O Paradoxo da Retomada Hoteleira: Números Crescentes, Experiência Decadente?

O Paradoxo da Retomada Hoteleira: Números Crescentes, Experiência Decadente?

Nos últimos anos, a pandemia de COVID-19 trouxe uma disrupção sem precedentes ao setor hoteleiro. As cadeias de valor, estruturas operacionais e, principalmente, o relacionamento com o cliente passaram por mudanças radicais. Com a retomada, os indicadores-chave do setor – como taxa de ocupação, ADR (diária média) e GOP (lucro operacional bruto) – voltaram a alcançar ou até superar os níveis pré-pandemia. Por exemplo, segundo a STR, a taxa de ocupação nos EUA alcançou 68,4% em 2023, comparado a 66,6% em 2019. Contudo, existe uma preocupação crescente que não pode ser ignorada: enquanto os números sobem, a experiência e a satisfação do cliente parecem declinar.

Essa aparente desconexão entre resultados financeiros e experiência do cliente nos leva a um questionamento profundo: Estamos realmente entendendo as novas expectativas e necessidades dos hóspedes? Ou ainda estamos operando sob padrões obsoletos de serviço?


A Visão do Cliente: O Que as Avaliações Nos Revelam?

Analisando as avaliações recentes de clientes, vemos uma preocupação recorrente: o atendimento não está acompanhando as expectativas. Um estudo da J.D. Power revelou que 45% dos hóspedes mencionaram que a qualidade do atendimento ao cliente é mais importante do que o preço. Treinamentos insuficientes e falta de pessoal qualificado têm sido um reflexo comum da rápida retomada. Em um levantamento realizado pela American Hotel & Lodging Educational Institute, 76% dos trabalhadores do setor acreditam que suas habilidades não estão sendo totalmente utilizadas, resultando em uma experiência insatisfatória para o cliente. A experiência imersiva, que gera a fidelização e diferencia uma marca, está sendo comprometida. Como destaca Paul Zak em seus estudos sobre imersão e conexão emocional, as experiências que criam um impacto duradouro são aquelas que envolvem profundamente os hóspedes, apelando para as emoções e os valores compartilhados.

P&D: O Caminho Para Reconquistar a Fidelidade

Para entender melhor essa questão, é necessário destacar a importância da Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) no setor hoteleiro. Tradicionalmente, a hospitalidade foi um setor mais conservador, lento para adotar novas tecnologias e modelos de inovação. No entanto, a pandemia acelerou a necessidade de mudanças, forçando muitas empresas a investirem em P&D para desenvolver novas soluções e aprimorar processos.

P&D, por definição, envolve a criação de novos conhecimentos ou tecnologias para desenvolver ou melhorar produtos e serviços. No contexto da hotelaria, isso significa não apenas investir em tecnologias para melhorar a eficiência operacional, mas também criar soluções inovadoras que otimizem a experiência do cliente, como sistemas de check-in digital, automatização de reservas, e personalização dos serviços oferecidos ao hóspede.

Dados do American Hotel & Lodging Educational Institute (2022) mostram que as empresas hoteleiras que investiram consistentemente em P&D, tanto em tecnologia quanto em experiência do cliente, apresentaram uma taxa de retenção de hóspedes 15% maior que a média do mercado. No entanto, a adoção de P&D ainda é desigual, o que pode explicar a discrepância entre os resultados financeiros e a qualidade da experiência oferecida.

Em minha experiência com desenvolvimento de produtos e inovação, especialmente em estratégias de P&D, percebo que muitos hotéis ainda enxergam o investimento em tecnologia como um custo, e não como uma oportunidade de diferenciar o serviço. Dados de pesquisas recentes revelam que apenas 20% das empresas hoteleiras investem consistentemente em P&D, o que limita a inovação e a capacidade de adaptação às mudanças nas preferências dos hóspedes.

Além disso, um estudo da Harvard Business Review aponta que empresas que investem em P&D apresentam um crescimento de receita 10% a 20% maior em comparação às que não investem. Essa diferença é crucial em um mercado competitivo, onde a personalização e a inovação são essenciais para a retenção de clientes. Seth Godin, no conceito de "Tribos", fala sobre como marcas devem criar conexões genuínas com seus públicos, e isso exige mais do que um simples bom atendimento – exige um serviço personalizado e memorável.

Tecnologias de automação, inteligência artificial e análise de dados sobre o comportamento do cliente estão à nossa disposição para aprimorar essa conexão. Por exemplo, o uso de inteligência artificial pode melhorar as taxas de ocupação em até 10%, segundo a McKinsey. Com uma análise precisa, podemos entender melhor o perfil de nossos hóspedes e antecipar suas necessidades, criando uma experiência fluida e personalizada.

