A nova consciência que está surgindo no mundo
Sempre nos ensinaram que a vida consiste em nascer, trabalhar, produzir, consumir, aproveitar todos os seus prazeres e depois morrer. Ao longo de nossa existência passamos por todas as fases de uma educação formal, entramos no mercado de trabalho, conquistamos um salário razoável, constituímos família, criamos nossos filhos, enfim, vivemos uma vida ‘normal’. Mas chega um momento em que sentimos que está faltando alguma coisa, que algo não nos foi ensinado, mas não sabemos o que é. Apesar de ter cumprido à risca todo o script, tudo parece se esvaziar de sentido. Nesse momento, pode estar começando uma crise de transformação que irá mudar o rumo de nossa vida. Tudo depende de como olhamos para essa crise.
Nós somos seres de sentido, precisamos dar um significado para as coisas que fazemos, não podemos viver sem isso. É o que nos move, o que nos faz levantar de manhã com alegria, e nos faz ir além de nossos limites. Quando falta o sentido, começam as perguntas: o que estou fazendo aqui? Para onde vou? Por que a gente vive? Vale a pena lutar, trabalhar, ser honesto, ser leal? E o que acontece depois da morte?
Quando começamos a nos fazer essas perguntas, parece que tudo vira de cabeça para baixo. Surgem dúvidas, questões, conflitos. Uma insatisfação muito profunda parece minar nossa energia. Começamos a produzir doenças, surgem os conflitos emocionais, a insatisfação profissional... a crise de transformação vem justamente para quebrar as amarras que nos mantém num caminho sem sentido.
Nessa hora, de duas, uma: ou a gente vê essa crise como uma ameaça externa, uma doença, um descontrole emocional e corre para o médico, se enche de remédios, ou a gente entende que aquilo tem um significado, é um sinal, e está apontando para alguma coisa que temos de aprender.
No primeiro caso ocorre um bloqueio; tudo estanca e volta à uma pseudo-normalidade.E a vida continua sem surpresas – até a próxima crise.
No segundo caso, ocorre uma abertura. Toda escolha tem consequências. Se você escolheu se abrir, começam a acontecer coisas estranhas em sua vida. Você pensa numa pessoa e ela lhe telefona. Entra numa livraria e cai em suas mãos o livro que você precisava ler. Está com um problema para resolver, assiste um filme que fala justamente sobre aquele assunto. Abre o jornal e vê um anuncio do emprego que procurava. Coisas assim, que a primeira vista podemos dizer: ora, ora, são coincidências!
Sim, mas quando essas ‘coincidências’ começam a se repetir, não são mais ‘coincidências’...e você começa a desconfiar que por detrás de tudo isso há um sentido se desvelando, um sinal sendo dado, uma mão invisível e misteriosa direcionando um caminho.
Essa é a nova consciência que está surgindo. Esse é o despertar de que falam os místicos. Sentir a presença de uma força misteriosa que parece conhecer seus passos, seus pensamentos, e se preocupa com você. Jung deu a isso o nome de “sincronicidade”, fatos significativos que acontecem na vida de uma pessoa.
Quando a sincronicidade começa a ocorrer em nossa vida, algo começa também a se desenvolver em nós. É a chamada terceira inteligência, a inteligência espiritual. Durante todo o século XX se deu muita importância ao nível de QI das pessoas, a inteligência racional; ter um filho com alto QI era o máximo. Depois, com David Goleman, começamos a nos dar conta da importância da inteligência emocional. Era mais importante saber administrar as próprias emoções e também saber lidar com as dos outros. Ele dizia que as pessoas mais bem sucedidas não eram aquelas que tinham alto QI, mas as que tinham uma inteligência emocional bem desenvolvida.
Mas, há alguns anos, com as pesquisas feitas por neurologistas e psicólogos, começamos a entender que existe um terceiro tipo de inteligência, pela qual não só captamos fatos, idéias e emoções, mas percebemos os contextos maiores de nossa vida, totalidades significativas, e que nos faz sentir que estamos inseridos no Todo. Ela nos torna sensíveis a valores, a questões ligadas a Deus e à transcendência. Foi chamada de inteligência espiritual, porque é próprio da espiritualidade captar a totalidade, a unidade, e se orientar por visões do sagrado. Por isso chamaram essa área de ‘o ponto Deus’ no cérebro.
A experiência espiritual que decorre dessa compreensão provoca uma nova postura perante a vida, um novo olhar, uma mudança interna que não tem nada a ver com a religião nem com qualquer doutrina. O termo ‘espiritualidade’, atualmente, aponta mais para uma dimensão noética, uma propensão para os valores humanos, uma capacidade de transcendência que pode ou não estar ligado a uma prática religiosa.
Por isto é que, apesar de ter nascido dentro dos muros acadêmicos, a psicologia Transpessoal foi a filha rejeitada da ciência. Por que? Porque, ao incluir a dimensão espiritual como um anseio natural e saudável do psiquismo, também confirmou que somos seres transcendentes, não determinados pelos limites e condicionamentos de nossa história -- seja familiar, ideológica, econômica, cultural. Claro que tudo isso nos afeta, mas podemos ir além de tudo isso. A transcendência é uma janela aberta para o infinito, para a liberdade, para a criatividade, e nela o ser humano encontra sua razão para existir. Nenhuma prisão é capaz de conter nosso ímpeto de ir mais além. Por isso a palavra “trans-pessoal” é tão significativa, porque expressa a natureza radicalmente livre de nossa consciência.
*Mani Alvarez - Diretora do CLASI – Centro Latino Americano de Saúde Integral - Coordena os cursos de pós-graduação em Psicologia Transpessoal www.clasi.org.br