O "fazedor de chuva" e a música das esferas: como se tornar um cidadão do universo

O "fazedor de chuva" e a música das esferas: como se tornar um cidadão do universo

Num texto escrito em 1994, chamado Carta da Transdisciplinaridade, foi afirmado que “ a dignidade do ser humano é também de ordem cósmica e planetária. A aparição do ser humano sobre a Terra é uma das etapas da história do Universo. O reconhecimento da Terra como pátria é um dos imperativos da transdisciplinaridade. Todo ser humano tem direito a uma nacionalidade, mas como habitante da Terra ele é um ser trans-nacional. O reconhecimento de seu direito a uma dupla cidadania – de uma nação e da Terra – constitui um dos objetivos da pesquisa transdisciplinar”. Este é o artigo 8 do documento assinado por Nicolescu Basarab, Lima de Freitas e Edgar Morin.

Fica a pergunta: se somos cidadãos cósmicos, porque sentimos a nossa pátria tão distante de nós? Quando falamos em cosmo, pensamos num lugar infinitamente longe, lá onde a nossa vista não alcança. Como pensar em anos-luz de distância? Há coisas que os nossos sentidos não alcançam. Uma dessas é a dimensão cósmica. Afinal, o que é isso? Onde fica? Lá em cima de nossas cabeças, no nível das estrelas? 

A verdade é que, geograficamente, estamos em pleno cosmo. Nossa nave mãe Terra gira neste vasto oceano cósmico, junto com as estrelas mais brilhantes do universo. O cosmo é o nosso habitat...

Quando o astronauta Edgar Mitchell estava a bordo da espaçonave que pousou na lua, ele teve um momento de assombro ao ver o nosso planeta terra entre outros astros e estrelas. “Ela parecia uma jóia verde e azul engastada no céu da meia noite”, disse ele em estado de êxtase. Num assombro místico, ele compreendeu naquele momento a grandeza de Deus e a existência de uma outra forma de ver o mundo, uma outra realidade.

Fomos ensinados a ver a realidade como partes separadas, divididas, fragmentadas. Esta foi a visão de mundo que aprendemos a julgar como sendo a verdadeira. Se meus olhos vêem o universo lá fora, distante e separado de mim, como se fosse uma aquarela de estrelas no céu, é porque ele não faz parte de meu habitat...mas é assim que vemos o mundo e assim ensinamos às nossas crianças. Mas, e se não for assim? E se meus sentidos estiverem me enganando, mostrando só uma parcela dessa verdade? 

A Psicologia Transpessoal trabalha com o conceito de ‘estados de consciência’. Seu postulado mais importante é que a realidade é uma construção mental produzida por meu estado de consciência. Sendo assim, posso olhar para o cosmo e senti-lo como uma unidade perfeita, integrada, da qual eu faço parte. Edgar Mitchell deu testemunho disso.

Pitágoras, o famoso filósofo e sábio grego, dizia que as estrelas cantavam, e que havia uma música nas esferas. Tudo no universo emite um som, mas só podemos ouví-lo quando a nossa consciência se amplia e estende suas vibrações para além de meus cinco sentidos. Ou seja, quando vivencio a unidade que existe entre todas as coisas. 

Se, como diz a física contemporânea, tudo é energia, tudo está em vibração, e nossos pensamentos emitem energia e também vibram, nós podemos entrar em ressonância com as vibrações da dimensão cósmica -- se conseguirmos ir além dessa formatação de nossa mente dual que só vê as partes, e não o todo. 

A própria palavra cosmo significa ordem no universo, na criação, na vida. Se há ordem, há inteligência. A existência de um ‘cosmo’, ou seja, de um universo organizado, ordenado, demonstra a grandeza dessa inteligência superior que a mantém. Por isso, ao entrarmos em ressonância com a dimensão cósmica, sentimos a presença de Deus. 

Quando o astronauta Mitchell se sentiu uno com esta dimensão cósmica divina, ele imediatamente percebeu o perigo que estamos correndo, aqui na Terra, por termos criado uma civilização baseada na visão egóica da separatividade e da dualidade. Esta visão de mundo dual tem provocado ações destrutivas na Terra, e tem gerado guerras, conflitos de interesses, violência. 

A percepção súbita da Unidade é uma experiência do Despertar. Sábios,  místicos e profetas passaram por isto. Quando ocorre um Despertar, isto provoca profundas transformações em nossa vida. Foi assim também com o astronauta. Em seu regresso à terra, Mitchell mobilizou todos os seus recursos para trabalhar pelo desenvolvimento da consciência humana. Fundou o Instituto de Ciências Noéticas e dedicou-se a promover cursos, publicações, palestras que estimulem o debate entre a ciência e a espiritualidade. 

O Despertar é uma experiência de expansão da consciência. É quando conseguimos ir além do estado habitual de vigília, onde nossos sentidos imediatos predominam e a mente racional impera; só quando saímos desse nível de realidade é que percebemos a ordem maior onde estamos inseridos e entramos em ressonância com ela. Nós podemos sintonizar com a dimensão cósmica no momento em que entramos em equilíbrio com as forças do universo e suas vibrações ressoam em nossa consciência. Nisso consiste o Despertar. De repente, compreendemos tudo, num lampejo. Sem esforço e sem a atuação da mente racional.

