O custo da saúde é mesmo um cheque em branco?
Uma das frases mais citadas nos seminários e eventos na área da saúde, seja pública ou privada, é a de que "o custo da saúde é um cheque em branco". Dada à extensão do entendimento de que "cheque em branco" se refere ao valor final de uma conta ou ao valor final de um tratamento, admite-se o termo, porém, muitas vezes, o “cheque em branco” está atrelado a ausência de previsibilidade dos gastos de um determinado grupo populacional. Nesse ponto discordo plenamente do jargão e do entendimento.
Em todo segmento, seja ele qual for, existe uma certa previsibilidade de custos. É fato que na área de saúde, criar este cenário é mais complexo e trabalhoso, mas não impossível. Inclui-se nesta previsão, conhecimentos de inúmeros fatores ofensores como os econômicos, epidemiológicos, nutricionais, culturais, demográficos e ainda uma outra infinidade de fatores operacionais comuns ao segmento como os advindos da regulação, do impacto da tecnologia, da judicialização e por aí vai. Porém, esses ofensores tem levado os gestores da área a se conformarem com esta questão e desta forma estão cruzando seus braços para a devida construção desta previsibilidade.
Quando questionado sobre como mudar este contexto, cito os exemplos das seguradoras e dos bancos, segmentos que avaliam e conhecem seus riscos nos mínimos detalhes. Não estando míope à questão da limitação do teto de cobertura em suas apólices que as seguradoras possuem e que, nos planos de saúde esse teto não existe, venho provocando o setor quanto à implantação de uma cultura de gestão de riscos mais ampla, de forma a permitir a previsibilidade quanto ao seu risco. É inadmissível chegar em uma operadora e questionar aos gestores qual o risco de sua operação para os próximos dois, três ou cinco anos e eles não saberem a resposta e, para se justificarem, usarem o jargão de que a “saúde é um cheque em branco”. Criou-se com isso um paradigma que precisa urgentemente ser quebrado.
Como já dito acima, apesar de existirem múltiplos ofensores que dificultam essa previsibilidade, tal tarefa não é impossível e torna-se cada vez mais imprescindível para a sustentabilidade do setor. Não se pode admitir a atuação em um determinado segmento sem saber ou sem ter a noção, mesmo que proximal, de seu risco.
Antes de entrar no assunto principal do tema, não poderia deixar de citar a necessidade que o mercado de saúde tem, como um todo, em melhorar a qualidade dos dados em suas origens. No ato do lançamento e/ou preenchimento dos mesmos, seja de forma manual ou sistêmica e em seguida em todo seu ciclo, é vital garantir o compromisso com sua exatidão. Ou seja, se continuarmos a alimentar os sistemas de gestão com dados distorcidos que vem das origens ou mesmo “marretados”, cenário muito comum hoje em dia, as análises e suas posteriores compilações ficarão comprometidas e pouco poderá ser feito em termos de previsibilidade de custos, que é o assunto principal.
Sabemos que essa mudança é árdua e envolve, além da força de vontade, a revisão dos interesses antagônicos da cadeia dos produtores de serviços, os programas de qualidade e os próprios interesses políticos como a exemplo, da não obrigatoriedade do fornecimento do CID na saúde suplementar.
De volta ao foco da matéria, o primeiro passo para a quebra deste paradigma é a implantação de uma cultura interna nas operadoras e nas grandes empresas contratantes orientada para a gestão por indicadores. Observa-se que esta cultura ainda é pouco encontrada no segmento da saúde. Como disse Peter Drucker, “o que pode ser medido, pode ser melhorado” e na área de saúde infelizmente estamos acostumados apenas a medir os aspectos econômicos relacionados aos desfechos, ou seja, quando os gastos já aconteceram. Pouco é feito em termos de gestão de indicadores de riscos em formato proativo.
A etapa de aculturação é necessária para criar nos gestores o hábito de gerir os riscos da saúde através do uso de padrões de indicadores. Consequentemente, sua posterior e correta interpretação possibilitará a criação de cenários futuros que permitam a previsão dos seus custos.
Em um segundo passo, como apoio a este processo de aculturação, é imprescindível a implantação de tecnologias especialistas em gestão de indicadores, que tenham condições de buscar dados de diversas fontes e, após sua agregação, com apoio de uma equipe interdisciplinar, transformar estes dados em informações relevantes para a tomada de decisão. Para isso, os modelos baseados no conceito de BI (business intelligence), que apenas olham o retrovisor de forma estática, já não atendem mais. É necessário, em uma época em que já se fala de Big Data, pensar no mínimo em implantar conceitos de Business Analytics (BA), que trata-se de uma evolução do BI, segundo o próprio Gartner Group.
Uma vez que as empresas estejam com seus gestores culturalmente orientados para a prática da gestão dos indicadores e apoiados por uma ferramenta especialista na geração destes, o terceiro passo para que se quebre o paradigma do “cheque em branco” consiste na geração de um banco de indicadores relevantes e na interpretação dos mesmos com base em padrões de evolução e comportamento, confrontando-os com os melhores indicadores do mercado (benchmarking). Na sequência, faz-se necessário a implantação de um conceito mais amplo de gestão de riscos para a criação de um cenário futuro para dois, três ou cinco anos permitindo aos gestores desenvolverem ações proativas quanto aos indicadores de riscos identificados, agora conhecidos.
Com esse cenário criado, é possível ter, com uma certa acurácia, uma visão preditiva dos custos em saúde, não apenas operacionais e financeiros, como também os advindos do risco epidemiológico e assim trabalhar, em tempo, seus principais pontos ofensores, permitindo que o paradigma do “cheque em branco” seja extinto ou, ao menos, minimizado em nosso segmento. Dá trabalho sim, mas não seria este o papel de uma operadora ou mesmo de uma empresa contratante que tenham como seu negócio ou ativo a gestão da saúde de um grupo populacional?
De modo a finalizar o assunto, digo que os custos da saúde, nunca serão um “cheque em branco”, desde que se busque conhecer e aprender a interpretar os indicadores relevantes que são produzidos pelo setor.