Foi o cliente que pediu
A desculpa é recorrente e costuma servir como justificativa para as maiores barbaridades: informações sem sentido, textos desconexos, estratégias de divulgação equivocadas e por aí vai. “Mas foi feito assim porque o cliente pediu, oras”, justifica um. “E se um dos responsáveis por garantir o pão nosso de cada dia nos pede uma coisa, devemos dizer amém. Certo?”
Bem, errado.
Quem trabalha com comunicação sabe que as demandas que chegam até nós são as mais variadas – e, muitas vezes, as mais absurdas. Nesses anos todos, já vi um pouco de tudo. Já perdi a conta de quantas divulgações na imprensa foram solicitadas para ações corporativas que não tinham o mínimo apelo jornalístico. Se todos esses conteúdos de fato se transformam em material de divulgação, pobre do repórter que fica na redação caçando algum assunto minimamente interessante entre toneladas de e-mails de assessorias mil com pautas irrelevantes.
Há alguns anos, um “especialista” em mobilidade me solicitou um texto sobre as ciclovias de São Paulo no qual centrava suas críticas no uso da cor vermelha das vias, a mesma do partido do governo municipal. Eu conversava com ele justamente para colher as informações, uma vez que quem escreveria o texto seria eu, mas para ser assinado pelo cliente. Quando ouvi o comentário sobre o vermelho, não pude me conter. Como um desses pobres ciclistas urbanos que passa poucas e boas no caótico trânsito paulistano, adquiri o hábito de ler tudo sobre mobilidade urbana. Por isso, sabia de cor e salteado que em muitas cidades do mundo o vermelho é a cor oficial das ciclovias.
- Como em Barcelona, afirmei.
- Mas em Nova Iorque eles pintam de amarelo, disse ele.
- E em Amsterdã usam o vermelho, disse eu.
Nesse momento, venci a disputa. Eu poderia ter simplesmente escrito o que ele queria, já que não era o meu nome que apareceria ao pé do texto. Mas meu bom-senso falou mais alto. E o artigo foi bem recebido em alguns veículos de comunicação.
Esse caso serve como exemplo de que é importante termos em mente que os especialistas em comunicação somos nós e que somos contratados para garantir os melhores resultados possíveis aos nossos clientes. Isso, de certa forma, nos obriga a argumentar e propor uma solução mais adequada quando nos deparamos com solicitações que contrariam esse propósito.
Essa é a razão pela qual não costumo concordar com o uso da frase “foi o cliente que pediu” como justificativa para um trabalho mal feito. Há maneiras e maneiras de lidar com as demandas, porém é preciso sempre ter em vista a nossa responsabilidade como encarregados da área de comunicação do cliente – ou ao menos parte dela.
Em tempo: é importante lembrar também que, algumas vezes, as agências de comunicação são a ponta final de um processo que gosto de chamar de "transferência de batata quente". O presidente passa para o diretor de marketing, que passa para o analista, que encaminha a tarefa para nós. Portanto, em muitos casos, argumentar pode significar dar murro em ponta de faca. Mas só há uma maneira de descobrir: fazendo o nosso trabalho.