O RECENTE PROCESSO DE DIGITALIZAÇÃO NO DIREITO SOCIETÁRIO BRASILEIRO
(*publicado na Revista Judiciária, Portugal, em novembro de 2020)
O direito societário brasileiro tem assimilado, nos últimos anos, importantes avanços à medida em que se incorporou mais tecnologia ao controlo administrativo do registo mercantil e uma estrutura mais ágil de coordenação dos diversos serviços estatais a ele associados.
Ainda assim, os dados divulgados anualmente pelo Banco Mundial indicam uma sensível dificuldade brasileira no processo de abertura de empresas, cujo indicador, somado à complexidade do sistema tributário, colocam o Brasil na 124ª posição dentre 190 economias ao redor do mundo.
Visando abreviar e simplificar os procedimentos de registro e legalização de pessoa jurídicas, o Governo Federal criou, no ano de 2007, através da Lei nº 11.598, a Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócio, o REDESIM, o qual foi apresentado como o início de uma série de iniciativas do Poder Público Federal com foco na eficiência registral por meio da virtualização de processos.
Mais recentemente, devido à ainda resistente pandemia da Covid-19, foram introduzidas outras importante alterações na forma em que empresas puderam passar a formalizar atos societários, num ambiente marcado pela forte restrição de circulação de pessoas e a consequente crescente oferta de serviços de base tecnológica que permitem a prática de uma série de atos à distância ou de forma semipresencial.
Os serviços de registro público de empresas mercantis e atividades afins são exercidos no Brasil pelo Sistema Nacional de Registro de Empresas Mercantis, o qual tem sua composição formada, centralmente, pelo Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (“DREI”) e, no âmbito dos estados da República Federativa do Brasil, pelas Juntas Comerciais, a quem cabem funções de execução e administração dos serviços de registro mercantil de empresas.
Com a premissa basilar de reduzir tempo e custo dos empresários e investidores na criação de empresas e prática de demais atos societários, o REDESIM visou fomentar as atividades empresariais no país por via da desburocratização dos procedimentos registrais, integrando os órgãos envolvidos no registro, inscrição, alteração, baixa e licenciamento de pessoas jurídicas, por meio de um único canal de apresentação de dados e de documentos, acessado pelo portal online da rede. Em outras palavras, tratou-se da junção informatizada de sistemas, colocados à disposição do público para realizar procedimentos de registro e legalização das pessoas jurídicas, no âmbito da União, Estados e Municípios, com a finalidade de promover a padronização de fluxo e unicidade dos processos, interligando os diversos entes públicos que dele participam, tais como órgãos de registro, administrações tributárias nas esferas federal, estadual e municipal e órgãos licenciadores, tais como aqueles competentes para regular questões sanitárias, de segurança e meio ambiente ligadas à atividade empresarial.
Observadas as particularidades de cada estado, o processo de virtualização do registro público de empresas mercantis no Brasil, em regra, permitiu a digitalização de todo o acervo de documentos até então arquivados em vias físicas pelas Juntas Comerciais, bem como a definição do sistema online como meio único e exclusivo de apresentação de demandas junto ao órgão registral. Entretanto, para além disso, as etapas do processo de registro empresarial passaram a ser unificadas em todo território nacional e integradas no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas e em todos os órgãos e entidades responsáveis pelos licenciamentos pertinentes à atividade pretendida, incluindo os municípios e os órgãos estaduais.
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Seguindo a referida tendência, no ano de 2020, o DREI realizou amplo processo de revisão das suas normativas, alterando diversos dispositivos que se relacionavam, de forma direta e indireta, com as etapas e requisitos legais do processo de registro de pessoas jurídicas. De forma exemplificativa, restou estabelecido que os atos de constituição, alteração e extinção de determinados tipos societários passariam a ser aprovados de forma automática na plataforma online de registro, caso os sócios optassem pela utilização de instrumentos padronizados pelo DREI. Adicionalmente, dispensou-se a legalização de firmas e cópias por cartórios notariais em quaisquer documentos apresentados e arquivados nas juntas comerciais, o que facilitou sobremaneira o processo.
