O que vai mudar com a transposição da diretiva europeia sobre seguro automóvel.
O objetivo principal desta alteração é o de reforçar a proteção das vítimas de acidentes rodoviários, assegurando uma maior clareza no âmbito dessa proteção ao facilitar o controlo do seguro automóvel obrigatório.
Se estas diretivas fossem para beneficiar as Seguradoras, com certeza teriam sido aplicadas ainda em dezembro de 2023, mas como são penalizadores, só depois do ultimato da União Europeia vão ser aplicadas?
Muitas das medidas já estão previstas na legislação portuguesa, mas jurista da DECO explica à CNN Portugal que a diretiva vem reforçar a proteção dos consumidores e garantir uma maior igualdade entre os vários países da União Europeia
Portugal tem até 25 de janeiro para transpor para a legislação nacional a diretiva 2021/2118 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de novembro de 2021.
Esta diretiva alterou outra relativa ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade.
A jurista da DECO, explica à CNN Portugal que apesar de algumas medidas já estarem previstas na legislação portuguesa, esta nova diretiva vem, de modo geral, reforçar a proteção dos consumidores. E destaca as seguintes medidas:
1. Proteção do consumidor em caso de insolvência da seguradora
Os lesados, residentes num estado-membro, devem poder reclamar o pagamento da indemnização devida por empresa de seguros sujeita a um processo de insolvência ou de liquidação, junto de um mecanismo de indemnização nesse estado-membro, diz a diretiva.
Isto, explica a jurista, "permitirá um reforço da proteção das vítimas de acidentes causados por veículos objeto de seguros por empresas sujeitas a processos de insolvência ou de liquidação, nomeadamente quando em causa estão danos materiais, até agora não abrangidos pelo Fundo de Garantia Automóvel", uma vez que, até aqui, este fundo apenas cobria os dados corporais.
2. Criação de uma declaração de historial de sinistros harmonizada ao nível europeu
"Nós já podemos pedir isso às seguradoras. O historial de sinistros nos últimos cinco anos é importante para determinar a cobertura dos seguros", explica a Jurista. O que a diretiva prevê é que o uso destas declarações pelas empresas de seguros "não pode implicar um tratamento diferenciado, nomeadamente para efeitos de fixação do prémio, em razão da nacionalidade ou do estado-membro de residência", sublinha a jurista. "É bom haver um documento igual em todos os estados-membros e que estes sejam obrigados a dar o mesmo tratamento a nacionais e estrangeiros."
Além disso, a declaração de historial de sinistros é reconhecida e tratada, da mesma forma, independentemente do estado-membro na qual foi emitida, o que "facilita a mudança de seguradora", dentro da União Europeia.
3. Uniformização dos montantes mínimos de cobertura
O capital mínimo, por acidente, em Portugal, já é de 6.450.000 euros para danos corporais e de 1.300.000 para danos materiais. Mas "é bom que a nível comunitário haja cobertura mínima igual para todos", sublinha Margarida Moura.
Os montantes mínimos do capital seguro são objeto de atualização periódica, a cada cinco anos, mediante ato delegado da Comissão Europeia, em consonância com o índice harmonizado de preços no consumidor. Isto, afirma a especialista, "assegura a igualdade da proteção mínima das pessoas lesadas em toda a União".
4. Fiscalização da existência de seguro no caso de veículos provenientes de outro estado-membro
O cumprimento da obrigação de seguro é fiscalizado pelo estado-membro em que o veículo tem o seu estacionamento habitual ou no qual entrou na União Europeia. A Diretiva 2009/103/CE estabelece um princípio de abstenção da fiscalização específica transfronteiriça da obrigação de seguro em relação a veículos que tenham o seu estacionamento habitual noutro estado-membro ou no território de países terceiros e entrem no seu território a partir do território de outro estado-membro.
Mas, tal como explica a jurista, esta diretiva permite "a realização de controlo não sistemático, efetuado de forma não discriminatória, desde que não tenha por objetivo exclusivo a fiscalização da referida obrigação e não exija a imobilização do veículo, designadamente tendo em vista o controlo por meios digitais de reconhecimento de matrículas. Adicionalmente, reforçam-se os requisitos referentes ao tratamento de dados pessoais desse controlo, nomeadamente em matéria de conservação dos mesmos".
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5. Estabelecimento de um regime facultativo de certificação pelos estados-membros de ferramentas de comparação de preços do seguro automóvel
As ferramentas de comparação independentes são um meio fundamental para os consumidores terem informação e poderem avaliar as diferentes ofertas de preços e coberturas de contratos de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel num único sítio, não tendo assim de recolher informações separadamente junto dos diversos operadores (e poupando tempo), explica Margarida Moura.
A diretiva prevê que a ASF - Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões possa certificar ferramentas de comparação de preços e coberturas. "Seria interessante que a própria entidade reguladora tivesse uma ferramenta", avança a Jurista da DECO, "São ferramentas úteis para o consumidor e permitem poupar tempo, desde que proporcionem uma perspetiva abrangente do mercado e sejam imparciais e transparentes."
6. Uma bicicleta elétrica também tem de ter seguro?
Esta diretiva procedeu à revisão das definições de “veículo a motor” e de “circulação de veículo”, o que, à partida, segundo a jurista da DECO, "traz claros ganhos em termos de segurança e certeza jurídicas relativamente à aplicação do regime" a veículos como as bicicletas e as trotinetes elétricas.
A questão não se coloca relativamente aos veículos partilhados, uma vez que nesse caso o seguro é sempre obrigatório (é a empresa locadora que tem essa obrigação), mas coloca-se se for um veículo privado.
"O legislador adotou uma definição baseada no peso e na velocidade dos veículos e decidiu que não iria abranger os veículos mais pequenos, porque entendeu que à partida não são suscetíveis de causar tantos danos às pessoas e que se os fosse incluir neste conceito estaria a impedir a inovação e ia comprometer a aceitação de veículos mais recentes", explica Margarida Moura. No entanto, "deu a liberdade aos estados para, se quisessem, alterar esta noção de veículos para outro tipo de veículos com motor utilizados no solo".
"Esta é uma questão pertinente", avisa a jurista. "Temos de saber se o Governo vai ou não alargar este conceito."
Embora a diretiva considere que não existem provas de que estes veículos provoquem lesões à mesma escala de automóveis e camiões, a Jurista recorda um estudo da AMT - Autoridade da Mobilidade e dos Transportes que reconhecia que, apesar de não ser suposto, muitos destes veículos elétricos conseguem atingir velocidades superiores a 25 km/hora.
"Faz ou não sentido exigir seguro? O Estado português pode fazê-lo e isto deve ser ponderado. Nós estamos a dizer que é o que deve acontecer, mas, independentemente da opção, o legislador deve justificá-la com base em evidências. O que está em causa é a segurança das vítimas e a responsabilização em caso de acidente."
Por este novo prazo não ter sido respeitado, o executivo comunitário voltou hoje a insistir, referindo que Bulgária, Espanha, Letónia, Malta, Portugal e Roménia dispõem agora de um mês para responder e adotar as medidas necessárias. "Caso contrário, a Comissão poderá decidir remeter os casos para o Tribunal de Justiça da União Europeia", adianta Bruxelas.