A PANDEMIA DA FORÇA MAIOR – A REVISÃO CONTRATUAL EM TEMPOS DA COVID-19

A PANDEMIA DA FORÇA MAIOR – A REVISÃO CONTRATUAL EM TEMPOS DA COVID-19

Eclosão no território chinês. Itália e Espanha em estado de desolação absoluta. Estados Unidos, antes minimizando o problema, atualmente se tornaram o novo epicentro da pandemia ocasionada pelo Sars-Cov-2, o novo coronavírus que carrega a Covid-19 pegou o mundo inteiro de surpresa colocou praticamente 1/3 da população mundial em quarentena.

A fim de se evitar um caos completo no sistema de saúde global, diversos países, acertadamente, tem recomendado (e até mesmo impondo) a limitação de acesso de sua população (o famoso isolamento social) na expectativa de achatamento da curva de contaminação e, consequentemente, assegurar tratamento adequado a todos que precisarem de acesso ao sistema de saúde.

A consequência (inevitável, infelizmente) disto se dá no abalo sensível das relações econômico-sociais, impactando, como não poderia ser diferente, os contratos da vida civil.

Abrupta redução salarial, ou a repentina supressão de receita com a determinação do fechamento do comércio de produtos e serviços não essenciais, até mesmo o fechamento de fronteiras e, em alguns casos mais extremos, aeroportos que acabou por impedir a chegada de determinada matéria prima importada. Tudo virando de cabeça para baixo e de uma hora para outra, sem prévio aviso e... sem previsão.

Diante de cenários como estes um princípio clássico do Direito começou a ganhar destaque que há muito não se via. O princípio da revisão dos contratos, também referido pela expressão em latim Rebus sic Standibus, ou ainda Teoria da Imprevisão.

Tal princípio encontra presença no art. 478 do Código Civil (CC) dizendo, em poucas palavras, que se uma relação contratual, diante de um evento extraordinário e imprevisível (basicamente, Força Maior), se tornar excessivamente oneroso a uma das partes, o contrato poderá ser desfeito, sem ônus, pela parte prejudicada.

A teoria da imprevisão é perfeitamente aplicável em casos relacionados à Covid-19, afinal, o que pode ser mais imprevisível e incontrolável do que a repentina chegada de um vírus que coloca o planeta inteiro em quarentena e paralisa boa parte das relações econômico-sociais gerando impacto nos mais diversos setores?

Mas isto significa, então, que presenciaremos o desfazimento em massa de negócios? Para certo alívio geral, não tende ser este o caso, vez que o objetivo da legislação não é rescindir contratos, mas sim ajustá-los, reestabelecendo o necessário equilíbrio entre as partes contratantes à semelhança do cenário fático ao qual o instrumento foi feito, sendo, este, inclusive, o recado passado pelo art. 479, também do Código Civil, ou seja, de que a rescisão contratual poderá ser evitada se houver uma equitativa modificação das condições contratuais.

Note-se, inclusive, que a revisão contratual também caminha de maneira harmonizada ao que traz o novo art. 421-A do CC, introduzido pela Lei da Liberdade Econômica e que traz uma presunção de paridade e simetria aos contratos realizados entre pessoas físicas e também entre empresas, ressalvadas as hipóteses de relação de consumo, pois tuteladas pela Lei nº 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor.

Isto porque, referido artigo da lei civil, embora imponha a presunção de equilíbrio da relação contratual, também abre espaço para uma excepcional revisão, que é exatamente o caso decorrente da atual realidade mundial.

Ressalva-se, também que se diante de uma relação de consumo, o Código de Defesa do Consumidor não exige a presença de força maior, mas apenas a ocorrência de um evento superveniente que onere o consumidor, imprevisível ou não. Agora quando a parte afetada é o fornecedor, perfeitamente aplicável é a teoria da imprevisão, desde que a relação original seja equilibrada.

Tem-se, portanto, que a pandemia da Covid-19 também fez eclodir uma pandemia da Força Maior, esta afeta aos contratos que poderão ser relativizados, flexibilizados e em último caso rescindidos a fim de se preservar o necessário equilíbrio entre estas relações.

E como este retorno ao equilíbrio poderá se manifestar? As opções são inúmeras e deverão ser tratadas de maneira harmônica e pensadas dentro do universo de cada modalidade de contrato, sendo que os casos mais comuns tenderão a ser: (i) revisão/afastamento de cláusulas penais; (ii) dilação de prazos para cumprimento da obrigação/entrega de coisa; (iii) moratória para pagamentos; (iv) revisão de valores etc.

É importante frisar a necessidade de se agir com parcimônia, equilíbrio e, acima de tudo, solidariedade e lealdade neste cenário, não se podendo a parte prejudicada tratar o trágico cenário com oportunismo, tampouco a outra apenas preocupar-se com o proveito econômico da operação e enxergá-la como a oportunidade da sua vida.

Como costuma dizer minha esposa com a sabedoria que lhe é peculiar “entre 08 e 80 existem 72 possibilidades”, cabendo às partes o equilíbrio e discernimento necessários para melhor se chegar a um consenso, já que o distrato, em tempos de crise, é, certamente, o pior desfecho, seja ao ganancioso, seja ao oportunista, devendo a boa-fé ser uma importante baliza em tempos de crise.

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