Perguntas Cruciais para os Líderes Hoteleiros:

  • Estamos equilibrando bem a inovação tecnológica com a humanização do serviço? Como integrar soluções de P&D que melhorem a operação sem sacrificar a proximidade com o cliente?
  • Como podemos alinhar nossos resultados financeiros com a experiência do cliente? De que forma podemos adotar uma mentalidade disruptiva e revisitar modelos de atendimento?
  • Estamos preparados para liderar a transformação digital? A liderança hoteleira deve abraçar essa mudança com foco na criação de valor agregado ao cliente.

Conclusão: Uma Nova Mentalidade para os Próximos Anos

Se os números são promissores, a experiência do cliente não pode ser negligenciada. Em 2022, a American Customer Satisfaction Index mostrou que a satisfação do cliente no setor hoteleiro caiu 3,3%, enquanto os números financeiros estavam em ascensão. Líderes no setor hoteleiro precisam alinhar os ganhos operacionais com investimentos sólidos em pessoas, tecnologia e estratégias inovadoras de imersão. Essa abordagem é o caminho para criar uma diferenciação duradoura e fidelizar uma nova geração de hóspedes.

A recuperação é uma oportunidade para revisitar processos, inovar com responsabilidade e garantir que a satisfação do cliente seja a peça central em cada decisão.

A satisfação do cliente deve está incorporada de ponta a ponta na hotelaria: investidores, gestores e colaboradores. A hospitalidade está diretamente ligada a empatia com o próximo. A excelência na qualidade da hospitalidade tem que ser vista pelos investidores como um fator multiplicador e não apenas mero valor agregado. Tão trivial dizer: tratar o outro como quero ser tratado. Mas poucos tem essa visão de progresso.

Rodrigo Ramos

TREINADOR / PALESTRANTE INTERNACIONAL / EMPRESÁRIO / NETWORKER

2 m

Tenho visto e acompanhado muitos produtos de renome no mercado brasileiro que verdadeiramente perderam o encanto, a identidade no "bem servir". Isso realmente está atrelado a uma migração de bons profissionais da hotelaria para outros setores durante a pandemia, assim como demissões de "peças chaves" em cargos de front com o cliente. Mas e os novos contratados, a geração "Z", como estão sendo inseridos nas políticas e culturas de atendimento? Será que estão sendo utilizados "dinâmicas"com intuito de atrair e principalmente reter essas pessoas da nova geração ou seguimos com o mesmos métodos de "palestrinha e apostilas"? Como podemos melhorar o atendimento lá na ponta se a "Cultura do bem servir"se perde ao meio de choque de gerações e interesses? Os números estão aí, não vê quem não quer, agora é saber se estão realmente dispostos a mudar sua maneira de "Treinar"ou se vão apenas comprar mais equipamentos e continuar fingindo que não vê a falta cada vez mais do "Sorriso", "bom dia", "seja bem vindo"... estou cansado de me hospedar em hotéis que equipe passa pelo hóspede e não tem a coragem de dizer "bom dia". Resultados financeiros são necessários, lógico... mas a base da hotelaria, ainda é o serviço.

Cris Fleury

Owner na Fleury Gestão Hoteleira e Empório Haux & Spa

2 m

Ótimo artigo! Tive recentemente uma péssima experiência como cliente no Thermas de São Pedro e como uma apaixonada por hotelaria fico cada vez mais indignada pela falta de compromisso do setor! Estamos ouvindo os nossos clientes ou apenas os escutando?

Luis Araujo

Gerente de alimentos e bebidas com vasta experiência em hospitalidade.

2 m

Muito bacana essa abordagem Luiz Gustavo Alves . Penso que...Na busca incessante pelo lucro, a verdadeira essência da hospitalidade está sendo deixada de lado. O que antes era um compromisso genuíno com o bem-estar e a satisfação do hóspede, agora muitas vezes se perde em meio a metas financeiras e cortes de custos. Hospitalidade é sobre criar conexões, oferecer conforto e antecipar necessidades. Retomar esse foco é essencial para manter a essência da nossa indústria. É claro que resultados são fundamentais para qualquer Empresa, mas é necessário ter um equilíbrio entre a expectativa que eu estou criando para o hóspede e minha margem de lucratividade no negócio.

Fabiano Salgado

Head of Customer Experience | Staff Manager | TedX Speaker | Mentor e Professor de Negócios | Especialista em Liderança, Intraempreendedorismo e Experiência do Cliente | ex-FALCONI e 99

2 m

Excelente texto Luiz Gustavo Alves!!

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