O que a China espera das gigantes de tecnologia: rendição total!!
O que a China espera das gigantes de tecnologia: rendição total
Ao contrário dos reguladores na Europa e nos EUA, Pequim está usando o pretexto de antitruste para alinhar poderosas empresas de tecnologia com suas prioridades
The New York Times
PEQUIM — Quando Pony Ma, CEO da gigante chinesa da internet Tencent, participou de uma reunião com o premiê Li Keqiang em 2014, ele reclamou que muitos governos locais proibiam aplicativos de compartilhamento de carona.
O premiê pediu uma investigação aos ministros, depois virou-se para Ma e disse:
—Seu exemplo demonstra claramente a necessidade de melhorar a relação entre o governo e o mercado.
Na época, a Tencent havia investido US$ 45 milhões em uma start-up de transporte chamada Didi Chuxing, que veio a se tornar um modelo no esforço do governo para digitalizar e modernizar as indústrias tradicionais.
Quando o presidente Xi Jinping se reuniu com líderes globais de tecnologia em Seattle, em 2015, o fundador da Didi, Cheng Wei, então com 32 anos, estava lá, ao lado de Jeff Bezos, da Amazon, Tim Cook, da Apple, e Ma, da Tencent.
Mas a relação entre Pequim e o setor de tecnologia se fragmentou fortemente no ano passado. E o governo vem apertando o cerco em relação a big techs que planejam abrir capital nos EUA, um segmento estimado em US$ 2 trilhões.
A Didi, assim, tornou-se alvo da ira dos reguladores chineses. Dias depois da oferta pública inicial (IPO) da empresa em Nova York no mês passado, o governo chinês retirou o aplicativo da Didi lojas on-line, com o argumento de proteger a segurança de dados nacionais.
No cerne disso está a questão do que Pequim espera das empresas privadas.
As big techs da China detêm tanto poder quanto suas contrapartes americanas. E, como estas, as chinesas parecem ter se engajado em práticas anticompetitivas que ferem os consumidores, o mercado e os pequenos negócios.
Só que agora quem quiser abrir capital fora do país precisará do aval de um órgão regulador chinês e terá de se submeter cada vez mais ao governo.
Big techs 'na palma da mão'
Diferentemente do que vem ocorrendo nos processos antitruste na Europa e nos Estados Unidos, a China usa o pretexto do monopólio para fortalecer o poder do Partido Comunista, com empresas privadas provavelmente perdendo o que sobrou de sua independência e tornando-se um mero apêndice do Estado.
A represália à Didi equivale a “uma terapia de choque”, disse Benjamin Qiu, sócio do escritório de advocacia Loeb & Loeb em Hong Kong:
— Poderíamos ver mais controle por parte do estado, com a nacionalização de dados em vigor como resultado final.
O Partido Comunista deixou claro, no ano passado, que precisa de “pessoas politicamente sensatas” no setor privado. Elas deveriam ajudar a tornar a China “grande novamente”.
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A mensagem, dizem as pessoas da indústria de tecnologia, é que as empresas precisam provar que são úteis para promover as metas do governo. A Didi não deu atenção, dizem essas fontes.
Para alguns funcionários do governo, a listagem da Didi nos EUA era yang feng yin wei — cumprir publicamente, mas desafiar em particular. A escolha da expressão é reveladora porque ela é frequentemente usada para descrever a traição de um subordinado a um superior.
“Em um momento como este, as empresas de internet que são ‘politicamente incorretas’ encontrarão apenas um beco sem saída”, afirmou o consultor Li Chengdong em um post sobre a Didi nas redes sociais.
À medida que o crescimento econômico da China diminui e as oportunidades encolhem, a crescente desigualdade do país está se tornando uma bomba-relógio aos olhos do partido, que é paranóico em relação a movimentos sociais.
E as empresas de tecnologia estão cada vez mais levando a culpa pela desigualdade, e seus fundadores são criticados como vilões que se aproveitam dos consumidores e forçam os funcionários a trabalharem longas horas.
Pequim não ficou feliz, no ano passado, quando algumas grandes empresas de internet investiram pesadamente em aplicativos que vendem vegetais para residentes locais. Isso porque os aplicativos podem substituir as barracas administradas por famílias de baixa renda.
O governo chinês também perseguiu o Ant Group, a gigante fintech controlada pelo bilionário Jack Ma, em parte porque acreditava que o braço financeiro do grupo Alibaba tornava muito fácil para os jovens tomarem empréstimos, aumentando o descontentamento social.
O governo também reprimiu a indústria da educação on-line, que, para as autoridades, lucram com a ansiedade dos pais. Isso, por sua vez, aumentou o custo de criar filhos, colocando em risco a nova política de Pequim de incentivar os casais a terem mais de um filho.
Em abril, um funcionário do governo passou 12 horas trabalhando como entregador de refeições, apenas para ganhar cerca de US$ 6. Isso desencadeou discussões generalizadas sobre como as plataformas on-line tratam mal seus funcionários.
Tencent, Didi e a gigante do comércio eletrônico Alibaba — conhecidas como empresas de “plataforma” — são agora cidadãos de segunda classe aos olhos do governo, disse um investidor baseado em Pequim.
Empresas de primeira classe desenvolvem tecnologias “reais”, como semicondutores e inteligência artificial, que podem ajudar a China a se tornar mais autossuficiente tecnologicamente, disse ele. Segundo esse investidor, para o governo “as plataformas têm muitos usuários, muitos dados, muito capital e muito poder”.
Nos últimos seis meses, as big techs e alguns grandes empreendedores juraram lealdade e anunciaram ações sociais. A Tencent anunciou em abril que gastaria US$ 7,8 bilhões em energia verde, educação e revitalização de vilas.
Naquele mesmo mês, quatro dias depois de Xi visitar a Universidade Tsinghua, em Pequim, Wang Xing, fundador da empresa de delivery de comida Meituan, abriu uma fundação na universidade. Em junho, Wang doou ações que valiam mais de US$ 2 bilhões para sua própria fundação.
Em maio, Zhang Yiming, fundador da ByteDance, que controla a TikTok, anunciou que renunciaria ao cargo de presidente executivo. Um mês depois, ele revelou uma doação de US$ 77 milhões para criar uma fundação educacional em sua cidade natal.
Ele ainda arquivou os planos de IPO da ByteDance em março, após reunião com os órgãos regulares, segundo o Wall Street Journal.
Uma unidade de negócios da Tencent informou no mês passado que seus funcionários agora têm de deixar o escritório às 18h, às quartas-feiras, e às 21h, nos outros dias da semana. E a ByteDance disse que vai dar um sábado de folga a cada 15 dias, algo comum em empresas chinesas.
Após a repressão da Didi, anúncios semelhantes continuaram chegando. JD.com, uma plataforma de comércio eletrônico, disse na terça-feira que aumentaria o salário médio anual de seus funcionários de 14 meses para 16 meses de pagamento. Na sexta-feira, Lei Jun, fundador da fabricante de smartphones Xiaomi, doou ações no valor de mais de US$ 2 bilhões para duas fundações.