Em algum boteco de Curitiba no verão de 2023
Cerveja vai, cerveja vem, quando um amigo perguntou qual era minha opinião sobre as mudanças no cenário mundial de juros e seus impactos nas empresas de tecnologia, em especial as startups.
- Sei que é meio paradoxal, mas, a meu ver, os tempos de socialismo de Marx acabaram e as regras pétreas do capitalismo irão vencer novamente - respondi.
- Garçom - falou meu amigo - suspenda a cerveja do rapaz pois ele já está para lá de Marrakesh!
- Não, não - continuei, é o seguinte: Durante os últimos 20 anos, vivemos em um mundo de taxas de juros muito baixas, próximas de zero ou até mesmo negativas. A combinação de excesso de dinheiro em circulação e a escassez de bons ativos resultou no nascimento de diversas empresas. O empreendedorismo mundial nunca na história foi tão apoiado. Rios de dinheiro fluíram para ideias inovadoras, disruptivas e que pudessem mudar o mundo. Mas, para mudar o mundo, primeiro tem que conquistá-lo e é aí que as bandeiras vermelhas do socialismo entraram em ação.
A essa altura do campeonato, até a turma da mesa ao lado estava prestando atenção na minha esquizofrênica tese de finanças. Dei mais um gole na cerveja e continuei.
- A estratégia para expansão mundial foi padrão para a maioria das startups - subsidiar os preços para que todos pudessem consumir. Ora, se Marx pregava que a burguesia mercantil tinha que direcionar seus ganhos para que a população vivesse melhor, foi exatamente isso que aconteceu! Durante quase uma década as principais empresas de tecnologia foram deficitárias, literalmente queimaram bilhões de dólares dos seus investidores em prol do consumo de bens e serviços para toda uma população que até então nunca tinha tido acessos a esses bens. Classes C e D puderam andar de táxi (Uber) a um preço super acessível. Puderam ter conta bancária e acesso a cartões de crédito (fintechs), algo até então inimaginável. A classe B viajou mais do que nunca com a redução violenta dos gastos com hotelaria (airbnb), ainda, puderam vender seus carros, algo até então imprescindível, e colocar algum no bolso, pois a mobilidade urbana estava resolvida. Sem contar com os inúmeros “cash backs” que as empresas de deliveries davam para a primeira compra ou indicação de amigos. Tudo isso - enfatizei, a custa de prejuízos bilionários da iniciativa privada. Dinheiro saindo dos mais favorecidos para os menos privilegiados. Só que a festa acabou! O mundo entrou em crise, a globalização recuou, uma guerra começou e as taxas de juros dispararam e é exatamente nessa disparada que o capitalismo cruel e selvagem, como dizem os vermelhos, voltou à cena. Juros altos significam não só dinheiro mais caro como mais escasso. Toda a lógica de precificação de ativos mudou. Prejuízos de longo prazo passaram a não mais serem aceitos e crescimentos sustentáveis, mesmo que mais lentos, são a nova ordem financeira. Os preços irão subir e infelizmente boa parte da população não terá mais acesso a produtos e serviços que, até então, a farra do dinheiro barato permitiu que tivesse. Viu, como as startups foram socialistas? - perguntei finalizando meu discurso.
Todos ficaram mudos me olhando com “cara de conteúdo”.
- “Garçom, mais um chope por favor.”
E a prosa continuou, mas agora falando sobre papos de bar.
Sócio no Dalcomuni, Dutra e Colognese Advogados
1 aResumindo: a conta que era vermelha agora tem de ser azul!
O preço "barato" de serviços veio as custas de precarização do trabalho. Entregadores e motoristas migraram de serviços com mais direitos pra atuar em apps que eram lucrativos no inicio, pra ganhar market share, e diminuiram a remuneração dos trabalhadores assim que dominaram o mercado. A burguesia não diminuiu preço pra população acessar serviços, mas sim pq eles acumularam TANTO capital que agora podem se dar o luxo de queimar por uns anos, até ganhar o mercado e super explorar trabalhadores novamente (só ver as condições de entregadores hoje). Situação parecida acontece no ensino superior, um grupo gigante brasileiro entra numa cidade com faculdade super barata, quebra a faculdade local, e então demite professores qualificados e fica só com trabalhadores baratos e precarizados, quando alunos não tem mais opcao. A burguesia não ajuda a cidade nesse caso, é só uma diminuição temporária de preço pra lucrar mais depois. Socialismo é diferente disso. A burguesia "cede" os meios de produção no socialismo, pros trabalhadores atuarem sem intermédio de parasitas burgueses. Espero que a diferença fique mais clara agora, e parabéns pelo interesse em socialismo, com mais estudos eu imagino que você vai curtir ainda mais!
Diretor de marcas. ZEEKR•PEUGEOT•CITROEN
1 aSensacional e já podemos então pouco tempo sentir isso nos negócios e no consumidor. Sem falar no alto índice de endividamento do brasileiro. Parabéns e forte abraço MP.
SR&T Regulatory and Financial Risk Consultant II at Deloitte
1 aExcelente, Perillo! Abraço!
Ricardo Lopes de Moraes Advocacia e Conselhos
1 aMais uma vez uma excelente aula sobre finanças e a sociedade atual, para bens pelo papo de bar.