Não. O crescimento não vem

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2% em 2020? Talvez isso, talvez um pouco mais. Ou menos. Para Simão Silber, da USP, só nos resta esperar, pois Paulo Guedes está no caminho certo. Paulo Gala, da FGV, diz que o caminho neoliberal não nos levará a lugar nenhum.

Reportagem de Paulo Henrique Arantes

   Não se pretende ideologizar o tema, mas o desempenho da economia brasileira pode ser considerado razoável ou ruim (nunca bom, muito menos ótimo) a depender da escola econômica a que o analista pertença. Economistas ortodoxos afirmam que Paulo Guedes e equipe estão no caminho certo ao posicionar o corte de gastos públicos e a exclusão do Estado do papel de propulsor do crescimento no cume das prioridades. Os heterodoxos, ou desenvolvimentistas, argumentam que sem uma forte ação estatal e retomada do investimento público a economia permanecerá estagnada.

     A não ser que se desprezem dados empíricos, o que se sabe é que a economia dá um passo à frente e outro para trás. As projeções indicam um crescimento do PIB em torno de 1% em 2019 e, em 2020, por volta de 2%. Por que, com a taxa básica se juros a 5,5% (a menor da série histórica), os motores do país não voltam a girar?

     O IPCA anual de 2,89% (no fechamento desta edição), pontuado por uma deflação de 0,04% em setembro, não é para ser comemorado, já que se deve à baixa demanda, esta decorrente do elevadíssimo desemprego. 

     No dia 29 de outubro, mesmo dia em que os jornais comemoravam a queda do risco-país para o menor nível desde 2013, a Ford anunciava a fabricação de seu último caminhão na fábrica de São Bernardo do Campo e a demissão de 600 funcionários. Trata-se de um significativo paradoxo.

     Indicador mais importante para aqueles que enxergam a economia como uma área de conhecimento cuja utilidade é promover o bem-estar social, o desemprego no Brasil era de 11,8% no trimestre encerrado em agosto de 2019, perfazendo quedas em relação ao trimestre anterior (12,3%) e ao mesmo trimestre de 2018 (12,1%). O dado deve ser festejado com ressalvas, pois junto com o emprego cresce a informalidade no trabalho. Segundo o IBGE, 41,4% da população ocupada encontram-se na informalidade, maior proporção desde 2016, quando esse índice começou a ser divulgado. Das 684 mil vagas de trabalho preenchidas entre junho e agosto, 87,1% pertencem ao mercado informal.

     Ortodoxos acreditam que política monetária e corte dos gastos públicos bastam para que a iniciativa privada, confiante num governo liberal, desperte da letargia, volte a investir, a produzir e a gerar empregos, promovendo assim o crescimento econômico tão desejado.

     A condução da economia mediante tal crença começou em 2015, quando Dilma Rousseff, reeleita, nomeou o ultraliberal Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda. Aprofundou-se depois do impeachment, com Michel Temer, Henrique Meirelles e o teto de gastos. E radicaliza-se aos poucos com Guedes, economista formado na Meca dos neoliberais, a Universidade de Chicago.

     O tempo dirá se esse liberalismo econômico dará resultados. Por ora, o otimismo encontra-se tão estagnado quanto o PIB, senão em queda. Segundo pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, em dezembro de 2018, 89,3% dos executivos de 29 médias e grandes empresas diziam-se mais otimistas que no trimestre anterior; hoje (outubro de 2019), são 41,4%.


     A aprovação da reforma da Previdência, cereja do bolo de reformas que o Governo Federal propõe-se a fazer, gerará, estimativamente, uma economia aos cofres da União da ordem 820 bilhões de reais – sem dúvida um sucesso fiscal. Mas nem isso impediu que, em outubro, o Brasil caísse da 109ª para a 124ª posição no ranking mundial de ambiente de negócios, conforme o relatório Doing Business, do Banco Mundial.

     Enquanto aguardam-se os resultados da política econômica em vigor, a desigualdade aumenta. Um capítulo da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnadc), realizada pelo IBGE e divulgada em outubro, revelou que a renda média do 1% dos trabalhadores mais ricos subiu de 25,5 mil reais para 27,7 mil reais em 2018 (alta de 8,4%), ao passo que os 5% mais pobre viram seu rendimento mensal diminuir de 158 reais para 153 reais (queda de 3,2%) no mesmo período. Com isso, o Índice de Gini, indicador utilizado no mundo todo para medir a concentração de renda, subiu de 0,538 para 0,545 no país (quanto mais perto de 1 o indicador, maior a desigualdade).

     Outro estudo do IBGE, a Pesquisa de Orçamentos Familiares, também divulgado em outubro, mostra que 2,7% das famílias acumularam 20% do total da renda no Brasil entre 2017 e 2018.

     Dois dos mais renomados economistas brasileiros, com visões diferentes sobre o caminho a seguir para a retomada do crescimento e a redução da desigualdade, foram ouvidos pela Revista da CAASP para esta reportagem, como o leitor pode conferir a seguir.


