O não-marketing é a nova estratégia?

O não-marketing é a nova estratégia?

No último mês de 2016, dois casos de "marketing negativo" viralizaram e geraram discussões nas redes sociais. Eu prefiro chamar de "não-marketing".

Embora haja quem acredite no pouco reflexo real de um acontecimento virtual, quem atua no marketing digital sabe que não é bem assim.

As mídias sociais se tornaram a ponte direta de comunicação entre a empresa e seus clientes. Espaços como Facebook e Twitter permitem uma conexão direta e ultrarrápida, o relacionamento empresa-cliente é em tempo real. A empresa está sendo observada o tempo todo.

Basta lembrar da teoria dos "graus de separação": de acordo com o próprio Facebook, qualquer um de nós está separado de qualquer pessoa do mundo (como Donald Trump, Bono Vox ou um simples trabalhador paquistanês) por apenas 3,5 contatos.

Daí que seja tão importante a seletividade em relação à equipe ou pessoa responsável por esses canais. Um comentário ou imagem mal interpretada é o bastante para tornar viral não a ideia que se quis passar, mas o que o público captou.

O potencial das redes sociais é alto demais para os riscos serem ignorados. As avaliações negativas, os compartilhamentos "difamatórios" e aquilo que sempre foi a ferramenta de marketing mais poderosa de sempre: o boca a boca, exponenciado pela abrangência da Internet.

O não-marketing e os valores e imagem da empresa

Na teoria, todo profissional de marketing deveria se ater aos valores da empresa, fazendo uma publicidade limpa com base no público consumidor.

No marketing digital, ele fala pela empresa – não por ele. Pelo que é importante não misturar os seus próprios valores, que nada tem a ver com valores institucionais, com os da empresa. Mas esses profissionais não são algoritmos ou robôs: são humanos. E humanos têm preconceitos.

Um equívoco do profissional ao falar em nome da empresa, mancha a imagem da marca – não a dele. E embora a imagem de uma empresa não seja necessariamente fixa, a consistência é uma peça importante do seu relacionamento com o público. É um pilar para construir aquela almejada relação sólida de confiança e credibilidade. Aqui entram os profissionais de marketing.

Eles cuidam dessa imagem e dessa relação. E não são pessoas livres de preconceitos, mas além de ter a obrigação moral de lidar com seus próprios preconceitos pessoalmente, têm a obrigação profissional de não evidenciá-los sob o nome da marca que representa.

Os dois casos recentes de não-marketing

O primeiro a cair na (des)graça do público foi de uma empresa de mobiliário brasileira que levou adiante uma "campanha" de "não-marketing" no Facebook comprando briga e avaliações negativas com mulheres. Chega a parecer surreal quando a situação é transcrita em palavras.

Alguém que representava a empresa teria comentado em um grupo que mulheres não podiam ser boas designers. Curiosamente ou não, quase todas as peças de publicidade da empresa colocavam mulheres semi-nuas hipersexualizadas para "vender" o produto. Sexismo, um preconceito. Publicitado pela equipe de marketing e acatado pela empresa.

Isso gerou uma briga virtual: a mulher compartilhou a discussão e disse que iria solicitar a todas aquelas que pudesse alcançar para avaliar a empresa negativamente na sua página. A empresa, ao invés de se retratar como seria o esperado (considerando que o público consumidor de um negócio do setor imobiliário não é apenas nem majoritariamente masculino), lançou um desafio oferecendo R$10 mil reais em "vale" na loja caso ela conseguisse baixar a nota da empresa para 1 até janeiro de 2017.

O assunto repercutiu na velocidade da luz, como tudo nas redes sociais. E até fora delas. Não só como uma brincadeira de muito mau gosto, mas uma exemplar campanha de não-marketing. E não parou por aí: conforme a jovem desafiada avançava, a empresa resolveu modificar o desafio e jogou o público que a avaliava negativamente, mostrando claro descontentamento e repulsa, contra a própria jovem. Se ela não ganhasse, o valor seria revertido para a Associação de Apoio à Criança com Deficiência.

