Quo Vadis Engenharia Civil?
Tenho 23 anos de experiência como Engenheiro Civil. Formei-me em 1999 e tirei o mestrado em Estruturas (pré-Bolonha) em 2005. Comecei numa empresa de Engenharia à séria, de seu nome JSJ. Aqui aprendi a ser engenheiro e homem, mas acima de tudo a perceber que ter um canudo na mão de pouco me valeria se não guardasse para mim o conhecimento que o dia a dia me permitia reter. Cresci como muitos na área de consultoria e prestação de serviços de engenharia, vulgarmente denominado de "projetista de estruturas". Rodeei-me de bons valores e em 2017 formei uma empresa de Engenharia, com mais dois sócios. Há precisamente 5 anos nascia a 360 Engineering. Batalhámos e conquistámos mercado. Temos ambição de além de empresa de engenharia, ser uma escola de saber-fazer. Não é fácil, mas essa é a nossa meta e havemos de alcançá-la. Aprendi durante estes 23 anos que esta atividade vive de ciclos. Formei-me no pós EXPO'98 no espectro do que poderia ser uma crise no sector. Ela não veio (felizmente). Vivi a crise de 2008 e apreendi à força o que era a internacionalização. Como eu todos neste sector, seja na área de projeto, ou na área de construção tivemos de ir procurar oportunidades lá fora. De repente lutávamos para trabalhar em Angola, Moçambique, Brasil, Argélia, México, Colômbia com empresas de dimensão mundial. Éramos tão bons como as empresas de primeiro mundo, mas muito mais baratos. E esta era uma grande oportunidade. No entanto, nesta luta de sobrevivência as empresas foram assumindo maiores despesas, viram-se obrigadas a otimizar recursos e no limite para serem mais competitivas congelaram salários. Crescemos como indivíduos e fizemos crescer as empresas portuguesas deste sector. Por outro lado se em 2005 se ia para Angola ganhar pelo menos 5.000€, com carro, casa paga e pelo menos duas viagens a Portugal. Em 2014, já se fazia o mesmo trajeto por pouco mais de 1500€ e sem grandes extras associados. A procura de engenheiros caiu e os nossos jovens deixaram de querer ser engenheiros civis. Os que ainda existiam no mercado encontravam melhores condições lá fora e iam embora. Afinal estar em Bragança, ou Londres tem quase o mesmo custo para vir a Lisboa ao fim de semana, para além qualquer cidade europeia se ter acesso a uma boa qualidade de vida e um bom ordenado. Uma profissão que identifiquei como uma solução profissional cheia de saídas, tinha-se transformado num curso com soluções precárias e salários baixos no nosso país. Em 2015/16 após período negro da Troika, Portugal começa miraculosamente a crescer, fruto do investimento particular e o sector de construção volta a ganhar vida. O trabalho aumenta no sector e as empresas angariam novos e grandes projetos como nunca, mas os ordenados teimam em não crescer. Um eletricista, ou aplicador de pladdur vê o ordenado dobrar, mas um jovem engenheiro vê o mercado oferecer-lhe 1000€ (e já com apoios do Estado). Quem quer estudar 17 anos para ganhar 1000€? As empresas que singraram no mercado, em particular na área de projeto, fazem contas às horas que se podem dispensar num projeto. Se já gastaram essas horas, então é fechar embrulhar e entregar. Perdeu-se a qualidade. Projetos com lajes armadas em corte (armadura igual em cima e em baixo), que para mim era impensável, é agora comummente praticado. Em pleno sec. XXI, com tanto conhecimento e ferramentas disponíveis para praticar engenharia e afinal o que vale é entregar uma "certa coisa". Poucas são as empresas que são identificadas como empresa-escola, onde se apreende, se cresce profissionalmente e se valoriza o currículo pessoal. Nestes 23 anos assisti ao declínio da profissão, mas este ano considero que batemos no fundo. Não há engenheiros para contratar, não há alunos para formar uma turma de estruturas no IST e mesmo em construção se vê pouca gente. Um amigo professor confessava-me que se comenta na universidade que não sabem onde os alunos se meteram. Este ano para se entrar