são narcisistas, distraídas, confusas sobre a realidade, não sabendo o que mais é verdade ou mentira, dividida e que não conseguem concordar com nada, conduz para uma sociedade que é fácil de se lucrar em cima, bem como uma sociedade não conseguem resolver os próprios problemas.” — Tristan Harris
Referências:
“Deep Work, So Good They Can’t Ignore You” by Cal Newport
“Digital Minimalism: Choosing a Focused Life in a Noisy World” by Cal Newport
Artigos publicado: Nature Neuroscience 2018 e Addiction 2019