Pilar da Liderança - CEO

Resposta ao desafio lançado pela minha querida Ana Mendonça 🐝 .

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Era uma quarta-feira aparentemente normal, quase no final do dia, quando a minha manager, a Luísa, me chamou para uma conversa.

Sempre que havia uma urgência a Luisa optava por me ligar ou por vir ter comigo. Tínhamos uma relação de proximidade, havia uma boa dinâmica entre nós as duas. Raras eram as vezes que a Luisa me chamava ao escritório dela para me sentar e conversar...principalmente tão perto das 19h.

 O ambiente na sala estava como sempre: organizado, lean, zen, mas havia algo na expressão dela que me deixou com o coração nas mãos. 

Sentei-me, a espera de uma bomba ou de algum tipo de feedback menos positivo: o típico “Ai, o que é que eu fiz?”  ou o típico “Flashback” em que revês todos os e-mails, chamadas, agenda, compromissos que tinhas e que apesar de teres a certeza de que não estás em falha com nada, alguma coisa pode ter sido mal interpretada. 

Mas o que eu estava prestes a ouvir era totalmente inesperado…

— Pilar, tenho uma notícia para te dar que tu não estavas à espera...bom, nem tu, nem ninguém, na verdade. — começou a Luísa, com uma voz calma, mas séria. — O Eduardo, o nosso CEO, vai afastar-se por seis meses por motivos pessoais… — ela fez uma grande pausa. Uma pausa tão longa que consegui lembrar-me que não tinha descongelado nada para o jantar e que não podia esquecer-me de passar numa das nossas lojas antes de voltar para casa para comprar qualquer coisa. 

A verdade é que eu não estava a compreender porque é que a Luisa me tinha chamado para conversar comigo para me dizer que o CEO se ia afastar por uma temporada. Ela respirou fundo, e sorriu com um ar maternal de orgulho e continuou:

— E, depois de algumas reuniões com o Board, decidiram que querem que sejas tu a substituí-lo temporariamente.

Por um momento, senti o mundo parar. Senti uma enorme vontade de rir a borbulhar-me estômago acima e a ficar presa nas minhas bochechas coradas. Eu? Assumir o lugar do Eduardo? O meu papel sempre foi na área comercial, focada em estratégia de vendas e na relação com fornecedores. Nunca me tinha sequer passado pela cabeça liderar toda uma empresa, especialmente numa área tão complexa como a grande distribuição alimentar.

— Eu?! — respondi, incrédula. — Luísa, não sei o que dizer… Nunca assumi funções executivas e o Eduardo… Porquê eu?

A Luísa sorriu e acenou, de forma tranquilizadora.

— Eu sei que é um choque, Pilar. Também fiquei surpreendida quando me contaram. Mas, depois de muito debate, o Eduardo e o Board concordaram que precisamos de alguém que consiga lidar com pressão e que tenha uma visão próxima e humana sobre a empresa, e distante do fórum da administração. Houve alguém que te recomendou a ti, e eu não poderia estar mais de acordo. Tens um conjunto de soft skills que é exatamente o que precisamos agora. E, claro, vais ter o apoio da equipa de gestão. Não estarás sozinha. E o meu apoio também!

Respirei fundo, enquanto tentei processar a informação. Ser CEO, mesmo que de forma temporária, significava enfrentar uma série de responsabilidades e decisões que nunca sequer imaginei ou pensei estar pronta, ou capaz. E, além disso, quem teria sugerido o meu nome para este desafio?

Aceitar o desafio foi um passo de coragem, mas inevitável… A decisão estava tomada e estava. E eu não sou de recusar desafios. 

 Na segunda-feira seguinte, entrei no escritório com um misto de ansiedade e determinação, agora como CEO interina de uma das maiores cadeias de grande distribuição alimentar do país. 

O dia começou cedo, com a primeira reunião às oito e meia da manhã com o Board.

— Pilar, sabemos que esta transição será um desafio para ti, mas confiamos na tua capacidade de adaptação. Vamos apoiar-te em tudo o que for necessário, mas também queremos ver-te a liderar com o teu próprio estilo. — disse um dos membros do Board, tentando tranquilizar-me.

A responsabilidade era vertiginosa! 

A grande distribuição envolve um ritmo louco, desde a gestão dos centros logísticos à relação com fornecedores, o acompanhamento das equipas nas lojas e as negociações com marcas para garantir os melhores produtos ao melhor preço. A gestão da marca e a gestão da frescura dos bens alimentícios, a gestão de prazos de validade. A gestão da formação legalmente exigida de toda a empresa, a Segurança no Trabalho. A rentabilidade.  

Cada decisão tinha um impacto direto em milhares de colaboradores e clientes.

A primeira decisão que tomei foi aproximar-me do negócio. E como? 

Precisava de uma visão mais clara do terreno, para compreender verdadeiramente os desafios das operações. 

Em vez de avisar as equipas e planear visitas formais, resolvi fazer algo diferente: visitei várias lojas e centros logísticos sem avisar ninguém, completamente sozinha. 