E aí tomamos consciência de que o cosmo não está tão distante de nós como pensamos. Pelo contrário, ele está presente tanto no giro das estrelas no céu quanto no rastejar de uma minhoca na terra. A existência de ordem no universo é uma manifestação cósmica. Ordem é equilíbrio, harmonia, inteligência. 

 O escritor russo Tolstói dizia que “há um movimento infinito dentro de um momento de descanso”. Esse é mais um dos enigmas cósmicos. O agricultor prepara o solo, planta suas sementes, molha regularmente as plantas, mas tem de deixar que a natureza faça o resto do trabalho. Assim é também com a nossa mente. O Despertar é como um momento de graça que vem de forma inesperada, depois que silenciamos a nossa mente.

Nosso trabalho consiste em buscar a sintonia com as forças cósmicas, pois lá reside o plano da vida. As práticas espirituais nos ajudam a confiar e esperar. E estar atentos às sincronicidades, que são a linguagem de Deus. Jung foi quem trouxe para o ocidente este pensamento tão peculiar dos orientais. A sincronicidade são eventos relacionados não linearmente, mas sim, através de uma dinâmica significativa. Não existe qualquer relação de causa e efeito na sincronicidade. Os eventos parecem carregados de um propósito e de um sentido particular.

Quando estamos em sintonia com o todo, as sincronicidades parecem evocar essa inteligência superior que coordena todos os fatos, encontros, eventos. De onde vem essa energia em movimento senão da dimensão cósmica, o livro de Deus escrito no universo?

Castanheda conta uma história sobre um fazedor de chuva, que foi chamado às pressas a uma aldeia que vinha passando por um período enorme de seca. Os aldeões já estavam desesperados porque, com a falta de chuva, não havia alimento, e o rebanho também estava ameaçado. O fazedor de chuva chegou, sentiu a ansiedade das pessoas e retirou-se para uma cabana, onde permaneceu solitário e em meditação. Sua tranqüilidade afetou os aldeões, que também se acalmaram. Em pouco tempo desabou um temporal e os aldeões foram perguntar ao homem o que ele havia feito. Ele disse que não havia feito nada, a não ser colocar a sua energia em harmonia com o universo. E as forças naturais trouxeram a chuva.

Hoje a neurociência já explica os circuitos neuronais que produzem o campo morfogenético (a origem das formas). A consciência é uma ponte entre o mundo material e espiritual. Quando focamos numa coisa, imediatamente enviamos instruções aos nossos sistemas neuroquímicos, que vão disparar uma série de flechinhas químicas para mobilizar os corpos físico, emocional e mental. Nós vivemos ligados a muitos outros planos de realidade, atuamos através das funções do cérebro direito e do esquerdo, estamos conectados a diversas dimensões graças à capacidade de captação de nossa glândula pineal, e toda essa perfeição demonstra que somos filhos do Universo e habitantes do cosmo.

Quando o astronauta Mitchell pôde comparar a ordem cósmica com o caos no planeta terra, ele compreendeu que isto era produto do caos que existia dentro do homem, da desordem que introduzimos na natureza pelo desconhecimento da Lei que impera no Universo. O ego promove o caos na sociedade, porque só se alimenta de poder, manipulação, mentiras. Gera mentes agitadas e confusas.

Para atingir a dimensão cósmica da Lei e da ordem num âmbito superior, tudo que temos de fazer é harmonizar nossa mente e nosso corpo com o universo, como o fazedor de chuva. Ou seja, sair do tumulto egóico de uma mente agitada e aprender a sintonizar com o silêncio interior. Pois, é só no silêncio interior que podemos ouvir a música das esferas.

Mônica A.S.Gomes

Gestora de cursos no CLASI - Instituto de Transpessoal

8 a

Parabéns, minha mãe querida! Texto maravilhoso e importantíssimo, um belo convite para compreender a sede insaciável, que desperdiça as energias na superficialidade da vida. E ainda nos incita à experimentar este caminho de autoconhecimento simples e pacífico, ao mesmo tempo complexo, e profundamente viável e acessível, de silenciar o ego e viver a alegria de estar uno com esta Dimensão Cósmica...

Rita Batistella

Profissional independente de Saúde, bem-estar e educação física

8 a

Amei Mani!!! Um desencadear de idéias e constatações recheados de muita Consciência Cósmica reunidos neste lindo texto. Obrigada.

Rodrigo Wentzcovitch

Psicologo na SATORI 8 Vida Integral

8 a

Mani... Parabéns pelo post muito bem escrito... Que Possamos neste Mundo sermos todos Fazedores de Chuva na Vida das Pessoas e no Planeta.

Entre para ver ou adicionar um comentário

Outros artigos de Mani Alvarez

Outras pessoas também visualizaram

Conferir tópicos