O poder do Market Timing
Prosseguindo no tema que iniciei no post de 14/mai/2020, nele comentei sobre o comparativo publicado por Henrique Castro entre a renda variável e a renda fixa – abaixo, reproduzo algo similar colocando em contraposição R$ 1.000 totalmente investidos no Índice Ibovespa com o mesmo tanto em taxa Selic, ambos ao início de janeiro de 2003.
Por simplicidade supus comportamento totalmente passivo do gestor (nenhuma alteração nas carteiras em todo o período), que ambas experimentam 100% dos efeitos de seu indexador (algo que muitas vezes não se verifica) e também desconsiderei a necessidade de recolhimento de impostos e de enfrentar outros custos.
Esta nova comparação mostra vantagem apenas marginal da renda variável sobre a fixa no período. Entretanto, não raro o investidor que busca a Bolsa também deseja assumir postura ativa, via de regra elegendo as ações que comporão sua carteira. Aqui o propósito é mostrar que parte fundamental desse processo é também selecionar uma alocação de recursos entre ambas as classes – mais que somente uma resposta à aversão a riscos do investidor, é uma oportunidade de amplificação de resultados.
Vale lembrar que tal decisão não deve ser binária (tudo ou nada) – à parte questões estatutárias de alguns gestores, não há muitas razões para se alocar os recursos integralmente em um deles, ou outro. Entretanto, para dar foco e protagonismo ao conceito aqui discutido assim faremos, imaginando que a decisão do gestor para a sua carteira no mês seguinte sempre será estar 100% em renda variável, ou o oposto (renda fixa). É claro, é exercício didático, mas dará clareza ao potencial de ganhos que a estratégia de investimentos encerra.
Assim, replicando com adaptações um interessante exercício didático do Cap. 24 - livro Investments (Zvi Bodie, Alex Kane e Alan Marcus) elaborei a simulação abaixo tendo como regra que a cada mês da amostra por mim selecionada (de janeiro de 2003 a abril de 2020) a carteira acompanharia a renda variável (representada pelo Índice Bovespa) se o seu retorno naquele mês fosse positivo; do contrário, seguiria a renda fixa (representada pela Selic).
Note que explorar tal possibilidade pressupõe modificar a carteira completamente em muitas ocasiões, embora não todas – a simples comparação deste estilo de gestão com a passiva não seria correta sem que se levem em conta os custos de transação das modificações necessárias. Por simplicidade, considerei-os arbitrariamente como 0,5% do nocional envolvido em cada ocasião.
Naturalmente, supor um gestor antevendo o mercado do mês subsequente sob 100% de acertos consistentemente é uma óbvia abstração – ela permite, contudo, que projetemos o substantivo potencial envolvido nessa habilidade de antecipação. Uma vez que (até onde sabemos) ninguém possui tal capacidade de acerto permanente, o passo seguinte é tentarmos inferir um nível mínimo (e factível) para essa eficácia de modo a se produzir resultados superiores aos do investimento passivo e, como já discutido antes, líquidos dos custos de transação (arbitrariamente definido em 0,5%) e das perdas decorrentes de escolhas equivocadas, assegurando assim a comparabilidade.
Para isso, realizamos simulações sob quatro níveis hipotéticos (plausíveis) de acurácia do gestor em suas iniciativas de Market Timing: 50%, 55%, 60% e 65% de acerto. Esses percentuais representam, portanto, a quantidade de modificações acertadas na carteira em relação àquilo que o Perfect Timer teria feito no mesmo período de estudo (208 meses).
Como ao final de cada mês é necessária uma nova escolha binária para o mês subsequente (1 = acerto em relação ao Market Timing perfeito, 0 = não), elas foram simuladas (Excel) mediante a geração de 208 números pseudoaleatórios seguindo uma distribuição de Bernoulli com média ajustada à acurácia em teste.