Um outro aspeto importante a fim de garantir a segurança frente às ações de automatização e desburocratização dos processos foi a validação de documentos através de certificados digitais dos seus signatários, assegurando a validade jurídica dos atos praticados pelos seus titulares. Neste sentido, o país conta com o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação - ITI e a ICP-Brasil Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira, órgãos públicos que garantem a inviolabilidade dos certificados digitais, o que dispensa a assinatura física e outros procedimentos de legalização associados.
Tomando como exemplo o estado do Ceará, o processo de formalização de empresas leva em média 12h para constituição automática de empresas, 2 dias para inscrição estadual emitida pela Secretaria da Fazenda do Estado e 7 minutos para obtenção da inscrição municipal da Secretaria de Finanças da Cidade de Fortaleza, capital do Estado do Ceará. No caso de constituição automática da pessoa jurídica, quando o ato societário segue modelo disponibilizado pela Junta Comercial, o tempo de aprovação é de quatro horas para arranjos societários de Empresário Individual, Empresa Individual de Responsabilidade Limitada e Sociedade Limitada. Ademais, o prazo de resposta das etapas que envolvem consultas à Secretaria da Fazenda Estadual e Municipalidade é de duas horas.
Em suma, todo o processo de formalização e registro é feito em apenas um dia. Ademais, o período da pandemia pela COVID-19 acrescentou outras importantes mudanças associadas ao direito societário brasileiro, as quais, ainda que descritas como emergenciais e transitórias, tiveram importante reflexo no dia a dia das empresas.
Para além de importante alteração que permitiu que empresas realizassem assembleias gerais em até sete meses após o fim do respetivo exercício fiscal e prorrogação dos mandatos dos administradores e membros do conselho fiscal, passaram a ser admitidas, conforme previsto na Lei 14.010/2020, as deliberações de sócios por meio eletrônico em reuniões e assembleias, independentemente de previsão em tal sentido nos atos constitutivos correspondentes. Assim sendo, a manifestação dos participantes passou a poder ocorrer por qualquer meio eletrônico indicado pelo administrador, desde que o sistema adotado assegure a identificação do participante e a segurança do voto.
O próprio Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração publicou instrução normativa 79, que dispõe sobre a participação e votação à distância em reuniões e assembleias de sociedades anônimas fechadas, limitadas e cooperativas. Tal participação poderá ser semipresencial quando os acionistas, sócios ou associados puderem participar e votar presencialmente, no local físico da realização do conclave, mas também à distância; ou digitais, quando os acionistas, sócios ou associados só puderem participar e votar à distância, caso em que o conclave não será realizado em nenhum local físico.
Em qualquer caso, a sociedade deverá adotar sistema e tecnologia acessíveis para que todos os acionistas, sócios ou associados participem e votem a distância na assembleia ou reunião semipresencial ou digital, podendo contratar terceiros para administrar, em seu nome, tais reuniões ou assembleias, permanecendo a sociedade responsável pelo cumprimento das disposições legais a que está obrigada para a realização do ato, além do dever de manter arquivados todos os documentos relativos à reunião ou assembleia semipresencial ou digital, bem como a gravação integral desta, pelo prazo aplicável à ação que vise a anulá-la.
Espera-se que ambos os movimentos, quer os que foram consolidados na Rede Simples, quer os mais recentes editados em face da pandemia da COVID-19, acelerem mudanças há muito desejadas no ambiente de negócios no Brasil, incrementem a segurança jurídica, aumentando a previsibilidade do ordenamento jurídico, inclusive para a atração de investimento estrangeiro direto tão relevantes para a economia do País.
Presidente do conselho da PRIME PLUS
4 mGenial!
Sócio | Partner RSA- Law Firm
4 mEste o meu contributo nessa revista com o título: O Investimento Estrangeiro na Lusofonia 👇
Sócio | Partner RSA- Law Firm
4 mA estatística mostra que, para o BOM investimento, a segurança jurídica é essencial 👇