Por que a sucessão familiar quebra empresas?

Por que a sucessão familiar quebra empresas?

Na última semana, conversei com três pessoas de empresas diferentes, mas com problemas comuns: a sucessão familiar de suas empresas. Nem todas tinham constituições societárias efetivamente familiares (consanguíneas), mas compartilhavam aquele sentimento comum de frustração, angústia e desesperança de quem já tentou de tudo na busca por alinhamento e um pouco de harmonia no processo de garantir que o negócio dure mais do que a vida de quem está no comando hoje.

Isso não é um privilégio de poucos empresários. Pelo contrário, cerca de 90% das empresas no Brasil, segundo dados do Sebrae e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), são familiares. Na economia, os negócios construídos em família são responsáveis por 65% do PIB e por 75% dos empregos. Ou seja, um grande mar de desafios ao se pensar no futuro de empresas que muitas vezes estão constituídas na centralização e controle de um grande profissional fundador.

E aqui mora o primeiro obstáculo para a longevidade de uma empresa familiar: a despersonalização da figura do fundador na gestão do negócio. Um segundo desafio a ser vencido é a constituição de protocolos de governança profissionais, que regulem as relações de um negócio acostumado, muitas vezes, à politicagem dos relacionamentos e alianças. Por fim, fica o desafio de garantir uma transição segura para as lideranças que ficam e aquelas que partirão para novos momentos de carreira, aspecto que ultrapassa a objetividade dos planos e abraça aspectos subjetivos e psicológicos.

Uma pausa para contextualizar o desafio da sucessão familiar

Um estudo global desenvolvido pela PwC mostrou que a maior parte das empresas familiares não resiste ao afastamento do seu fundador. De acordo com o relatório, apenas 1/3 das companhias com bases familiares chegam à segunda geração. Destas, somente 15% chegam a passar o comando à terceira geração.

Quais os principais motivos para esses resultados?

  • Falta de planejamento: envolvidos nas rotinas diárias da empresa, muitos fundadores esquecem de planejar o futuro.
  • Escolha errada: o sucessor escolhido nem sempre tem habilidade empreendedora, afinidade com a área ou a preparação necessária para o cargo.
  • O “fantasma” do fundador: é bastante comum que o fundador transmita sua essência e personalidade à empresa, mas essa característica não pode impedir que o negócio tome novos rumos.

Sucessão familiar não é um evento, mas um processo

Em minha experiência na Consense, o primeiro passo para um bom processo de sucessão, antes mesmo do planejamento, está na mudança da mentalidade do fundador e de sua família. Entender a sucessão familiar como um processo e não como um evento é elemento chave para o sucesso de toda a cadeia de eventos sucessórios que seguirão.

Um evento, assim como um projeto, é delimitado por um começo, meio e fim. Já um processo tem características cíclicas, que permitem as idas e vindas naturais de um desafio como a sucessão. A sucessão precisa estar no DNA de uma organização que entende a finitude da contribuição de seus líderes como um processo natural e, desta forma, a coloca nas pautas de suas discussões com o mesmo nível de importância que a estratégia, a cultura e os resultados.

O problema é que o tom agridoce dessa conversa a torna muito rara, empurrando decisões importantes de tal forma que, quando é necessário agir, tudo já está mais difícil, rígido e inflamado. O que resta é um grande evento traumático, seja quando o fundador se afasta de forma compulsória, seja quando a sucessão familiar acaba acontecendo cheia de confrontos, inseguranças e rancores.

O modelo das 3 dimensões para a longevidade da empresa familiar

Entender a sucessão como processo já é um grande passo para agir de forma efetiva na construção dos elementos que permitirão que o momento da sucessão aconteça de maneira perfeita, harmônica e definitiva, certo?

Errado. Risos.

A mentalidade evita o desastre, mas demanda também um bom entendimento de que, para uma boa sucessão, é preciso planejar e agir sobre os elementos organizacionais que permitirão a sobrevivência do negócio em um novo momento de sua trajetória. Ou seja, a sucessão acontece não apenas para o fundador, mas para toda a organização, para o negócio em si.

E é aqui que entra o Diagrama das Três Dimensões, modelo desenvolvido em 1978 por John Davis e Renato Tagiuri, muito utilizado em processos de sucessão de empresas familiares. Esse modelo nos ajuda a entender as forças envolvidas em uma empresa deste tipo e, por consequência, todo o trabalho atrelado à preparação da organização para essa transição.

Modelo de Três dimensões da empresa familiar

O desenho coloca em intersecção as três forças que constituem uma organização familiar: família, propriedade e gestão. Com o modelo, é possível não apenas mapear as partes interessadas incluídas em cada dimensão e nas suas intersecções, como também entender os artefatos de governança a serem construídos para delimitar os espaços de cada dimensão.

Detalhamento de partes interessadas em cada espaço do modelo

Adicionalmente, o modelo nos permite entender quais ações e caminhos precisam ser realizados para conduzir a transição da organização para o próximo estágio. A construção dos artefatos demanda um aumento significativo da maturidade da organização como um todo, não apenas de seus elementos de governança.

Exemplos de instrumentos associados às dimensões do modelo

Exemplos de iniciativas organizacionais essenciais em processos de sucessão:

Mudança de estratégia e propósito: Talvez este seja o aspecto mais lembrado em processos de transição, já que é comum que a estratégia de uma empresa familiar esteja completamente ligada aos objetivos do fundador. Sua saída pode representar uma ausência de rumo e futuro. Desta forma, é fundamental que se analise a necessidade de se revisar ou criar um plano de futuro, que inclua a definição de um propósito que traga um novo sentido para o trabalho das pessoas, que em muitos casos pode estar ligado ao serviço ao fundador. Porém, como vou relatar a seguir, esta não é a única iniciativa.