Essa sintetização (208 escolhas) foi então repetida até totalizar 10.000 diferentes séries para cada nível de acurácia. Isso permitiu a construção de uma densa nuvem de trajetórias para a carteira (inicialmente ajustada em R$ 1.000) constituindo-se então em um variado conjunto de possibilidades para a realização de Market Timings imperfeitos sob mesma acurácia.
Note que cada trajetória tem a mesma frequência média de sucessos – elas diferem entre si no arranjo sequencial dos acertos e erros ao longo da janela histórica adotada, o que fez com que algumas delas gerassem melhores resultados finais que outras conforme a importância econômica dos meses em que esses atores hipotéticos acertaram ou erraram.
Para não apresentar uma visualização poluída, no gráfico abaixo expresso apenas as respectivas medianas (estimadas dia a dia) de cada um dos quatro níveis de acurácia juntamente com a série histórica do Ibovespa no período para uma comparação mais clara. Como já dissemos antes, o efeito dos impostos não é considerado em nenhum dos estilos de gestão (passivo ou ativo).
O exercício mostra que a mediana de um gestor com 55% de acurácia se limita a reproduzir (líquido dos custos) com pequena discrepância os principais efeitos do Índice. Assim, como primeira constatação vemos que desempenhos apenas medianos de gestores com mais de 55% de acurácia teriam feito com que a estratégia (Market Timing) dominasse renda fixa e Ibovespa do período sob gestão passiva.
Entretanto, vale lembrar as 10.000 simulações geradas para 55% de eficácia revelaram haver muitas outras possibilidades quanto ao desempenho (além do mediano) de demonstrar essa capacidade parcial de Market Timing: houve milhares de trajetórias com desfechos piores e – felizmente – outro tanto com resultados finais melhores. É o que as envoltórias que delimitam o intervalo de confiança de 95% demonstram no quarto gráfico abaixo.
Esses números revelam que um gestor com 55% de acerto (número plausível, em nosso ver) em relação aos cenários futuros poderia amealhar significativo valor adicional à carteira – a ressalva é que seus 55% de acertos não poderiam ocorrer aleatoriamente, mas se manifestar em momentos relevantes do desenrolar econômico do Mercado.
Em verdade tais constatações não são novidade para a literatura acadêmica, o potencial de ganho inerente ao Market Timing é expressivo demais para ser ignorado – mesmo acurácias marginais em relação ao acaso talvez já façam significativa diferença se forem oportunas, ou seja, acertarem nos momentos mais decisivos. De fato, essa talvez seja uma habilidade rara de alguns gestores de sucesso: saber a hora de procurar o “porto mais seguro” ou de “aumentar as apostas” os distinguiria dos demais.
Quanto às formas de operacionalizar a iniciativa, a mais indicada é, evidentemente, o uso de derivativos (preferencialmente termos / futuros / swaps ou, alternativamente, opções) em lugar de transacionar diretamente com os ativos da carteira – mas debater os custos e a versatilidade dessa solução é discussão para um outro artigo que requererá um especialista nesse assunto ;-)
Em tempo antes de finalizarmos: a ideia esbarra na acurácia do gestor e tropeça nos custos envolvidos. E ela não admite uma premissa: gestores consistentemente falhos em identificar e se posicionar para esses momentos...
Fechando com três referências para aqueles que desejarem começar a conhecer mais sobre o assunto:
- Investments, Bodie, Kane e Marcus, McGraw-Hill Education; 10th edition – cap.24, p. 857
- Treynor, J.L.; Mazuy, K.K. Can mutual funds outguess the Market? Harvard Business Review, v. 44, n.4, p. 131-136, 1966.
- Chen, Y.; Liang, B. Do Market Timing Hedge Funds Time the Market? The Journal of Financial and Quantitative Analysis, V. 42, n. 4, 2007.
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Jurandir Sell Macedo Martin Iglesias se assumíssemos a incapacidade de prever corretamente, me lembra o exercício sobre estratégia de aportes e retiradas.
Muito bom o artigo, Professor. (e ótimo timing, rs). Obrigado por compartilhar