Não quero ser chefe
Desde a pandemia, temos vivido fenômenos no mundo corporativo que vêm revelando, sobretudo, o franco movimento das relações de trabalho. Depois da Great Resignation (Grande Demissão ou Renúncia), que apontava para uma demissão em massa de colaboradores dos seus empregos, em busca de um lugar que fizesse sentido para sua vida, já passamos pelo Quiet Quitting (Demissão Silenciosa); Loud Quitting (demissão barulhenta); Downshifit (desaceleração do trabalho) e Grumpy Staying (trabalhar sem vontade). Mas não paramos por aí.
Os mais recentes movimentos – Quiet Ambition – numa tradução livre “ambição tranquila” – e FIRE (The Financial Independence Retire Early Movement), que busca uma aposentadoria antecipada – demonstram um novo comportamento dos profissionais quanto ao seu futuro: sua vida está dissociada do seu trabalho.
Se as gerações anteriores faziam projeções sobre seu futuro na empresa – “ser gerente antes dos 30 anos e diretor antes dos 40” – os mais jovens fazem outro tipo de projeção: trabalhar o mínimo necessário e ganhar o suficiente para ser feliz.
É sempre importante alertar que traços geracionais não correspondem necessariamente ao comportamento da maioria. Ou seja, nem todo profissional da Geração Z pensa dessa forma, assim como nem todo profissional da Geração X queria um dia ser presidente de empresa. De toda forma, as gerações marcam movimentos e passagens importantes no ambiente corporativo, promovendo mudanças na cultura e, consequentemente, nas práticas de gestão. E é sobre esse ponto que essas empresas devem refletir.
É necessário entender o que está por trás desses movimentos de desaceleração do trabalho, desengajamento e pouca ambição e buscar formas de transformar essa relação. Do contrário, teremos cada vez menos pessoas dispostas a seguir as regras antigas do jogo corporativo para conquistar seus bônus e subir degraus. A consequência é perigosa: um gargalo na sucessão. E isso sim é fator de preocupação.
Abaixo listo alguns pontos de alerta que vêm minando a relação de trabalho entre os mais jovens, estimulando a escolha de outras rotas profissionais.
Gestão obsoleta
Práticas corporativas e benefícios que não condizem mais com a realidade de quem já nasceu no século XXI e já passou por uma pandemia afastam qualquer ideia de permanência no trabalho. Isso inclui organizações extremamente hierarquizadas – daquelas que reservam ainda restaurantes e elevadores especiais para a diretoria, por exemplo, separando os demais no lugar de agregar.
Vale o mesmo para empresas que vêm insistindo na gestão comando & controle, exigindo o retorno compulsório ao escritório mesmo para funções que já se provaram eficientes num outro modelo (remoto ou híbrido). Isso mina a confiança do funcionário (e sabemos que confiança é pedra fundamental na construção de uma relação de trabalho).
De acordo com o Gartner, a intenção de permanecer no emprego foi 16% menor entre os funcionários de alto desempenho que receberam um mandato de retorno ao cargo. A fiscalização das horas trabalhadas – seja no modelo presencial ou remoto – também entra nessa zona perigosa. Monitorar o tempo de quem está conectado atrelando isso a maior produtividade não faz o menor sentido na Era da Inteligência que vivemos. Fazia sentido na Era Industrial, onde muitas empresas ainda insistem em permanecer.
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Liderança exausta
Ao olhar para cima o que os mais jovens enxergam não é bem um modelo que eles desejam seguir. A liderança hoje está exausta, sendo cobrada por bater metas cada vez mais agressivas, desenvolver a equipe (e se desenvolver), manter o time engajado e feliz. É preciso entender do negócio, conhecer a concorrência, entender de gente, falhar rápido e fazer tudo isso com um sorriso no rosto.
Dizemos que não queremos mais líderes super-heróis, mas na prática as organizações ainda valorizam os líderes que mais alcançam os resultados, mais horas se dedicam ao trabalho e os mais disponíveis – aqueles que abraçam o todo, com enorme dificuldade de dizer não, colocando em risco sua saúde física e mental e a vida social, especialmente o relacionamento com a família.
Em contrapartida, eles ainda esperam os degraus mais altos e os bônus mais polpudos. Uma moeda de troca que não faz mais sentido para a geração mais nova, que preza mais o tempo do que o dinheiro.
Escadas longas e subidas árduas
Mesmo aqueles que ainda desejam exibir um cargo de gerente ou diretor na sua rede social e pensam em ser CEO um dia por status, poder, dinheiro ou apena o desejo genuíno de liderar uma organização, não estão dispostos a esperar quinze, vinte anos pela recompensa, comendo o pão que o diabo amassou – o caminho que muitos percorreram para chegar lá.
O jovem de hoje, ainda que ambicioso, tem outra mentalidade quando se trata de crescimento na carreira. Mas as empresas não. A maioria das organizações ainda tem em sua arquitetura organizacional muitos degraus, muitas regras e uma boa dose de política que também afasta os mais jovens dos cargos de liderança. Boa parte das empresas deixa claro que para subir você, primeiro, precisa ser um modelo daquele líder do parágrafo de cima.
Em segundo lugar, precisa esperar um tempo de amadurecimento na função, o que significa ser cogitado para uma promoção apenas quando estiver extrapolando todas as suas responsabilidades e assumindo muitas outras na empresa. Por fim, muitos líderes ainda represam ou retêm seus talentos, impedindo que eles cresçam nas empresas, boicotando seu desenvolvimento. O que resta? A porta de saída.
Enquanto as empresas não entenderem que o mundo mudou, que tecnologia transformou a forma de as pessoas se relacionarem (e trabalharem) e que os bens mais valiosos hoje não necessariamente são os mesmos avaliados no assado, teremos cada vez menos profissionais dispostos a assumir funções de liderança. E cada vez menos líderes para inspirar novas gerações. O buraco será enorme.
Educadora Financeira com certificação CFEd® Focada na Classe Artística
7 mfico tão feliz e sinto um prazer imenso lendo um texto desses, eu amo tanto esse movimento da Gen Z e só me lembra o importante movimento VAT, Vida Além do Trabalho. É bom viver pra ver que as pessoas finalmente estão acordando pra ver que não sabemos quantos dias temos na Terra, que só existe o agora e que a morte está sempre à espreita, lembrar da morte é entender a necessidade urgente de viver, e numa sociedade que transforma os trabalhadores em suco de laranja, fica difícil viver a vida com intensidade, parece que a gente precisa sempre escolher entre: tempo x dinheiro, vida x trabalho. É complicado, e parece que a Gen Z já fez sua escolha, e isso é ótimo! Quem sabe assim, mudanças significativas virão.
Analista de TI no Serpro | Pós-graduação em Ciência de Dados
7 mOrganizações totalmente desconexas da realidade. Parabéns pelo artigo.
Diretor Industrial e Operações | Plant Manager | ESG | Gerente de Projetos | Scrum Master | PMO | Gerente de Engenharia | Gerente de Sustentabilidade | Gerente de Produção |
7 mUm "senhor" insumo pra reflexão. Muito bom, artigo. Parabéns! Equacionar todos esses pontos, é um desafio essencial!