“Estamos vendo alguns sinais positivos”


     “Já está ocorrendo uma recuperação da economia, só que num ritmo aquém do esperado.” Quem afirma é o economista Simão Davi Silber, professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP). “A política monetária está ajudando, a direção está corretíssima, já estamos vendo alguns sinais”, diz.

     Segundo Silber, a demora para que a roda da economia volte a girar a contento deve-se a algumas questões específicas, como a crise da Argentina. “Houve uma depreciação importante da moeda argentina, seguida de um aumento muito grande dos juros e recessão pelo segundo ano consecutivo. Não podemos esquecer de que a Argentina é o principal comprador de produtos industriais brasileiros”, explica.

     Outro fator a atrapalhar a retomada do crescimento brasileiro, no entender do professor, é o que ele chama de “beligerância comercial entre vários países do mundo”, com destaque para a queda-de-braço Estados Unidos – China, a qual já reverbera na Europa, no Canadá e no México. “Isso fez com que as exportações brasileiras caíssem também”, observa. Em tal cenário, mesmo aplaudindo o modelo Paulo Guedes, Silber espera crescimento de 1% em 2019 e de, no máximo, 2% em 2020.

     Afora os fatores externos, o governo, com peso supostamente excessivo na economia, precisou cortar gastos que vinham crescendo 5% ao ano em termos reais – bem acima do PIB, portanto. “Depois da aprovação da Emenda Constitucional 95, a PEC do Teto, o crescimento da despesa primária do Governo Federal está crescendo 0,5%. Então, de um lado, a política monetária está favorável à retomada do crescimento, mas a política fiscal, não”, avalia, para de imediato enfatizar que “a saída não está no aumento de gastos do governo”.

     Para Davi Silber, “o governo está falido, não vai investir”. O impulso à economia só viria a médio prazo e, para tanto, é indispensável “um programa ambicioso” de concessões e privatizações. “Historicamente no mundo, governo bom é o que pratica boa política social, não é o governo-empresário. O governo-empresário vai à falência, como ocorreu na antiga União Soviética. A China não faliu porque migrou para uma economia mista”, acredita.

     Além de privatizar, Silber prega mais abertura econômica, cujos efeitos seriam sentidos em prazo mais longo. “A nossa economia não tem ganhos de produtividade adequados, é muito isolada do mundo. A verticalização do processo produtivo aqui dentro resultou em empresas acostumadas à calmaria, voltadas ao mercado local, no máximo indo até a Argentina. Nossas empresas não têm condições de competir internacionalmente”, diz.

     No momento do fechamento desta edição, o governo acenava com um verdadeiro choque nas tarifas industriais, mediante um plano de redução de tarifas de importação de 13,6% para 6,4%, na média, em quatro anos. Por óbvio, diversos setores da indústria nacional reclamaram, argumentando que em tão pouco tempo não estariam em condições de concorrer globalmente sem a proteção tarifária.

     Simão Silber reconhece a tibieza da indústria brasileira, salvo honrosas exceções. Mas não compactua com os defensores do protecionismo. “Num país da dimensão do Brasil, não existe solução de crescimento sem indústria, mas qual indústria a gente quer? Não é a indústria tradicional brasileira. Nossas empresas não participaram nas últimas décadas de uma divisão maior do trabalho internacional em que elas pudessem ter mais fornecedores internacionais a custos mais competitivos. Sempre tivemos o cacoete do componente nacional”, argumenta.

     Liberal desde a raiz, o professor da USP tece o seguinte comparativo: “Quando seu filho nasce, ele está indefeso, você tem que protegê-lo. Mas se você o mantiver numa redoma, aos 60 anos ele vai sentar no seu colo e dizer que não consegue ir sozinho até a padaria. Em 1956, nós começamos a proteger a indústria automobilística brasileira. Por que até hoje essas empresas não conseguem concorrer no mercado internacional? Porque elas estão isoladas no mercado interno”.


“Não existe isso de o governo não ter dinheiro”


     “A queda da taxa de juros é um fato positivo, certamente. Portanto, o lado monetário está ajudando, mas o problema é que estamos numa situação de crise muito aguda, o desemprego está muito alto, as pessoas estão endividadas, os empregos que se criam são de baixa qualidade e os salários, ruins. O governo precisa fazer uma política de investimento público para a economia voltar a crescer.” Assim entende o economista Paulo Gala, professor da Fundação Getúlio Vargas.


    Análises como a de Gala levam naturalmente à pergunta: mas o governo tem dinheiro para investir? Eis a resposta: “Não existe isso de o governo não ter dinheiro. Dinheiro é uma coisa que o Banco Central controla, ele pode imprimir mais ou menos e isso depende da taxa de juros que ele decidiu. Nunca acaba o dinheiro do governo”.

