Mentira: Eu não me formei em psicologia.

Mentira: Eu não me formei em psicologia.


Embora esse e o curso de jornalismo tenham sempre disputado uma vaga em meu coração, na hora de fazer minha escolha, me direcionei muito menos para o lado dos sonhos e muito mais para o ponto de vista prático: fazer um curso que pudesse ser realizado no período noturno, coubesse no orçamento e que abrisse boas oportunidades em sua conclusão. Como a questão orçamentária era bem relevante, me deparei com as opções de administração e pedagogia, e fiz a escolha pela primeira.

E talvez isso soe pouco inspirador. Mas essa prática também trouxe os seus aprendizados. Afinal, aprendi muito cedo que, quando não dá para fazer o que ama, é preciso aprender a amar o que se faz. É um clichê? É um clichê. É verdade? Pra mim, sim!

E eu me entreguei em minha graduação. Me dedicava, caprichava nos trabalhos, estava sempre envolvida nas atividades extras que apareciam, fui líder de turma em pelo menos metade do curso e, quando deixei esse posto, assumi o de “gerente de atividades complementares”, que era basicamente organizar as atividades que garantiriam a obtenção das “horas de atividades complementares” da turma.

Nesse projeto, estive à frente da organização de seminários, palestras e excursões.

A graduação foi um período intenso da minha vida. Dormia quatro horas por noite, muitas vezes ia para a aula apenas com o almoço e sem grana para o lanche. O dia em que dava para comer um cachorro-quente com a maionese temperada da tia Rosa era uma festa.

Além de manter meu emprego formal, vendia sanduíches e trabalhava em eventos.

Carreguei uma culpa enorme em meu peito durante um tempo. O dinheiro que eu usava para pagar o curso fazia muita falta lá em casa. Enquanto escrevo isso, lembro das vezes em que me questionei se estava agindo de forma justa ou sendo egoísta.

Lembro que um dia me envolvi em um conflito em sala de aula por conta de pontos de vista diferentes com uma colega de turma. Em algum momento, a coisa toda ficou tão acalorada que ela apelou para o lado pessoal e soltou um: “Pelo menos não sou eu que só tem uma bolsa e um sapato”.

Essa pessoa era eu. Acertou direitinho. Foram quatro anos abrindo mão de muita coisa, inclusive de ostentar sapatos diferentes. Era apenas um par que tinha que servir para ir ao trabalho, à escola e à igreja. Só comprava outro quando o da vez acabava.

No momento em que ela falou aquilo, senti muita vergonha, mas também sabia que era verdade e que aquilo não diminuía em nada quem eu era e quem poderia ser. Levei a conversa para o lado do humor e, nos meses seguintes, sempre que alguém pisava em meu pé ou esbarrava em minha bolsa, falava para tomar cuidado porque só tinha um.

O humor sempre foi meu grande aliado. Mas essa história também me fez aprender que o caminho da autenticidade é mais fácil. Ninguém poderá te ofender ou diminuir a respeito de algo que você assume e está resolvido dentro de você.

No quinto período, começamos a ter a disciplina de empreendedorismo. Embora sempre tenha dado os meus pulos para fazer meu dinheiro, nunca tinha ouvido a palavra. Foi na faculdade que descobri que o crochê e bordado que fazia e vendia na feira aos 12 anos eram uma atividade empreendedora. Que vender sanduíches também era empreender.

No primeiro dia, o professor perguntou para a turma quem era a pessoa mais empreendedora que eles conheciam. Um colega levantou a mão e disse que era a Kamillinha. E complementou: “A gente sabe que ela passa um perrengue doido para estar aqui, mas ninguém a vê de cabeça baixa ou se lamentando. Essa bichinha trabalha com força para pegar esse canudo”.

Aquele foi um dos momentos mais “fui ofendida, mas estou no lucro” da minha jornada estudantil. Esse colega era um empresário, na casa dos 50 anos, acostumado a lidar com muitos empreendedores. Ser referenciada por ele foi um baita orgulho.

Eu amei a disciplina! Me dediquei aos trabalhos. Tenho uma história incrível com o tema que vai aparecer aqui nos próximos #tbts.

Concluí o curso em 2011, fui a oradora da turma, me tornei a primeira pessoa da família a ter um diploma e, se tudo der certo, a última a conquistá-lo com tantas pedras no caminho. Chorei igual a um bebê no dia da colação de grau. Minha formatura aconteceu três meses depois do meu casamento, evento no qual não derramei nenhuma lágrima para contar a história. Minhas colegas e família falavam que acharam que eu não choraria, já que tinha sido uma rocha em meu casamento, ao que eu respondia: “Eu sabia que me casaria com meu marido desde que o conheci, mas isso daqui, durante muito tempo, eu achei que não viveria.”

Foi uma jornada incrível! Que me ensinou que as coisas podem até não ser do jeito que gostaríamos, mas que, se decidirmos fazer o nosso melhor com a oportunidade que temos, em vez de lamentar sobre as que não tivemos, o que é nosso encontrará um jeito de nos encontrar.

Aquela menina moradora do beco 800, que não via a faculdade como uma possibilidade para ela, se formou, se pós-graduou, continua a se desenvolver e, no meio desse caminho, colaborou para que algumas centenas de alunos alcançassem o mesmo.

Mas isso já é história para os próximos #tbtdecarreira!


Luisa Abreu Lara

Facilitadora | Aprendizagem | Treinamento e Desenvolvimento (T&D) | Designer de Experiências de Aprendizagem

6 m

Que lindo, Ka! Você é inspiração mesmo!

Cecilia Campanharo

Recursos Humanos | Gestão de Pessoas | R&S | HRBP | DHO | D&I

6 m

Orgulho de ver sua trajetória!

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