Ser Engenheiro é um privilégio...mesmo em tempos difíceis.

Ser Engenheiro é um privilégio...mesmo em tempos difíceis.

A crise vivida em Portugal desde 2008/09 conduziu ao desaparecimento de muitas empresas do mercado, em particular empresas de Projeto e Consultoria de Engenharia. Empresas pequenas, algumas dirigidas por professores universitários, com nome no mundo do projeto, eram orientadas de forma apaixonada no que respeita à Engenharia, mas com algum desprimor para a componente comercial e económica. Os projetos "vinham ter" com os técnicos e não havia necessidade de empreender qualquer ação comercial.

A crise veio arrefecer o mercado da construção nacional e obrigou a que as empresas de Consuloria e Projetos de Engenharia descobrissem uma palavra que até aí era quase desconhecida. A internacionalização. 

Empresas com maior cariz comercial e com clara noção da sua missão, enveredaram num investimento de sobrevivência nos mercados internacionais, em particular nos PALOPS, onde a língua e os costumes desses povos ajudavam à entrada e ambientação nos novos mercados. Uns conseguiram, outros infelizmente não. Empresas com imenso know-how desapareceram ou reduziram a sua estrutura a "mínimos olímpicos". Outras empresas singraram e ganharam estatuto, não tanto pela sua capacidade de praticar uma engenharia de Excelência, mas por terem clara noção no que consistia o negócio. As empresas deixaram de "fazer projetos" para passarem a ser empresas prestadores da serviços de Engenharia. De fato, expressões que parecem idênticas, revelam uma mudança radical do paradigma da Engenharia em Portugal. 

À medida que a crise se aprofundava, as empresas de maior sucesso (repito não as com maior conhecimento) vingaram no mercado por terem um postura mais consciente da nova realidade, mas igualmente por serem capazes de realizarem uma abordagem mais consciente dos custos associados à produção e dos valores que poderiam ser cobrados aos clientes, mantendo margens de lucro controladas. Esta situação e a necessidade de continuar a ganhar trabalhos conduziram a que os valores de honorários baixassem substancialmente, sendo hoje o trabalho de projeto em Engenharia pouco valorizado.

Morreram as empresas apaixonadas e com boas relações entre si e sobreviveram empresas mais conscientes, mas igualmente mais ferozes no mercado. A relação inter-empresas perdeu alguma da deontologia outrora vivida. Nos anos 80/90, um revisor de projeto nunca escreveria num relatório de revisão algo negativo para o colega autor do projeto, sem antes falar "off-record" com este, advertindo-o dos aspectos menos positivos que tinha identificado. Hoje em dia, identifico muitas situações em que o revisor de projeto espezinha o revisado em praça pública, sem dó nem piedade, ora para se destacar do colega como sendo mais capaz, ora para conseguir junto do cliente ficar com o projeto do colega. 

As variantes de projeto passaram a ser habituais. As empresas de construção perceberam que se conseguissem ir a concurso com uma solução de projeto mais económica, conseguiriam concorrer com preços mais baixos, sendo quase sempre a única forma de ganhar novas obras. Verifico no entanto com tristeza que muitas vezes o surgimento de variantes de projeto conduzem a episódios de "ultrapassagem pela direita" assistindo-se recorrentemente a projetos que são plagiados, a pressupostos que são deliberadamente alterados, e até a jogadas de bastidores, que valorizam os ditos "especialistas de variantes" e degradam a imagem dos projetistas originais, como estes fossem incompetentes e esbanjadores de recursos e os segundos fossem ícones da Engenharia e os únicos que se preocupam com a economia do investimento do cliente.

Sou da opinião que ser Engenheiro é um privilégio e que temos mais a ganhar aprendendo e colaborando entre todos, do que em vivermos num permanente clima de crispação e combate. O mercado nacional é pequeno, e provavelmente nunca voltará a ser o que foi nos anos 90. Mas o mercado internacional é imenso. Haja engenho e arte para descobrir novas oportunidades de negócio.

Os engenheiros portugueses são bons, fruto de uma excelente formação académica e chegam hoje em dia aos mercados do norte da Europa, onde se destacam como sendo os melhores. 

Temos que valorizar a nossa profissão todos os dias na forma como nos apresentamos no mercado. Temos que nos respeitar todos os dias como colegas de profissão.

Não tenho dúvidas que "(...) Mais cedo ou mais tarde, o que semeares na vida colherás a dobrar(...)"

um abraço a TODOS os colegas Engenheiros.

Ricardo Luís

Ricardo Luís

Partner and Senior Structural Engineer for Buildings @ 360 Engineering

8 a

Claro que é!!!

Bom texto. Caracteriza muito bem o mercado actual do projecto. Criou-se a ideia que vale tudo: honorários muito baixos, prazos irrealistas, soluções perfeitas para ontem. Pensar e conceber um projecto, estudar o objecto, ou aprimorar soluções passaram a ser actividades privilegiadas. A pressão pelo "entra porco (de manhã) sai chouriço (ao fim do dia)" é muita mas estou certo que cabe à nossa classe saber valorizar a profissão e não ceder a facilitismos. "Rico" dono da obra, paga mais pela porta de entrada da sua casa do que pelos projectos de especialidades. "Podre" engenheiro, não tem opção senão aceitar para não perder a corrida. Cabe a nós Engenheiros mostrar a importância do nosso trabalho e a mais valia de se fazerem bons projectos. Se o nosso vizinho estiver bem, nós certamente também estaremos, por isso a partilha, a ajuda, o respeito pelos colegas será meio caminho andado para todos crescermos.

António Torres

Engenheiro Civil Sénior I Project Management I Gestão da Construção

8 a

Faltou referir a incapacidade técnica da grande maioria dos Donos das Obras/Projetos , que compactuam e permitem esse tipo de abordagens, optando quase exclusivamente pelo factor preço e por vezes prazo, em prejuízo da qualidade. Mas ser Engenheiro ainda é de facto um Privilégio!

ié ié o engenheiro é que é abraço

Nuno Madeira

Owner at Vimatil Unipessoal lda

9 a

Concordo perfeitamente com o que o colega escreve, o problema principal como diz com a retração do mercado é vermos constantemente as tais alternativas, muitas vezes sem a qualidade ou durabilidade pretendidas pelos projectistas, ou seja trocámos o retorno futuro do investimento pelo retorno presente e imediato que resulta da redução de custos. Infelizmente as jogadas de bastidores também são muitas, não ganhando muitos vezes ou quase nunca a melhor proposta (leia-se a melhor relação qualidade/preço), esperemos que com o tempo as mentalidades mudem....

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