Revisão da estrutura organizacional: Em geral, ao iniciar um processo de sucessão familiar, existe grande necessidade de se revisar a estrutura de cargos e funções do negócio. Isso acontece principalmente em empresas familiares com pouca profissionalização e uma grande incidência de paternalismo e política nas relações, que pode vir das características de gestão de seu fundador e do envolvimento em menor ou maior grau de familiares na dimensão da gestão. Cabe ressaltar que neste aspecto, muitas vezes, é fundamental revisar a capacidade das lideranças atuais de cumprirem seus papeis no novo cenário da organização. É comum aqui acontecerem mudanças no grupo de executivos e no nível gerencial.

Vale ressaltar aqui que pensar na sucessão das lideranças da organização é fator decisivo para a evolução da empresa como um todo. Recentemente, publicamos um e-book específico sobre o Modelo do Pipeline de Lideranças, que amplia o olhar de sucessão não apenas para fundadoras, mas para toda a liderança. Para baixar o material, acesse aqui.

Revisão da estrutura de tomada de decisão: Além da criação de um Conselho de Família, que vai abrir espaço para discussões fundamentais da família empresária, o vácuo que pode surgir dentro da organização pela ausência de seu fundador pode criar dinâmicas de busca pelo controle prejudiciais para o negócio. Por isso, é fundamental avaliar a necessidade de se criar protocolos formais de tomada de decisão. Desde uma definição clara de autonomia para os papéis em si, como a elaboração de uma trilha de reuniões e comitês formais, que funcionarão como grupos colegiados com autonomia sobre aspectos mais coletivos da empresa, como a gestão estratégica e a integração gerencial do negócio.

Gestão da cultura organizacional: A cultura costuma ser negligenciada em processos de sucessão tanto por falta de conhecimento quanto por medo de lidar com temas muitas vezes delicados e subjetivos. Porém, o cuidado com a cultura envolve entender que existe uma transição natural entre um momento e outro e que isso precisa ser gerenciado. Lembrando ainda que a cultura precisa suportar o cumprimento da estratégia, citada acima, e que também está em transição. Desta forma, é quase que inevitável que neste momento se pense na cultura como um todo e de forma constante.

Outros aspectos muito sutis a serem considerados em processos de sucessão

  • A possibilidade do luto organizacional pela saída do fundador do comando;
  • O excesso de energia do sucessor em colocar o seu formato de gestão em prática;
  • O possível medo não declarado do sucessor em não ser bom o suficiente, especialmente se for um herdeiro ou “pupilo” do fundador;
  • As resistências de alguns grupos de funcionários mais próximos do fundador em aderir ao sucessor ou ao novo modelo de trabalho/ estratégia implantados;
  • O fato de que, em muitos casos, não é apenas o fundador que está em processo de sucessão, mas outras lideranças da empresa também;
  • O desafio exponencial de incluir um CEO profissional, quando este for o caso;
  • A possibilidade de o próprio fundador ter sido um gargalo para o crescimento do negócio, demandando mudanças mais drásticas de posicionamento e estratégia;
  • A ausência concomitante de profissionalismo na gestão, revelando problemas graves de tomada de decisão e gestão, que antes eram centralizados no fundador;
  • O impacto do afastamento do fundador na relação com o mercado, clientes e funcionários;
  • A possibilidade de as pessoas encararem com alívio a saída do fundador, considerando que ele pode ter um comportamento hostil e autoritário;
  • Em casos como este, vale ainda analisar a capacidade da liderança formada por este fundador de comandar o negócio, já que lideranças autoritárias costumam ter dificuldade de formar líderes autônomos e protagonistas.

Todos os exemplos acima dependem do nível de maturidade da organização e devem ser analisados caso a caso. Nossa experiência na Consense sempre se deu com empresas pequenas e médias em crescimento, o que nos permite olhar de forma ampla para este segmento. Existem inúmeras outras iniciativas que precisam ser avaliadas neste movimento. O sucesso da sucessão virá do cuidado e da sensibilidade deste trabalho de análise e planejamento.

Como pode ser visto, resumir a sucessão familiar a um evento pode ser muito perigoso para o futuro da organização. E na maior parte das vezes, essa mentalidade é o que mais dificulta um negócio de alcançar a longevidade. Certa vez, ouvi de um fundador que admiro muito a seguinte frase:

“Eu não tenho mais o direito de definir sozinho os rumos desta empresa, pois ela cresceu e se tornou um organismo independente de mim, com centenas de famílias que merecem minha responsabilidade nesse momento (de sucessão).”

Esse é o pensamento que ajuda a tornar a sucessão um processo não apenas de transição de um indivíduo, mas um processo de amadurecimento da própria organização em algo mais evoluído e em evolução constante. Abraçar o processo de sucessão desde o início é fator decisivo nos negócios que se tornarão relevantes e expoentes da capacidade humana de deixar legados para o futuro.

Se você quiser saber mais sobre sucessão e conversar sobre o tema, pode nos chamar pelo falecom@consense.com.br. Será um prazer trocar ideias sobre o futuro de sua organização.        

Em um artigo anterior, escrevi sobre a importância do alinhamento entre os sócios, mesmo em empresas não familiares, para continuar sua leitura sobre o tema, clique aqui.

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Anderson Siqueira é fundador e educador na Consense, especialista em desenvolvimento organizacional, governança e cultura corporativa.

Adriana Luz

Head Comercial | Mercado Livre de Energia | Membro do Comitê de Gestão do Future Is Now

6 m

Muito bom Anderson Siqueira 👏👏👏👏👏 vejo muito esse tema em conversas com o Leonardo Correia de Araujo /Advogado de Negócios , assunto de grande importância.

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