Preconceito, falta de ética, falta de profissionalismo e não-marketing de uma vez só. Foram mais de 180 mil avaliações negativas em menos de um mês. O pior? A empresa continuou modificando as regras do desafio para criar atrito no público.

O segundo caso, não tão desastroso quanto, mas igualmente ruim, foi com uma empresa portuguesa. Trata-se de uma academia de musculação (ou ginásio, como chamam aqui) que lançou, na sua página do Facebook, dois vídeos muito sexistas como campanha publicitária.

Os vídeos alimentavam, principalmente, a rivalidade feminina e o machismo, gerando revolta não só entre leitoras, mas também leitores homens da página, que criticaram amplamente na publicação e em avaliações negativas. A empresa, ao invés de se retratar, reiterou sua posição e disse apenas que a propaganda não tinha intenção de "atacar nenhum gênero".

Foram quase 800 compartilhamentos, que ultrapassaram as fronteiras portuguesas e foram parar em outros países com pura apreciação negativa. Alguns dos mais de 480 comentários de utilizadores da rede chegavam a ter 500 curtidas cada. Uns eram incisivos: "troquem sua equipe de marketing", "excluam os vídeos", "peçam desculpas", "não volto mais".

E a empresa? Bem, o vídeo ainda está lá.

Falem mal, mas falem de mim... com métricas

Nos dois exemplos, uma diferença: o primeiro foi proposital, o segundo aparentemente não. Embora a ideia fosse "desafiar" e "dar motivos" aos seus consumidores, os responsáveis pela criação do material reforçavam preconceitos que às vezes sequer identificamos, tão naturalizados e enraizados estão em nossa mente.

Mas não houve retratação. A maneira como a empresa lida com a avaliação negativa do público (que deveria ser uma oportunidade para crescer) também diz muito dos seus valores, esses mesmo que são transmitidos através do que pareciam simples publicações numa rede social.

Isso tudo é não-marketing, mas não é novidade. E isso talvez seja a pior parte do problema. O não-marketing não parece um deslize, nem um acaso. Parece, antes, proposital. O novo “falem mal, mas falem de mim”. O motivo? Métricas.

Métricas e resultados são importantes para avaliar a presença virtual e o impacto das ações da empresa na web. Elas são as principais ferramentas dos profissionais de marketing para mostrar o valor e a validade do seu trabalho.

Especialmente no que concerne às redes sociais, cujo foco não são vendas, mas sim visibilidade, prospecção e retenção de potenciais consumidores, bem como uma ferramente para manter o bom relacionamento com atuais consumidores.

Essas campanhas de não-marketing ferem o consumidor. Ferem de tal forma que conseguem ultrapassar os limites fronteiriços de um país, como foi a publicidade da empresa portuguesa. Conseguem que pessoas do Brasil inteiro conheçam uma empresa qualquer do Rio de Janeiro.

Tornar um conteúdo viral é o foco de todo planejamento do marketing de conteúdo de uma empresa. É a chave para conseguir o máximo impacto na meta da visibilidade. E as métricas utilizadas para isso são o engajamento social: compartilhamento, comentários, curtidas, visualização dos conteúdos e da página. E tudo isso é tangível com uma campanha de não-marketing.

O que essas empresas e profissionais deveriam estar se perguntando, entretanto, é: em que medida o quantitativo e não o qualitativo interessa à minha marca?

Eis o paradoxo: números altos e resultados negativos. E a única certeza que resta ao público nesse tipo de campanha é que está sendo completamente ignorado pela marca e que ela não faz a mínima questão de nenhum deles.

É exatamente por isso que não uso o termo "marketing negativo". Afinal, quando dizemos "negativo" estamos fazendo referência à empresa e o foco de toda campanha não deveria ser a empresa em si, mas sim o seu público consumidor. Se não capta o público, se não fala com ele, se não abre as portas para a sua empresa, então não é marketing.


Aline S. Rossi - Consultora SEO & Marketing de Conteúdos

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