Por que você deve investir na leitura?

Em meu trabalho como instrutor de voo, existe uma constante que também é comum em boa parte da população e que me fez analisar a questão com mais abrangência:

No início do voo, o piloto-aluno faz, dentre outros, o chamado "Briefing de Emergência", que se resume em verbalizar os procedimentos a serem seguidos em caso de uma emergência na decolagem. Uma das possíveis emergências é o avião, por algum motivo, perder o controle ainda na corrida de decolagem, ou seja, "perder a reta". Quando fazem esse briefing, uma inusitada parcela dos pilotos-alunos fala "...em caso de perca de reta...".

A dor que acomete a alma ao ouvir isso é indescritível. E não se trata de pessoas iletradas. Para ser piloto é necessário ter o segundo grau completo e muitos já possuem até curso superior. Mas, mesmo assim, cometem um erro crasso como esse.

Não estamos falando de erros de digitação ou falhas gramaticais, os quais estamos todos sujeitos - eu, mais do que gostaria. O português é uma língua muito rica e, consequentemente, complexa: estamos falando é de um problema sistêmico em que erros são transmitidos como vírus e, pela repetição coletiva, acabam se estabelecendo. É como o velho conhecido "mais" usado no lugar de "mas", que, dependendo da região, já até faz parte do sotaque/dialeto e, assim, leva as pessoas também à gafe de escrever dessa forma.

Por vezes comento, como uma forma de conselho, com o aluno-piloto: "Imagina você como passageiro num avião de uma conhecida companhia aérea. Está sentado na poltrona esperando a decolagem. O avião é novo, a tripulação é elegante, impecavelmente uniformizados e penteados e, para estarem ali, passaram por um suado treinamento. É nesse momento que o piloto através das caixas de som por todo o avião, informa aos passageiros: "apesar da chuva, nosso voo não vai ter nenhum pobrema". De nada adiantou todo aquele cenário. O piloto acaba de jogar na sarjeta toda credibilidade da companhia.

"É claro que você nunca vai ouvir isso numa cabine", continuo para o aluno, "Da mesma forma que também não ouvirá a tripulação falar nas instruções de segurança 'em caso de perca de pressurização, máscaras cairão...'. E não ouvirá essas coisas por um simples motivo: é muito pouco provável que quem não fala o português básico corretamente seja contratado por uma empresa dessas."

Não que isso defina a capacidade do piloto de voar uma aeronave. Mas define que tipo de profissional ele é. E isso se aplica a todas as outras profissões: vemos pessoas que, mesmo tendo estudado e se formado, são constantemente flagradas numa "perca de reta".

O problema não é só educacional, mas muito mais cultural: o brasileiro não lê.

Os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a ler e não leem.

- Mário Quintana

Eu sempre ouvi uma história que conta que só em Buenos Aires há mais livrarias do que em todo o Brasil. É claro que isso é uma lenda. Mas não se assuste: ela não está muito longe da realidade.

Num levantamento feito em 2014, o Brasil tinha 3095 livrarias. Buenos Aires: 734. A relação de livrarias per capta da capital Argentina, supera - e muito - a mesma relação no Brasil. E vamos levantar outro dado importante: o Brasil tem 5570 cidades. Podemos então dizer com muita tranquilidade (e tristeza) que, pelo menos, metade das cidades do Brasil não tem uma livraria sequer. E vamos somar isso ao fato de que, até pouco tempo atrás, não existia a facilidade de comprar livros pela internet.

A leitura traz ao homem plenitude; o discurso, segurança; e a escrita, precisão.

- Francis Bacon

A leitura vai muito além dos óbvios benefícios de enriquecer o vocabulário e auxiliar numa notável melhora da fala e da escrita (fatores esses que, por si só, já são importantíssimos para a vida profissional): ela desenvolve o senso crítico, a inteligência, a empatia e a capacidade de compreensão do outro; estimula o raciocínio e ativa tantas áreas do cérebro, que seus efeitos superam o desenvolvimento intelectual e interferem, beneficamente, na nossa saúde física - e muito.

Uma pessoa que não lê, portanto, não possui tão desenvolvidos o senso crítico, a inteligência, a empatia e a capacidade de raciocínio como aquela que lê. Além disso, ainda impactará negativamente na percepção dos clientes de uma empresa e, por tudo isso, não se surpreenda se isso pesar contra uma contratação um dia.

A leitura engrandece a alma.

- Voltaire

Com uma população em que 50% não lê (30% nunca comprou um livro) - e não estamos falando de analfabetos - vemos claramente uma sociedade em que falta, dentre outros, exatamente aquilo que a leitura proporciona.

Mas como ler? Muitos pensam se tratar de uma vocação, talento inerente ou genética. Pode ser. Mas antes de tudo, é um hábito. Assim como ir à academia se exercitar desenvolve os músculos, ler desenvolve o cérebro. E ler, assim como malhar, não é uma tarefa que fazemos com naturalidade pela primeira vez. Pode ser até um pouco cansativo, mas é preciso ter disciplina para, vagarosamente, ir se tornando um hábito, até que passamos a viver só os bons resultados, tornando o hábito em si algo prazeroso.

Comece lendo histórias que te atraiam. Dedique alguns minutos por dia para ler, e mantenha um mínimo de página(s) por dia (comece com uma quantidade que seja confortável para você). Na internet você encontra muitos sites com mais dicas para começar a ler.

Muitos homens iniciaram uma nova era na sua vida a partir da leitura de um livro.

- Henry David Thoreau

"Ah, mas o que faço profissionalmente não importa se falo corretamente ou não". Tudo bem. Faça isso por você, como pessoa, então. Seu "eu" do futuro vai agradecer.