Os analfabetos das redes sociais
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Os analfabetos das redes sociais

Quem me conhece sabe que me considero como um animal político desde que me entendo por gente e que por “animal político”, considero ter visão crítica sobre as coisas ao meu redor, procurar entender as conexões entre os fatos e dados, saber haver interesses e vontades por detrás de cada rosto, oferta e cor e que o mundo tem muitas camadas. Sim, o mundo do animal político é uma cebola.

Brecht dizia que o pior analfabeto era/é o analfabeto político. Se você nunca leu o texto ou viu sua declamação sugiro fazê-lo agora. É lindo e fantástico e fundamental. E isto tem tudo a ver com redes sociais, com as relações que construímos para além das nossas bolhas ou dos 135 seres que conseguimos ter como tribo. Ele tem razão, mas como na sua época não havia rede social como temos hoje (no máximo um caderno de telefones ou uma rede de correspondentes via cartas e telegramas) o texto fica um tanto incompleto. Ou melhor: não o texto, mas a intenção.

Há vários tipos de analfabetismo (o que é óbvio), mas um que precisa ser endereçado urgentemente é o Analfabetismo das redes. No tempo da internet a vapor, quando as trocas de informações se limitavam a e-mails ou fóruns em BBS, havia regra até para o tipo de assinatura, para o uso de emoticons ou de caixa alta nos textos. Foram as raízes da netiqueta que foram mudando, morrendo e renascendo como seria esperado num ambiente tão jovem.

E o que acontece quando algo muda e não temos a etiqueta para lidar mais com ele? A resposta é: damos tilt. Não sabemos como reagir e passamos a chamar o outro de errado, de inconveniente. Pior, dizemos que “aqui não é seu lugar”.

Notem que fazemos isso com tudo que nos incomoda: com o bebê que chora no avião (e nem nos tocamos que tudo pode ser estranho para ele), com as pessoas que dormem na rua (e não nos tocamos que pode ter duzentos e vinte e oito motivos para elas estarem ali), com o cara que posta no LinkedIn uma matéria política (que nos incomoda quando é do partido oposto, normalmente).

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Me lembro quando a rede Secret estava bombando e eu passeava por lá. Levei o “você é velho demais para estar aqui” na cara diversas vezes. Claro que respondia: “onde está escrito isso?”. O que que é de “jovem” e o que é de “cringe”? O que é de profissional e o que é de ser humano? Onde pode A e não pode B?

Bom, regras como essas “aqui não entra adulto” ou “aqui não entra homem” servem para garantir segurança e são exceções. Ou seja, deixa-se claro o que não pode para garantir a integridade de quem está dentro e nas redes sociais isto não é diferente. Há redes sociais eróticas onde deve-se manter os menores de idade fora. Há redes de investigação policial ou intranetes bancárias onde a segurança de dados é primordial. Tirando isso, onde estão as regras que determinam que aqui não pode A ou não pode B. Elas estão na subjetividade.

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Uma outra regra na netiqueta, vinda do início das redes sociais, era não copiar desnecessariamente todo mundo (o famoso cópia carbono, cc) num e-mail e claro que isso era/é praxe em toda corporação que eu trabalhei. Vai que uma das pessoas que estava ali *precisava* ser copiada e removia sem saber quem era. E toma-lhe spam interno corporativo. Para o Facebook e Instagram era o “arrobar” a galera em posts nada a ver. Cansei de dar bronca em quem fazia isso, mas é a vida.

Mais uma era não ofender desnecessariamente o coleguinha. Mas esta nunca foi popular. Eram comuns as “flame wars” e os e-mails de discordância e de concordância e de discordância da discordância ou de concordância da discordância e de vice-versa disso tudo aí. Fios infinitos que iam do nada ao lugar algum e muita, muita, muita energia (elétrica) gasta.

A derradeira era não usar e-mail HTML para economizar dados. Essa é defunta por questões de Outlook (maldito!), mas confesso que hoje em dia já curto e faço uso comedido dos recursos.

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O comportamento de alijar quem nos incomoda é uma das expressões mais comuns da outrofobia. É enjaular um algo que nos aparenta ser diferente sem ao mesmo compreender o porquê dele estar ali. O ovo do milênio chinês é intragável para mim — não concebo nem pensar em comer — mas tem uma função, um motivo e um espaço naquela sociedade. Não como, mas entendo, simpatizo e respeito. O queijo “mofado” francês é de meu apreço (minha filha odeia) e tem uma função, um motivo e um espaço naquela sociedade. Como, simpatizo e respeito.

Há coisas que me incomodam ideológica, social e psicologicamente, mas sempre tento fazer o movimento de olhar para quem fala e entender o porquê daquele discurso. Não exercito tanto quanto gostaria, claro, mas é sempre a intenção. É um exercício de ceticismo humanista, de partir de um ponto do qual sei nada, reconheço minha ignorância e tento ouvir o outro para conseguir ver os blocos que montam seu discurso, seu jeito de pensar. É um assumir-se ignorante perante o outro e dar de si com sinceridade, sem assumir postura de autoridade ou dogmática, o conhecimento paralelo que tem de outras coisas da sua vida. Dizem que isso é o ouvir ativamente. Eu chamo de reconhecer o outro. Desse jeito, desmonto em mim, paulatinamente, o “outro” e passo a transformá-lo em “nós”.

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Comecei o texto pensando no comportamento das pessoas em redes sociais e me lembro agora que essas são reflexos de nós mesmos. Não despeja o ódio quem não o tem dentro de si; não distribui informação ou sabedoria, quem não tem. O ato de dar carinho ou atenção vem de quem sabe quão bom é receber isso em si.

Adoro ler os comentários das redes, dos jornais, da vida. Nem sempre me orgulho dos meus comentários, menos ainda de todas as minhas postagens, mas me entristece ver quem ainda acha que só sua regra é que vale para o mundo.

É o pequeno ditador que mora num clique de distância de si.

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