no IST bastaram 12 valores, quando outros cursos corriqueiros andam em notas de 16, 17 e 18. A Engenharia Civil deixou de ser atrativa para um jovem. . Oiçam todos muito bem. Um jovem de 18 anos não vê na engenharia civil um futuro. Julgo que é o momento da Ordem dos Engenheiros, as universidades e as empresas acordarem para a realidade. Nos próximos anos não vão ter quem contratar. Nem bons, nem maus. Simplesmente não vão ter ninguém. Ou as nossa empresas e instituições acordam para a realidade atual ou vamos todos ter grandes dificuldades nos próximos anos. Temos de provar aos investidores que os projetos e a construção tem de ser bem paga. Um bom projeto, uma boa construção vai resultar em poupança no investimento inicial, como ao longo da vida de um edifício ou de uma infra-estrutura. Temos de regulamentar a atividade. Um engenheiro em nome individual não se pode "prostituir" por meia dúzia de patacas e não pagar licenças dos programas que utiliza, nem entregar projetos de milhões com um seguro de responsabilidade civil de 50.000€/ano assegurado pela Ordem dos Engenheiros. Temos de formar desenhadores, medidores, orçamentistas e encarregados. Deixaram de existir. Não há quem os forme!!! Temos de tornar esta área atrativa e dar futuro a quem a quiser abraçar. Vamos dar um murro na mesa e voltar a valorizar a nossa área. A mudança de paradigma depende dos players da nossa área. Quem lucra com a situação atual, brevemente vai sofrer as dificuldades dos que estão no inicio da cadeia alimentar. Vamos lá dar volta a isto e mostrar à malta nova que ser Engenheiro Civil é uma grande oportunidade de vida.
Technical Director at Maismf, Lda
2 aRicardo, tenho 56 anos, formei-me com 23 no IST, fiz la o mestrado de engenharia de estruturas, pré bolonha...acho o mesmo..a engenharia civil tem futuro. Eu amo a minha profissao e apesar das dificuldades porque passei, continuo a recomendar !!!
Resident Engineer at AtkinsRéalis (Irish Water)
2 aFantástico texto e triste realidade. Sem me alongar, eu sou daqueles que teve de emigrar mas agora digo que infelizmente não volto e as razões seriam um texto tão longo quanto o seu.
Engenheira Civil e Técnica em Edificação. Especialista em Patologias Construtivas; Especialista em Saneamento Básico.
2 aOlhando a situação dos colegas de profissão portugueses não parece muito diferente do mercado brasileiro. Excelente reflexão, colega.
CEO na Luzimeca
2 aO Engenheiro civil é o expoente máximo da construção civil, e é todo o setor que necessita urgentemente de ser reinventado e só existe uma maneira de o fazer, de dentro para fora, ou seja, todos os intervenientes no processo têm de fazer parte da mudança, todos temos de puxar para o mesmo lado OE, OET, OA, Promotores, Projetistas, Gestores de Projeto, Empreiteiros e Sub empreiteiros, trabalhando em conjunto, criando barreiras à entrada para quem quer trabalhar na construção civil, (qualquer um hoje é pintor, amanhã é eletricista e depois de amanhã o que houver), não confundindo obras de engenharia com obras de bricolage, eu acredito que só valorizando todo um setor desde a base é podemos ser todos mais valorizados no futuro. Da minha parte estou disponível para fazer esse caminho lento e duro para que no futuro ser Engenheiro Civil tenha a dignidade e reconhecimento que merece.
Partner and Senior Structural Engineer for Buildings @ 360 Engineering
2 aAgradeço a todos as simpáticas palavras que tenho recebido, de forma mais ou menos pública. Isso significa que há espaço para fazer algo pela nossa atividade. Habitualmente falamos apenas das Ordens, mas existem associações de empresas do sector que a maioria dos que exercem a atividade desconhecem. E se as desconhecemos, é porque estas se dão pouco a conhecer ou tem pouca importância no nosso meio e consequentemente na sociedade. Julgo que precisamos de ouvir mais e fazer-nos ouvir, seja através do associativismo, ou seja de forma individual. Temos de nos fazer ouvir ...