Porque é que o polícia não autua o condutor embriagado?

Porque é que o polícia não autua o condutor embriagado?

Em Agosto, investi horas atrás de horas a estudar o relatório de estabilidade financeira do Banco de Portugal, como faço todos os anos.

Este ano mais tarde, dado que o relatório é de início de Julho, mas com a mesma vontade.

Há uma série de coisas que saltam à vista neste último relatório, nomeadamente:

  1. Elevada exposição da banca a dívida pública doméstica, dizendo o BdP “A elevada exposição do sistema bancário português à dívida pública doméstica constitui uma via de contágio entre o risco do soberano e o dos bancos.” Esta subiu mais de 180% em 2019 (relativamente a 2018), segundo o BdP.
  2. Esta exposição aumentou também “nos diferentes subsectores do sistema financeiro”. Diz o BdP taxativamente ainda “Esta exposição continua a constituir uma vulnerabilidade do sistema bancário português.”

A explicação para a “contaminação”, que surge devido à necessidade de aumento de dívida para fazer face ao impacto do COVID19 é tecnicamente bem explicada pelo BdP:

“A exposição a títulos de dívida pública gera um canal direto de propagação do risco do soberano para o setor bancário pela materialização do risco de mercado. Se o título estiver avaliado ao justo valor, as variações de yields afetam diretamente o seu valor de balanço que, por sua vez, tem impacto sobre o capital próprio. Alternativamente, se o título estiver registado a custo amortizado, a flutuação decorrente das variações de mercado não é registada, tal só acontece quando o título for vendido. Para mitigar os potenciais impactos daqui decorrentes é importante que as instituições articulem adequadamente o modelo de gestão desta carteira com as suas reservas voluntárias de capital, ou seja, com a sua capacidade para absorver perdas derivadas da concretização desses riscos e que exista uma diversificação adequada do país emissor dos títulos, incidindo sobre soberanos cujas yields não apresentem uma elevada correlação positiva e/ou cujo rating dos títulos seja elevado.”

Desde há algum tempo (anos) a esta parte que sou crítico quanto a vários MOs da banca portuguesa.

Como investidor, é até melhor que a banca portuguesa conceda crédito sem barreiras, porém como cidadão olho para esse dado com preocupação.

A crise do sub-prime e a crise da soberana estão bem na minha cabeça. Mas também está presente a história dos lesados do Banif, dos lesados do BES e de outros casos recentes na banca portuguesa.

Pergunto-me como será vivida a próxima crise. Que moldes e contornos terá.

Para perceber isso, faremos uma radiografia do que se passa.

Hoje, a banca portuguesa tem uma elevada exposição a dívida pública e a crédito habitação. 

Tudo o que é fácil, a banca faz. 

O que é difícil… bom é mais difícil.

O BdP adianta que a exposição da banca ao sector do turismo é “contida”, e que os efeitos do COVID19 serão também eles controlados.

Mas pergunto se a banca objectivamente sabe que percentagem de imóveis e que volume do stock do crédito habitação estão alocados a imobiliário que integram atividades ligadas ao turismo.

Gostava de ver esses dados.

Até lá, eis o que eu vejo:

  1. O imobiliário em Portugal está nos 120 pontos (par de 2015), de acordo com os dados ecoados pelo BdP (gráfico I.1.28), que provêm do INE e da OCDE. Por mercados, o BdP não dá valores e o INE também não*.
  2. O BdP anda há vários relatórios a dizer, taxativamente ou não, que o imobiliário tem claros sinais de sobrevalorização, com o qual concordamos em absoluto.
  3. A exposição da banca a crédito habitação continua acima dos valores de 2007-2010. Peço agora para reler a frase que acabou de ler, por favor. Está hoje em 37.1%, o que compara mal com 36% e 34.8% para 2009 e 2010. Não obstante, o BdP diz que o perfil do mutuário é agora muito melhor do que era, devido às regras macroprudenciais de 1 de Julho de 2020.
  4. Elevada exposição da banca e sector financeiro em geral a dívida pública doméstica, dizendo o BdP, como disse acima: “A elevada exposição do sistema bancário português à dívida pública doméstica constitui uma via de contágio entre o risco do soberano e o dos bancos.”

Ora, de forma resumida, diz o BdP que:

  1. O imobiliário está sobrevalorizado.
  2. A banca está muito exposta ao imobiliário.
  3. Os mutuários são de “qualidade” melhor que anteriormente, mas a verdade é que o sistema económico e financeiro estão muito vulneráveis (ao efeito COVID).
  4. A dívida pública vai subir e o risco de default também.
  5. A banca está muito exposta à soberana.
  6. O BdP diz que a exposição ao turismo é controlada. Até acredito, excepto em imobiliário afeto ao turismo.
  7. E poderia dar mais alguns dados relevantes.

Mas posto isto, impera uma pergunta:

Dada a situação, porque é que o BdP não impõe majorações nas afetações da banca a determinados investimentos?

Porque é que a banca não é forçada a diversificar a sua carteira de CH e dívida pública, especialmente num contexto em que ambas têm riscos elevados?

Isto parece o polícia que diz que não autua o senhor que vai embriagado porque “já conduz há vários anos bêbado e só bateu algumas vezes, nunca houve mortes”.

Não percebo e tenho dificuldade em aceitar (porque rejeitar não posso).

Talvez o novo governador do BdP, o proclamado “Ronaldo das Finanças” Dr. Mário Centeno, possa analisar e resolver este problema?

Ou no mínimo que alguém fale nele, em vez de se assobiar como se nada se passasse?

Artur Mariano.

*Na Arrow temos os mercados - cidade por cidade - catalogados pelo gap de valorizações.

Excelente análise Artur. Só de referir que as regras macroprudênciais foram impostas em 2018 e não em 2020. Cumprimentos e continuação de um excelente trabalho!

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