    O segundo argumento do professor Gala, por sua vez, leva a uma segunda pergunta, também inevitável: mas imprimir dinheiro sem lastro não gera inflação? O economista responde: “Não necessariamente. Desde a crise de 2008, os Bancos Centrais imprimiram mais de 10 trilhões de dólares e a inflação está na mínima histórica. Quando a economia está muito deprimida, a impressão monetária tem um efeito praticamente nulo na inflação. A impressão de dinheiro causa juro zero, mas não causa inflação. Poderá causar inflação se esse juro zero começara superaquecer a economia, superaquecer o mercado de trabalho – aí os salários vão subir demais, os preços dos produtos vão subir demais e teremos inflação. A conexão não é direta”.

     Quanto a recursos orçamentários, a abordagem é outra. Trata-se de uma questão de preenchimento de espaços e, como se sabe, ocupar espaços envolve prioridades. Segundo Paulo Gala, “o governo e parte do sistema político elegeram como prioridade cortar gastos, quando se deveria mudar o foco, mudar a prioridade para o investimento público, investimento em infraestrutura”. Segundo o economista, existe espaço no orçamento para tanto, mas é necessário que o governo eleja isso como prioridade e o Congresso concorde.

     “Hoje temos 0,4% do PIB em investimento público. Isso é uma piada, não dá nem para tapar buraco de rodovia federal”, protesta Gala.

     O corte de gastos – quase sempre atrelado à supressão de direitos constitucionais – costuma ser vendido como o estopim do espírito empresarial heroico. Bastaria o governo parar de gastar para o empresário despertar com todo seu potencial produtivo. Seria assim na prática? Paulo Gala discorda: “Essa ideia de que o corte de gasto público desperta a confiança privada ainda não foi provada, nem no Brasil e nem no mundo. O que se vê, na maioria das vezes, é que quando o governo se retira demais e a economia patina ou afunda, os empresários ficam ainda mais pessimistas. O Brasil dos últimos três anos mostra isso”.

     Em meados de outubro último, o Fundo Monetário Internacional, mítico defensor das políticas de austeridade, reconheceu, por meio do seu Monitor Fiscal, que o uso de estímulos fiscais podem ser a melhor alternativa para economias em forte crise.

     Tanto a percepção do FMI quanto o posicionamento de Gala nada têm a ver com gastança desenfreada ou desonerações imprudentes, como visto no governo Dilma. Ocorre que, na opinião do economista da FGV, “agora, caímos no outro extremo, que também não funciona”.

     “Quando uma economia opera abaixo de sua capacidade, o governo deve usar instrumentos, para fazê-la voltar ao seu nível potencial. Isso é básico”, explica Gala, ressaltando que impulsos ao consumo – como a liberação de parcela do FGTS autorizada pelo governo Bolsonaro – podem ser bem-vindos, desde que se evitem bolhas de consumo. “Quando o consumo cresce demais, especialmente baseado em crédito, tem-se uma situação não sustentável. O ideal é que a produtividade das pessoas aumente, os salários aumentem, as pessoas consumam mais e os empresários invistam mais”, pondera.


     O keynesiano Paulo Gala não é contra privatizações, mas entende que o tema deve ser tratado com pragmatismo, não com ideologia. “Tem que se analisar caso a caso. Por exemplo, a BR Distribuidora – não há necessidade de o Estado ser dono de uma distribuidora de gasolina, ao contrário do que acontece em setores-chave para o desenvolvimento econômico, onde atuam estatais como a Petrobras e a Embrapa, para citar duas”, esclarece, ressaltando que o Brasil “já privatizou praticamente tudo”, restando de relevante apenas a Eletrobras. “O caso da Eletrobras é um abacaxi, por ser muito complicado do ponto de vista regulatório”, nota.

     No tocante à indústria nacional é notório que o governo Bolsonaro não lhe dedica nenhuma atenção especial, salvo a pretendida redução tarifária das importações, que pode inserir a indústria no comércio internacional ou sucateá-la de vez. De qualquer modo, Paulo Gala concorda com Simão Silber quanto à perda de protagonismo das nossas fábricas.

     “Desde antes do Plano Real, a indústria brasileira vem perdendo a corrida tecnológica, especialmente para os asiáticos. Nos anos 80, nossa produção industrial era o dobro da produção da Coreia e da China somadas. Hoje, a China produz 4 trilhões de dólares e o Brasil, 180 bilhões de dólares. Registre-se que já produzimos 280 bilhões de dólares", descreve. “Toda a indústria brasileira foi construída pendura no mercado interno. Quando a economia implodiu, em 2015, e demanda industrial interna também implodiu”, diagnostica. E dá a receita para solucionar o problema, de difícil realização: “A primeira coisa necessária para a indústria crescer é colocar a economia nos trilhos, crescendo 2% ou 3% ao ano. Isso iria reativar a demanda do nosso setor industrial. O segundo passo é não deixar a taxa de câmbio voltar a 3 reais (hoje está em 4 reais). O câmbio não pode apreciar”.

Reportagem publicada originalmente na Revista da CAASP (www.caasp.org.br)



 

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