O CONFLITO DE INTERESSES NOS CONSELHOS
Tema muito em voga na atual gestão dos conselhos das empresas no Brasil, o conflito de interesses tem trazido à baila grandes embates na gestão dos negócios empresariais e precisa ser abordado com responsabilidade e foco na solução do problema instalado. Mas, na verdade, o que é um conflito de interesses? O conflito de interesses em conselhos se caracteriza quando um membro de um conselho (presidente ou não) de uma companhia não se encontra apto a tomar uma decisão de forma imparcial ou isenta. Na verdade, essa é uma situação muito mais corriqueira do que imaginamos.
O conflito de interesses em conselhos também ocorre quando o dever de lealdade de um membro, envolvido com partes interessadas, é comprometido de forma leviana, fragilizando os interesses do negócio. Um exemplo disso é quando conselheiros influenciam, por exemplo, fornecedores por meio de compensação, favores, relacionamento espúrio ou manipulação psicológica. Ao entender os conselhos das organizações como um espaço de convivência onde se espera sabedoria, equilíbrio e decisões comprometidas com a perenidade dos negócios, pensar em conflito de interesses vai de encontro a essas premissas vitais dos empreendimentos. Por conta disso, os agentes de governança devem assegurar que a organização possua processos e políticas claras para implementar tomadas de decisões imparciais e transparentes, sempre em benefício da empresa.
Do ponto de vista legal, o conflito de interesses está previsto no artigo 115 da lei das sociedades anônimas (Lei 6.404/76), em função de sua grande responsabilidade para que acionistas/conselheiros não causem dano à companhia ou a outros membros da sociedade, obtendo para si ou para outrem, vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo para a companhia ou para outros membros da companhia.
Resolver o problema de conflito de interesses não se trata, apenas, de barrar o voto do conselheiro em assembleias ou impor multas ao mesmo. Os conselhos têm sido permeados de trabalhos educativos, que focam no comportamento dos membros que se mostram conflitados. Ao estimular as boas práticas de governança, induziria a retirada voluntária de conselheiros atuando com de má-fé.
Em linhas gerais, por quais motivos as empresas devem evitar os conflitos de interesse em suas hostes? Além do grave prejuízo causado à imagem da companhia temos ainda os casos de corrupção que assolam a reputação das companhias, principalmente aquelas que mantém negócios com órgãos governamentais. Um dos casos mais emblemáticos que envolveu uma administradora de benefícios (empresa que comercializa planos de saúde coletivos por adesão), ocorreu em 2018 e atingiu a empresa Qualicorp.
Explicando de forma suscinta, o conselho de administração da empresa daquela administradora de planos de saúde coletivos, aprovou um contrato de R$ 150 milhões para que o seu presidente executivo não vendesse a sua participação na empresa ou criasse um negócio concorrente durante um período de 8 anos. Imaginava o conselho de administração que essa medida estaria protegendo a empresa o que, na prática, não se configurou, pois, com a divulgação dessa decisão a empresa perdeu valor de mercado.
No dia em que o contrato foi divulgado ao mercado, as ações da empresa caíram quase 30% (trinta por cento), causando um gravoso prejuízo à entidade, capitaneado pelo seu presidente executivo que era, também, membro do conselho de administração. Na avaliação da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), a manobra aprovada pelo conselho de administração não se justificou, já que o valor do contrato autorizado extrapolou a remuneração dos executivos envolvidos na aprovação.
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Um conflito de interesses com conselheiros ocorre quando um interesse particular do conselheiro pode influenciar de forma indevida o desempenho de suas funções ou comprometer o interesse coletivo. Na mesma esteira, temos o caso do Banco do Brasil e da Asset Investimentos, cuja indicação de um membro para o conselho de administração do banco, criou um conflito, pois o conselheiro indicado ainda tinha participação na empresa que detinha uma carteira com cerca de 13% de participação no banco. Não obstante todas as explicações e o efetivo afastamento deste da empresa de investimentos, o tema maculou a imagem de lisura dos conselheiros do Banco do Brasil e ainda não foi esquecido.
Porém, os conflitos de interesse podem ser exemplificados em outras situações divergentes das elencadas acima. Casos mais comuns identificados no mercado estão intimamente ligados ao nepotismo (muito comum), recebimento de presentes e brindes e facilitações em negociatas comerciais. Há de se observar que nas atividades no âmbito dos conselhos, sejam de administração ou consultivos, os componentes do colegiado podem identificar um membro em efetivo conflito de interesses, que precisa ser regulado. Nesse caso, caberá ao presidente do conselho tomar as primeiras providências no sentido de mitigar o problema.
Nesse cenário, como em todos os demais que envolvam os membros do conselho, a figura do presidente do conselho é capital. Entre suas responsabilidades figuram a de liderar o conselho em direção à criação de valor. Se os demais conselheiros não tomarem a iniciativa de revelar o conflito e/ou se tiverem dificuldade em analisá-lo, o presidente deve catalisar tais movimentos. A sinalização dessas ações tem caráter didático para o funcionamento futuro do conselho e, pelo exemplo das lideranças, deve se propagar para o CEO e para toda a empresa.
Há de se registrar, quais sejam as situações, a identificação de conselheiros em nítido conflito de interesses, atrai a sensação de independência comprometida além da desqualificação do dever de zelar pelo negócio que é prerrogativa do conselheiro. Não devemos confundir, por exemplo, conflitos posicionais que, em algumas situações, enaltecem convicções irreconciliáveis entre conselheiros com os famigerados conflitos de interesses. O grande desafio sempre será extirpar o conselheiro envolvido nesses conflitos de interesses, sob pena de não contaminar todo o colegiado e comprometer o mais importante de tudo que é a manutenção da perenidade da empresa e suas atividades.
Artigo: O Conflito de Interesses nos Conselhos; Finanças para Conselheiros - Parte do PFCC 34 - Programa de Formação e Certificação de Conselheiros da Board Academy Br