O chá do conhecimento
Tive a honra de participar como um dos palestrantes neste último sábado, 8 de maio de 2021, a convite dos professores Dr. Leopoldo Briones (Diretor da Pós graduação da Universidad de Desarrollo Sustentable - UDS) e Dr. Edival Dan (Coordenador dos Convênios UDS/VECHILE/UFRRJ) do tema 2 das atividades do IX Seminário Internacional: ¨Desenvolvimento Humano e Social: Reflexões e Possibilidades de Futuro (uma Análise da Nova Cidadania)¨, intitulado “Tecnologias e Desenvolvimento da Cidadania”. Estive acompanhado pelo professor Isaías Sharon, CEO e fundador do Learning Group, com uma brilhante exposição.
Foi uma excelente oportunidade de aprendizado, interagindo com diversos alunos de Mestrado, Doutorado e Pós-doutorado dos convênios. Muito acolhimento e qualidade. Pude também divulgar questões trabalhadas em nosso grupo de pesquisa “Práticas, Saberes e Condutas”, em especial a Gestão do Conhecimento Pessoal, a Phronesis (Sabedoria Prática), a aprendizagem significativa e a perspectiva do professor reflexivo.
A partir do evento foram geradas e reforçadas algumas reflexões sobre conhecimento que gostaria de compartilhar por aqui.
O conhecimento pessoal é essencialmente único e proveniente da experiência, ainda que se abasteça das informações, dos registros e, com cada vez mais frequência, das tecnologias existentes. Sobre isso já dissertaram inúmeros pensadores, dos clássicos aos mais contemporâneos.
Este conhecimento pode ser incorporado e ensinado, como o científico, produzido, como o técnico, praticado, tomando por base Aristóteles. Ainda que seja individualizado, desenvolve-se no social e no contexto, como coloca Jean Lave.
Tomando por base a noção de infusão comentada por São Tomás de Aquino sobre o conhecimento, comparo sua formação na pessoa à preparação de um chá. Para preparar um chá precisa-se de um sachê, água e calor. O sachê representa as tecnologias, informações e registros consolidados, disponíveis para todos. A água representa a individualidade humana, levando em conta que somos compostos majoritariamente de água. O calor representa a experiência, formada pelo pensar e pelo sentir, razão e sensibilidade. O chá, ou conhecimento, é por infusão produzido pelo calor da experiência de determinado conteúdo envolto em sua tecnologia na individualidade humana.
Recomendados pelo LinkedIn
Hoje as tecnologias digitais permitem que determinado conteúdo seja usado, organizado e transferido de forma mais eficiente. Entretanto, para esse conteúdo repercutir na pessoa, é necessário o calor da experiência. Sem isso, o “chá do conhecimento” não é produzido, não há o calor necessário. Ou ainda, mesmo que a experiência seja gerada pela própria tecnologia via inteligência artificial, seria ela suficientemente “humana”, visto faltar o líquido existencial que forma a individualidade de cada um?
Por sua vez, há quem alerte que o processo de conhecimento pessoal humano tem se empobrecido destarte toda a transformação tecnológica e digital com os fake News, polarizações, intolerância com o contraditório: diminui-se a qualidade de água, o calor da experiência é baixo, o chá não é produzido mesmo com o conteúdo existente. E se o calor é alto demais, talvez por uma vivência para a qual o indivíduo não é preparado, ou torna-se menos preparado em função do momento atual, ocorre a “evaporação” do ser, perdendo-se lições e conhecimentos importantes que não são aproveitados. Da modernidade líquida de Bauman, passamos para a “modernidade gasosa”, onde tudo ainda é mais fugaz.
O conhecimento pessoal é uma jornada interior e é autopoiético, na visão de Maturana e Varela, ou seja, produz-se a si próprio e tem auto-organização na interação com o ambiente. Por muitas vezes esta jornada produz vícios ou erros levando a ciclos de aprender e desaprender, ambos importantes: desaprender equivocadamente pode levar à perda de referências pessoais sem colocar e validar outras em seu lugar, implicando desorientação e vulnerabilidade.
Outro ponto importante é a autonomia. O conhecimento pessoal deve fortalecer a autonomia, não a individualista tendo em vista a constituição social da prática, mas a autonomia em relação a grupos ou a organizações que possam exercer controle em função da tecnologia, reforçando a cidadania. No momento atual da pandemia, em que somos mediados por tecnologias que aliviam parte do desconforto com o isolamento, um aumento de preços cobrados por este uso ou outras restrições tornam-se instrumentos de exercício de poder bastante intensos.
Há muito mais a destacar, mas termino resgatando pontos da teoria do “self” de George Herbert Mead, com dois lados, o “Eu” e o “Mim”, em que este representa atitudes, expectativas e comportamentos provenientes da sociedade, do outro, enquanto aquele leva à identidade individual. O contexto atual leva a uma hipertrofia do “mim”, com as redes sociais e sua cultura de “lacrar” e “cancelar”, modelando as pessoas e limitando a liberdade de expressão. As referências de conhecimento tornam-se cada vez mais restritas e os “chás” tornam-se cada vez mais insípidos e pobres de qualidade. A digitalização da sociedade corre o risco de uma insipidez de conhecimentos, levando por consequência a uma padronização pouco ampla de soluções.
Vamos melhorar o chá que preparamos?
Interessante dissertação sobre a relação do conhecimento e seu desenvolvimento e a preparação de um bom chá… Vale ler e pensar sobre…
associate professor at Brazil IAG/PUC-RIO BUSINESS SCHOOL
11 mBom dia Americo gostei mto da tua metafora do conhecimento com o cha. No meu ultimo livro de Humildade nas Organizacoes tb falamos de aprender com uma metafora do cha. Nos contamos a historia do Mestre Chines e a Xicara de Cha que recebe a visita de um professor interessado no Zen Budismo que interrompia o mestre com frequencia para impor suas conviccoes mostrando sua incapacidade de ouvir e aprender as sabias locoes que o mestre tentava passar.Neste momento o mestre ofereceu-lhe um cha e o serviu com toda a calma do mundo. E mesmo apos a xicara estar cheia, o mestre continuou derramando o cha sobre a xicara. O professor nao se conteve e disse: por acaso vc nao percebeu que a cicara esta completamente cheia e que nao cabe mais nenhuma gota? O mestre entao disse: assim como esta cucara o senhor esta cheio de opinioes e conceitos pre estabelecidos. Se vc realmente busca ter conhecimento constante, entao tem que esvazuar sempre a sua xicara. No meu livro falamis que a humildade e uma virtude que nos torna seres “mais ensinaveis”.❤️
Gerente de serviços na Elevadores Atlas Schindler | Gestão Comercial e Serviços
11 mInteressante, esse conceito coloca o indivíduo dentro do processo de transformação, trás a individualidade no ensino x aprendizado. Podemos comprar um caixa do mesmo chá, mas cada preparo será único. Parabéns