Queria perceber como estavam realmente as coisas, sem preparações ou visitas artificiais.

Numa das minhas visitas ao centro logístico de Alverca, encontrei-me com o António, o responsável pelo armazém. Quando cheguei, ele ficou visivelmente surpreso.

— Pilar, não esperava a tua visita…Já sei que ficaste no lugar do Eduardo. Parabéns! Mas… Costumam avisar-nos das visitas com antecedência… As coisas estão complicadas por aqui agora… Como é que te posso ajudar?

— António, vim sozinha e sem avisar de propósito. Quero ver as operações como realmente as coisas são no dia-a-dia. Quero ouvir de ti diretamente quais são os principais desafios que enfrentam e como é que os podemos melhorar. O que está a correr bem? O que não está?

O António hesitou, mas depois sorriu, talvez aliviado por não ter de seguir o protocolo habitual.

— Bom, a verdade é que, muitas vezes, tomam-se decisões que afetam diretamente o nosso trabalho sem que tenhamos uma palavra a dizer. A logística é o coração da distribuição, e qualquer pequeno atraso pode criar um efeito dominó nas lojas.

— Entendo perfeitamente o queres dizer. E é por isso que estou aqui. Precisamos de melhorar a comunicação entre os departamentos e garantir que a administração está alinhada, consciente e conhecedora das vossas necessidades. Vamos trabalhar juntos para perceber qual o sintoma, as causas e qual a cura mais rápida e eficaz.

— Pareces uma Doutora a falar, Pilar - disse em jeito de auto descompressão. Estava visivelmente constrangido por ter alguém da administração a escutá-lo, talvez sentisse que não era merecedor. 

Depois de ouvir o António e outros membros da equipa, saí de lá com uma lista de pontos a analisar e com a certeza de que esta abordagem era a correta. Senti o meu peito a encher-se de ar e de luz, senti-me conectada com o meu propósito. 

 Decidi que iria continuar a visitar várias lojas e centros logísticos pelo país, sempre sem aviso, para garantir que tinha uma percepção genuína das condições e dos desafios que as equipas enfrentavam.

Apesar das minhas boas intenções, nem todos estavam contentes com a minha abordagem mais prática e próxima. Houve gestores que se mostraram muito resistentes, habituados a uma liderança mais distante e focada nos resultados financeiros. Mas, aos poucos, a equipa começou a perceber que a minha intenção era unir forças, e não interferir nem substituir o trabalho de ninguém.

Numa das reuniões semanais com a equipa de gestão, abordei a questão da colaboração entre os departamentos de logística e o comercial e as operações de loja:

—  É urgente melhorar a coordenação entre as equipas. Existem ótimas sugestões a surgir tanto dos centros logísticos como das lojas, mas que nem sempre chegam até a este fórum. Não queremos procurar responsáveis pelo entupimento no canal de comunicação, queremos sim incentivar a que ela flua. Vamos implementar um sistema para recolher esses feedbacks e garantir que todos são pelo menos discutidos e, se viáveis, implementados. Há sempre aquele receio de que escutar em proximidade, traga facilitismos e “achismos”, mas eu acredito que com a comunicação, com a vulnerabilidade, com a franqueza também vem o compromisso e a responsabilidade torna-se uma consequência natural. 

Houve um momento de silêncio na sala, seguido por alguns sorrisos de aprovação. Eu sabia que estava a propor algo disruptivo, mas era necessário. O Eduardo, que estava a participar na reunião, online, acenou com a cabeça e disse:

— Pilar, estás a fazer um excelente trabalho. Continua assim.

Os seis meses passaram num ápice. 

Cada semana trazia novos desafios, mas também novas conquistas. Fui-me sentindo cada vez mais confortável no papel, não por achar que tinha todas as respostas, mas porque aprendi a confiar na minha capacidade de escutar, adaptar e agir.

Quando o Eduardo regressou, pleno de energia e com os temas pessoais organizados, tive uma última reunião com ele e com o Board. Era hora de passar novamente o testemunho.

— Pilar, o que fizeste aqui foi notável. Nunca duvidei das tuas capacidades, mas superaste todas as expectativas. Queremos convidar-te a permanecer na equipa executiva, como Diretora de Operações. Precisamos de alguém como tu para continuar a fazer a ponte entre as lojas, os centros logísticos e a gestão.

Emocionada, mas em consciência de que existia verdadeiro mérito no que chegava até mim e que era fruto das sementes de esforço que durante seis meses a fio dediquei à função, aceitei a proposta, grata pelo reconhecimento.

Acima de tudo, motivada para continuar a contribuir para o crescimento da empresa. Ter passado por esta experiência como CEO temporária mostrou-me que a verdadeira liderança não está apenas em ocupar uma posição, mas em transformar e inspirar.

Assim, com um novo título e um novo desafio, abracei o futuro com a mesma determinação e curiosidade que me trouxeram até aqui. Afinal, liderar é, acima de tudo, estar disposto a aprender e a crescer, diariamente.