O 'negócio'​ da Covid
Fotomontagem a partir de ilustrações da internet free

O 'negócio' da Covid

Nos interstícios da pandemia, a ganância pode estar comprometendo a ética

Onovo coronavírus”, apelido do patógeno SARS-coV-2, responsável por um assustador número de vítimas mundo afora, segue sua cruzada desafiando a ciência, driblando governos e matando pessoas. Quando tudo parece caminhar para um desfecho, eis que novas variantes surgem em diferentes partes do planeta. No meio do caos, o que deveria ser um chamado de proteção à vida resvala para um aparente, e extemporâneo, desejo de lucro.

Desde que surgiu, a atual pandemia mostrou-se tão sombria quanto rentável. Nos primórdios do desespero, quando a maioria dos médicos ainda evitava se posicionar formalmente, as promessas de medicamentos sem eficácia (cientificamente comprovada ou contestada) jogaram o preço da ivermectina & cia para o alto, sendo que até em pet shops se comercializava a droga para uso em humanos. A inflação também alcançou termômetros, oxímetros, nebulizadores e aparelhos de pressão, que ressurgiram a preço de ouro, após sumiço do mercado.

O preço da consulta dos poucos médicos que se pré-dispuseram a tratar pacientes desesperados no auge das contaminações disparou diante da demanda, assim como o de produtos satélites como álcool em gel, máscaras e desinfetantes usados para reduzir a carga viral em ambientes domésticos. Em tempo de desconhecimento e medo, o mercado não hesitou em garantir o seu. As adaptações de condôminos, empresas e instituições em geral viriam em seguida, engordando a conta de prestadores de serviços experimentais neste ramo.

Enquanto ideologias e politizações desnecessárias na ciência e adjacências batiam cabeça, grandes laboratórios disputavam a autoria do melhor imunizante a toque de caixa, com a previsão de riscos colaterais, deixando a população confusa e ainda mais assustada com o noticiário científico e hermético que exigia conhecimento específico para a sua compreensão. Muitos planos de saúde se esquivaram de cobrir os custos de exames e da doença em geral, temendo prejuízos diante do sempre crescente volume de infectados. Tudo isso ocorria enquanto o desemprego galopava, retirando de muitos as chances de custear despesas médicas - e mesmo básicas, como alimentação, moradia e congêneres.

Observe que a contabilidade sempre pareceu antepor-se à necessidade primeira de preservar vidas. Na incoerência – e no folclore! – de alguns controles, eventos impedidos de acontecer surpreendiam-se com estádios lotados (99% dos torcedores sem máscara, bebendo e gritando lado a lado), além de shoppings e aviões domésticos sem exigência rigorosa de exames e vacinas ou checkup de sintomas mais visíveis. Coisa semelhante à velha chamada de prioridades como vantagens dos embarques, que depois disputam um lugar arduamente com os demais passageiros no hiperlotado ônibus até o avião - e depois que descem deles. A proximidade de festas de fim e começo de ano encresparia novas polêmicas adicionadas aos questionáveis métodos de controle.

No Brasil, um presidente com talentos singulares ainda propaga a incompreensível resistência aos controles sanitários propostos pela ciência, com desinformação e arrogância. Na logística internacional, especialmente entre países próximos, exigências de sucessivos laudos de exames locais a preços altos podem estar privilegiando alguns em detrimento de outros, sendo que, muitas vezes, o swab (“cotonete”) não passa da borda das narinas para atender ao imediatismo de resultados favoráveis ao despacho dos turistas - e faturamento dos agentes.

Às populações de baixa renda e em vulnerabilidade social sobram as mandíbulas de uma doença mortal, carentes da ação competente de farsantes políticos mundo afora, sucumbindo à precariedade da gestão pública e à lama da corrupção, ilustrada pelos que ganharam em cima da desgraça alheira em tempo de pânico e mortes em cadeia. Sob um outro ângulo, países mais pobres não tiveram um suporte a contento em termos de ajuda humanitária e viram suas populações se debater nas garras do vírus. Como o mundo é hiperconectado e não existem mais problemas exclusivamente locais, a falta de fraternidade pode colocar variantes ainda mais violentas nos próximos voos para o "primeiro" mundo...

Sem possibilidades de acesso a exames e remédios, uma grande massa torna-se incapaz de alimentar os bolsos de uma ganância que ousa extrair lucro do sofrimento evitável - sem evitá-lo - e acaba excluída até mesmo das estatísticas. A pandemia do novo coronavírus espelha o retrato de um mundo cruel, cuja carência de ética – sobretudo a ética do cuidado – comprova que empatia, compaixão, solidariedade e altruísmo – salvo louváveis e poucas iniciativas pessoais - continuam um sonho muito distante.

Andréa Bazhuni Nimrichter

Coordenadora de Serviços de Apoio e Ouvidora na EMESCAM - Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória

3 a

E a gente acreditando que todos sairiam pessoas melhores desta pandemia, mais humanos e tolerantes……

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