O silêncio da gente. Por Tiago Barbosa
Existe um processo em curso no Brasil para cassar a voz de quem se atreve a contestar a ordem estabelecida pelo poder corrosivo da elite político-econômica do país. E ele é mais óbvio durante o processo eleitoral com a tentativa de rotular e eliminar o discurso progressista.
A estratégia para calar Lula consiste na supressão de qualquer possibilidade de fazer a voz do ex-presidente chegar aos ouvidos do povo. O silenciamento explica o rocambolesco domingo de guerra de liminares, o descumprimento de ordens judiciais e o conluio jurídico-midiático montado para afastar o petista dos debates eleitorais.
A mensagem é clara: “Não interessa o que ele pode dizer. Está calado.”
O candidato Ciro Gomes é constantemente execrado pela verborragia e pelos arroubos de indignação diante da falência da conjuntura nacional. A crítica ao estado das coisas mantido e insuflado para castigar pobres e privilegiar ricos é ignorada por recortes enviesados e construídos com o propósito de pintá-lo como intempestivo.
“Não interessa o que ele diz. É desequilibrado.”
O psolista Guilherme Boulos é um representante genuíno de movimentos sociais e porta a voz de uma demanda urgente. Mas tem o discurso pelo acesso à moradia frequentemente distorcido e manipulado para soar criminoso diante do direito à propriedade privada. O exame da função social dos imóveis é ofuscado pelo cultivo do medo irracional da desordem urbana.
“Não interessa o que ele diz. É criminoso.”
O cerceamento a Manuela D’Ávila precede a indicação à vice do PT. E capricha nos tons misóginos. Não à toa, a então candidata enfrentou recorde de interrupções durante o Roda Viva porque não estava ali para ser ouvida. Era parte involuntária de um teatro montado por uma atrofia jornalística para silenciá-la enquanto mulher.
“Não interessa o que ela fala. Mulher não tem nada a dizer.”
São quatro exemplos de silenciamento operado por um reacionarismo à brasileira protegido e embalado com tons jornalísticos – mas, na verdade, tutelado para exterminar qualquer alusão a bandeiras de esquerda, marcadas pelo enfrentamento à desigualdade e pela inclusão dos menos abastados.
A censura controlada é ainda mais evidente (e indigesta) pelo tratamento benevolente dispensado à trupe da direita – mesmo ao fascismo embutido nas excrescências de Bolsonaro.
O ex-militar exorta crianças a simular o uso de armas, ofende mulheres, negros, gays, mas não é referenciado pelo caráter delitivo da conduta ou pela violência das manifestações públicas. A ele, é dado o benefício da massificação do discurso através da tibieza midiática em condenar a postura criminosa – e as palavras, livres, ecoam como encanto para a horda de seguidores.
O único silêncio ao redor de Geraldo Alckmin, o preferido da mídia tucana, é sobre as falcatruas nas quais assessores dele são flagrados. Mas os crimes chegam às manchetes sem mentores, como se partissem de uma subquadrilha atuante sob indiferença dos mandachuvas do partido – tratamento jamais ofertado a PT e companhia de esquerda. E arquivem-se os casos chegados ao STF!
O período eleitoral deve levar ao paroxismo a sanha censora da direita e seus tentáculos midiáticos usados para calar a esquerda, mesmo quando encenar o debate de propostas – nos bastidores, a orquestração é para desqualificar os emissores, evitar a reflexão sobre os discursos e impedir a identificação com quem representa interesses populares.
Afinal, o que pode sair da boca de “um mudo”, “um desequilibrado”, “um criminoso” e “uma mulher”?
No fundo, o silêncio deles é o silêncio da gente.