O Fim da Farsa
Há algum tempo, em conversa com um presidente de uma grande empresa, um amigo meu perguntou:
"- Quantos funcionários trabalham aqui?
- O presidente, sem refletir muito, foi categórico em dizer:
- 30%.
- 30%? Mas como assim?
- 30% trabalham. Os outros 70% nem tanto. Somos uma empresa muito grande, tem muito lugar para as pessoas se esconderem."
Certamente muitos conseguem enxergar essa realidade e identificar-se com ela. Em algum momento de sua carreira – ou até mesmo atualmente – profissionais estiveram em organizações com esse perfil, com muita ineficiência e pouca rastreabilidade, com “gerentes-chefe” sem perfil de liderança, com profissionais intocáveis e cartas marcadas – entre outros. E uma desmotivação ressentida acabava acometendo muitas das pessoas nessas empresas realmente engajadas em trabalhar, mas que se mantinham nelas, seja pelos benefícios, seja por medo do não emprego – entre vários outros motivos.
No entanto, no atual cenário, e pensando no mesmo diálogo com que comecei essa reflexão, certamente o presidente da empresa teria outra resposta a este meu amigo. Isso se ele ainda fosse o presidente de lá.
A crise e a lava-jato vieram – e me perdoem o trocadilho – como uma ducha de água fria na forma assimétrica como muitas empresas faziam negócios. E quando falo assimétrica, não quero dizer no bom sentido, de inovação, mas, e sim, no aspecto escuso, obscuro e não muito ético com que muitas empresas atuam. Não há dúvidas de que em sua maioria elas tinham capacidade técnica de sobra mas, e em muitas situações, esse não era o ponto mais relevante na hora de fechar um contrato, com lobbies, conchavos e outras situações similares acontecendo para garantir seus deals.
Aí vem a assimetria: por melhor que sua empresa fosse para fazer um trabalho, isso não era necessariamente o critério para efetivamente determinar se seria a escolhida para uma tarefa. E com essas políticas sombrias propagando-se no sentido “top-down”, com muitos apadrinhamentos e testas de ferro, um fenômeno endêmico de ineficiência acabava se proliferando. Avaliações preliminares mostram que se perde em torno de 10 vezes mais com a ineficiência do que com a corrupção nas empresas, e ao percebermos que ambas muitas vezes estão intimamente ligadas, inevitavelmente enxergamos o quanto são inaceitáveis e devem ser expurgadas.
Cada vez vai ter menos lugar para se esconder, e – por mais irônico que pareça – o trabalho vai precisar aparecer para quem quiser continuar no mercado.
Estamos aprendendo pela dor o que não aprendemos pelo amor. Tudo bem. Nos idos de 2000 o mesmo aconteceu nos EUA, em casos como Enron e Worldcom, que mudaram as políticas por transparência, ética e combate a corrupção. Esse contexto há muito já havia transbordado para cá, dada a atuação transnacional de empresas, mas ainda não tínhamos sentido o impacto – e reconhecido a dimensão – que estas grandes gestões temerárias podem criar. Com a crise que é em parte resultante da “limpa” que se está fazendo, começamos a perceber que a mudança é necessária para situações que se mostram insustentáveis, e ela certamente está acontecendo. O resultado? Cada vez vai ter menos lugar para se esconder, e – por mais irônico que pareça – o trabalho vai precisar aparecer para quem quiser continuar no mercado.
Se tudo vai se transformar? Receosamente, duvido. Mas é certo que nem de longe as coisas serão o que já foram. Em última análise, e no mínimo, o fim da farsa começa a se descortinar. A era do empregão do gestor apadrinhado, do profissional que se esconde detrás do trabalho dos outros, do executivo que se isenta e se afasta dos problemas e grandes decisões, está em decadência. Dadas as necessárias ressalvas, um mundo novo se desvela.
E é hora de reafirmar – ou de rever – o seu papel nessa realidade.
Em administracao, 33% trabalham, 33% nao trabalham e 33% trabalham contra...